Eu, pintor: Marcellin Gilbert Desboutin

22 09 2025

Autorretrato

Marcellin Gilbert Desboutin (França, 1823-1902)

Óleo sobre tela, 35 x 25 cm

Coleção Particular

A título de curiosidade: há um retrato de Marcellin Gilbert Desboutin, por Édouard Manet, no MASP [Museu de Arte de São Paulo, que coloco aqui abaixo:

 

 

Retrato de Marcellin Gilbert Desboutin, 1875

Édouard Manet (França, 1832-1883)

óleo sobre tela, 191 x 128 cm

MASP, São Paulo





Palavras para lembrar: Joseph Joubert

14 01 2020

 

 

 

9GMGHrSeuB17TzalhGxhLJQhZjZBQbjSRetrato de dama com livro junto a uma fonte, c. 1785

Antoine Vestier (França, 1740 – 1824)

óleo sobre tela, 130 x 98 cm

MASP — Museu de Arte de São Paulo, São Paulo

 

 

“O grande inconveniente dos novos livros é nos impedir de ler os antigos.”

 

Joseph Joubert

 

 





Os Retirantes, texto de Francisco de Barros Júnior

9 09 2014

 

 

1203069992_fCriança morta, 1944

Cândido Portinari (Brasil, 1903-1962)

óleo sobre tela, 176 x 190 cm

MASP — Museu de Arte de São Paulo, SP

 

 

Quem não conhece sua história está fadado a repeti-la.

 

 

“Era 1928, com o café valorizado, em vésperas do craque de seu famigerado Instituto, São Paulo era a Meca dos nordestinos que rumavam para as suas fazendas. Agenciadores traziam-nos aos milhares nas terceiras classes dos vapores do Loide ou pela navegação do S. Francisco. Foi porém tal o êxodo, que um decreto proibiu a saída de trabalhadores de um para outro estado. Essa proibição mais acirrou a ânsia de emigrarem, e famílias se reuniam, viajando as duzentas e cinquenta ou trezentas léguas até Montes Claros. Vinham a pé pelos trilhos e caminhos incertos das caatingas, gastando dois a três meses nessa trágica peregrinação, juntando mais cruzes às que guardam os esqueléticos corpos de inocentes crianças, mulheres enfraquecidas pelas privações, e velhos abatidos pela fome, sede, ou antigas mazelas agravadas. Umas sepulturas são recentes, outras mais antigas, as dos que, anos antes, seguiam o mesmo rumo.

As mães levam nos braços, a sugar-lhes os peitos mirrados e sem leite, criancinhas magríssimas, mal protegidas por panos sujos e esfarrapados. Outras, levam filhos de dois e três anos inteiramente nus, montados nos quadris. Jumentinhos, a que chamam “jegues”, desaparecem sob cargas fabulosas, sobre as quais ainda vão encarapitados moleques de sete e oito anos.

Léguas e léguas, dias seguidos sob a soalheira estorricante, economizando avaramente restinho de água quente no fundo do surrão de couro de cabra, sem encontrar cacimba ou brejo, onde possam escavar em busca do vital elemento. Caminham parte da noite à luz das estrelas que brilham desusadamente na atmosfera sem umidade. Quando o cansaço é grande, acampam sob o pano esfarrapado de barracas, à sombra problemática de árvores desfolhadas. Os jegues roem cascas de árvores e passam dias e dias sem beber, caminhando sem parar, sob o peso da sua carga, de cabeça baixa e olhos semicerrados.”

 

Em:  Caçando e pescando por todo o Brasil, 3ª série: no planalto mineiro, no São Francisco, na Bahia, de Francisco de Barros Júnior, São Paulo, Melhoramentos: s/d, pp. 86-87.

Francisco Carvalho de Barros Júnior (Campinas, 14 de dezembro de 1883 — 1969) foi um escritor e naturalista brasileiro que ganhou em 1961 o Prêmio Jabuti de Literatura, na categoria de literatura infanto-juvenil.

Francisco Carvalho de Barros Júnior, patrono da cadeira n° 16 da Academia Jundiaiense de Letras, colaborou em vários jornais e revistas e é o autor da série Caçando e Pescando Por Todo o Brasil, um relato de viagens pelo Brasil na primeira metade do século XX, descrevendo diversos aspectos das regiões visitadas (entre outros botânica, animais e populações caboclas e indígenas).

