Jovem índia, sd
Elón Brasil (Niterói, RJ, 1957)
Técnica mista
Foto de uma exposição na França
Quem já se preparou para um exame de vestibular em letras no Brasil deve se lembrar que uma das leituras obrigatórias, ou melhor, uma das leituras que podem ser discutidas nessas provas é o poema-livro de Santa Rita Durão: Caramuru. Publicado em 1781, é considerado a primeira criação literária de um brasileiro com tema indígena. E apesar de ser uma obra enquadrada nas linhas do neoclassicismo, por sua temática é freqüentemente considerada como “ponte” para o romantismo, apesar de ser também fortemente influenciado pelo poema-épico de Camões, Os Lusíadas. Caramuru está em domínio público e foi do texto oferecido pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro – online – que copiei aqui, a passagem sobre a morte de Moema, que é sem sombra de dúvida, uma das mais belas horas da literatura brasileira. Faz parte do CANTO VI.
XXXIV
Dizendo assim, com calma vê lutando
Formosa nau de Gálica bandeira,
Que a terra ao parecer vinha buscando,
E a proa mete sobre a própria esteira:
Vem seguindo a canoa, e sinais dando,
Até que aborda a embarcação veleira;
E de paz dando a mostra conhecida,
As praias de Bahia a nau convida.
XXXV
A Gupeva entretanto, e Taparica
Dava o último abraço, e à forte Esposa
A intenção de levá-la significa,
A ver de Europa a Região famosa:
Suspensa entre alvoroço, e pena fica
Paraguaçu contente, mas saudosa;
E quando o pranto na sentida fuga
Começava a saudade, amor lho enxuga.
XXXVI
É fama então que a multidão formosa
Das Damas, que Diogo pretendiam,
Vendo avançar-se a nau na via undosa,
E que a esperança de o alcançar perdiam:
Entre as ondas com ânsia furiosa
Nadando o Esposo pelo mar seguiam,
E nem tanta água que flutua vaga
O ardor que o peito tem, banhando apaga.
XXXVII
Copiosa multidão da nau Francesa
Corre a ver o espetáculo assombrada;
E ignorando a ocasião da estranha empresa,
Pasma da turba feminil, que nada:
Uma, que às mais precede em gentileza,
Não vinha menos bela, do que irada:
Era Moema, que de inveja geme,
E já vizinha à nau se apega ao leme.
XXXVIII
Bárbaro (a bela diz) Tigre, e não homem…
Porém o Tigre por cruel que brame,
Acha forças amor, que enfim o domem;
Só a ti não domou, por mais que eu te ame:
Fúrias, raios, coriscos, que o ar consomem,
Como não consumis aquele infame?
Mas pagar tanto amor com tédio, e asco…
Ah que o corisco és tu… raio… penhasco.
XXXIX
Bem puderas, cruel, ter sido esquivo,
Quando eu a fé rendia ao teu engano;
Nem me ofenderas a escutar-me altivo,
Que é favor, dado a tempo, um desengano:
Porém deixando o coração cativo
Com fazer-te a meus rogos sempre humano,
Fugiste-me, traidor, e desta sorte
Paga meu fino amor tão crua morte?
XL
Tão dura ingratidão menos sentira,
E esse fado cruel doce me fora,
Se a meu despeito triunfar não vira
Essa indigna, essa infame, essa traidora:
Por serva, por escrava te seguira,
Se não temera de chamar Senhora
A vil Paraguaçu, que sem que o creia,
Sobre ser-me inferior, é néscia, e feia.
XLI
Enfim, tens coração de ver-me aflita,
Flutuar moribunda entre estas ondas;
Nem o passado amor teu peito incita
A um ai somente, com que aos meus respondas:
Bárbaro, se esta fé teu peito irrita,
(Disse, vendo-o fugir) ah não te escondas;
Dispara sobre mim teu cruel raio…
E indo a dizer o mais, cai num desmaio.
XLII
Perde o lume dos olhos, pasma, e treme,
Pálida a cor, o aspecto moribundo,
Com mão já sem vigor, soltando o leme,
Entre as falsas escumas desce ao fundo:
Mas na onda do mar, que irado freme,
Tornando a aparecer desde o profundo;
Ah Diogo cruel! disse com mágoa,
E sem mais vista ser, sorveu-se n’água.
XLIII
Choraram da Bahia as Ninfas belas,
Que nadando a Moema acompanhavam;
E vendo que sem dor navegam delas,
À branca praia com furor tornavam:
Nem pode o claro Herói sem pena vê-las,
Com tantas provas, que de amor lhe davam;
Nem mais lhe lembra o nome de Moema,
Sem que ou amante a chore, ou grato gema.
MINSTÉRIO DA CULTURA
Fundação Biblioteca Nacional
Departamento Nacional do Livro
CARAMURU: POEMA ÉPICO
Santa Rita Durão
Frei José de Santa Rita Durão, poeta brasileiro da fase neoclássica (Cata Preta, MG, 1720 – Lisboa, Portugal, 1784). Escreveu o poema épico Caramuru (1781), primeira obra literária a usar como tema o índio brasileiro, suas lendas e seus costumes, e heróis nacionais. Nascido no Brasil, Durão partiu para a Europa em 1731, radicando-se em Portugal, onde teve marcante participação política. Foi um grande orador.