Obras:

Série Caçando e Pescando Por Todo o Brasil

Primeira série: Brasil-Sul, 1945

Segunda Série: Mato Grosso Goiás, 1947

Terceira Série: Planalto Mineiro – o São Francisco e a Bahia, 1949

Quarta Série: Norte,  Nordeste,  Marajó, Grandes Lagos, o Madeira, o Mamoré, 1950

Quinta Série: Purus e Acre, 1952

Sexta Série: Araguaia e Tocantins, 1952

Tragédias Caboclas, 1955, contos

Três Garotos em Férias no Rio Tietê, 1951, infanto-juvenil

Três Escoteiros em Férias no Rio Paraná, infanto-juvenil

Três Escoteiros em Férias no Rio Paraguai, infanto-juvenil

Três Escoteiros em Férias no Rio Aquidauana, infanto-juvenil





Poema-fábula de Antônio Feliciano de Castilho

13 10 2010

A grande árvore, 1942

Chaim Soutine ( Ucrânia, 1893 – França, 1943)

Óleo sobre tela, 99 x 75 cm

Museu de Arte de São Paulo

QUEM POUPA AS ÁRVORES ENCONTRA TESOUROS

                            Antônio Feliciano de Castilho

O vizinho Milão, que hoje é tão rico,

Não tinha mais que uma árvore, e de terra

Só quanto aquela sombra lhe cobria.

— “Corta-a, Milão, diziam-lhe os pastores.

Alegras teu campinho e terás lenha

Para aquecer a choça um meio inverno.”

— “Eu! Respondia o triste, eu pôr machado

Na boa da minha árvore?  primeiro

Me falte lume alheio o inverno todo,

Que eu mate a que a meu pai já dava sestas;

A que de meu avô me foi mandada,

Que a mão pôs para si; e a que nos braços

Me embalou tanta vez sendo menino.

Os deuses a existência lhe dilatem

Que assim lhe quero eu muito, e o meu campinho

Produza o que puder, que eu sou contente.”

Sorriam-se os pastores; o carvalho

Cada vez mais as sombras estendia,

E Milão de ano em ano ia a mais pobre.

Lembrou-se um dia em bem, que uma videira

Plantada a par com o tronco, o enfeitaria,

E os cachos pendurados pela copa

Lhe dariam também sua vindima:

E eis que ao abrir a cova, acha um tesouro!

Desde então ficou rico, e diz-me sempre,

Que os deuses imortais lh’o hão dado o prêmio,

Por amar suas árvores.  É ele

Quem m’as ensina  amar, são dele os versos,

Com que ao bosque de Pã cantei louvores.

Em: Apologia da árvore, de Leonam de Azeredo Penna, Rio de Janeiro, IBDF  [Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal]:1973 – antologia dedicada às escolas do Brasil.

António Feliciano de Castilho ( Portugal, 1800 – 1875) — primeiro visconde de Castilho,  foi um escritor romântico português, polemista e pedagogo, inventor do Método Castilho de leitura. Em consequência de sarampo perdeu a visão quase completamente aos 6 anos de idade. Licenciou-se em direito na Universidade de Coimbra. Viveu alguns anos em Ponta Delgada, Açores, onde exerceu uma grande influência entre a intelectualidade local. Contra ele se rebelou Antero de Quental (entre outros jovens estudantes coimbrões) na célebre polêmica do Bom-Senso e Bom-Gosto, vulgarmente chamada de Questão Coimbrã, que opôs os jovens representantes do realismo e do naturalismo aos vetustos defensores do ultra-romantismo.

Obras:

A Chave do Enigma (eBook)

Eco da Voz Portugueza por Terras de Santa Cruz (eBook)

O presbyterio da montanha (eBook)





Onde está o leitor ou a leitora nas artes plásticas brasileiras?

3 10 2008

José Ferraz de Almeida Jr (Brasil,1850-1899) Moça com livro, 1879, MASP

 

 Moça com livro, 1879

José Ferraz de Almeida Júnior ( Brasil, 1850-1899)

óleo sobre tela

Museu de Arte de São Paulo

 

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Coleciono imagens de pessoas lendo.  A maioria foi feita por pintores europeus até o final do século XIX e depois deste período os artistas americanos passam à frente dos europeus na representação de homens, mulheres e crianças lendo.  Acredito que isto se deva ao número muito maior de artistas americanos, i.e., a classe dos artistas plásticos nos EUA ocupa uma maior percentagem da população do que o grupo de europeus em relação à população européia.  Provavelmente uma conseqüência na educação mais democrática, mais universal  no país da América do Norte. Mas, este não é o assunto nesta postagem. 

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José Ferraz de Almeida Jr, (Brasil 1850-1899), Moça lendo carta

Saudade, 1899, [Moça lendo carta]

José Ferraz de Almeida Jr ( Brasil 1850-1899)

óleo sobre tela, 197 x 101 cm

Pinacoteca do Estado de São Paulo [PESP]

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Meu tópico é questionar: por que um tema comum na Europa e nos países da América do Norte é praticamente inexistente nas artes plásticas brasileiras?  Uma opinião sem qualquer estudo específico seria de que no Brasil as pessoas não leriam tanto.  E também de que havia muito menos artistas em relação à população brasileira do que no resto do mundo.  Ou seja a proporção não permitiria a abundância de imagens, a necessidade de variações de temas.

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O tópico da mulher lendo, esta eterna musa inspiradora dos europeus e americanos, então, ainda restringe mais a imaginária brasileira.  No Brasil, a imagem da mulher leitora mal aparece na pintura do século XIX e aparece de maneira bem resumida durante o século XX.   A fascinação dos artistas estrangeiros pela mulher lendo poderia ter sido causada por diversos motivos:

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José Ferraz de Almeida Júnior, (Brasil 1850-1899) Familia reunida em casa do interior

 Família reunida em casa do interior, s/d

José Ferraz de Almeida Júnior (Brasil 1850-1899)

óleo sobre tela

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1) A  modelo, mesmo sofrendo de um preconceito comum — de que esta mulher teria uma posição social duvidosa —  associada à uma mulher fácil, de princípios morais flexíveis — nos países mencionados anteriormente, mesmo sendo pobre  esta mulher era alfabetizada o suficiente para poder posar convincentemente como leitora.  

 

2) É verdade que o tema permite também que pessoas que não são modelos profissionais, tais como irmãs, mães e esposas de pintores, pudessem  facilmente se submeter a este papel de modelo, porque ler em geral é feito numa posição parada e confortável.  Ou seja mulher não profissional pode posar lendo.  

 

3) A fascinação quase erótica vista pelos artistas estrangeiros na pintura da mulher que se abandona ao ato privado da leitura parece ser mais provocativa lá fora do que no Brasil.  A sensualidade da mulher-leitora passa desapercebida no Brasil.  Talvez porque a maioria das mulheres brasileiras, mesmo das famílias mais abastadas, que se encontravam fora das grandes cidades, era analfabeta.  E analfabeta permaneceu até muitos anos dentro do século XX.

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José Ferraz de Almeida Júnior (Brasil 1850-1899) Moça lendo em Itu.

 Moça lendo em Itu, sd

José Ferraz de Almeida Júnior ( Brasil 1850-1899)

óleo sobre tela

 

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No Brasil, a imagem da mulher leitora mal aparece na pintura do século XIX e aparece de maneira bem resumida durante o século XX.  A maior exceção à regra é do pintor paulista José Ferraz de Almeida Júnior ( 1850-1859) de quem conheço pelo menos quatro pinturas a óleo com o tema.

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Recentemente tive a oportunidade de ler o livro: O Retrato do Rei de Ana Miranda e me senti emocionada o suficiente para copiar algumas passagens que reproduzo aqui, descrevendo o tipo de consideração dada a quem queria ler.

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Bertha Worms (Brasil 1868-1937) Menina com livro, desenho

 Menina com livro, s/d

Bertha Worms ( Brasil 1868-1937)

desenho

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 Esta passagem ilustra bem o nível retrógrado da sociedade portuguesa, que não condizia mesmo com o resto da Europa neste sentido, principalmente porque a Mariana do romance é de uma classe social que na Europa já estaria lendo pelo menos o seu missal.  E explica a nossa herança cultural.

 

Ainda menina, Mariana recebera, uma noite, ordem de seu pai, dom Afonso, para que fosse à sala de livraria. Ela entrara, assustada. Sempre que o pai tinha uma repreensão ou castigo para as filhas chamava-as a tal lugar. O barão, em pé, diante da mesa, parecera-lhe um gigante. Batendo ritmadamente o chicote na mão, perguntara se ela estava pretendendo aprender a ler. Apontara com o chicote para um volume sobre a mesa, uma cartilha das primeiras letras. Mariana abaixara os olhos, sentindo o sangue tomar-lhe o rosto. Dom Afonso pegara o livro e aproximara-o da chama da vela. A cartilha demorou a pegar fogo e lentamente foi-se consumindo. “Cuida-te com os teus desejos”, o pai dissera. “Se eles te tomam, e não tu a eles, vais arder no fogo do inferno.” Em seu quarto a velha aia Sofia a esperava, com uma vara na mão. “Tira a roupa”, dissera a alemã. “Essas meninas da colônia são educadas como vacas. Que mal há em saber ler? As freiras não aprendem nos conventos? Na minha terra todas as mulheres sabem letras.” “Sabeis ler, dona Sofia?”  “Cala-te, menina. Tira a roupa.” Mariana, nua, curvada sobre o baú, esperara.“ Trata de gritar bem alto para que teu pai ouça”, Sofia sussurrara. E aplicara, sem nenhuma força, vinte vergastadas nas costas de Mariana, para cumprir a ordem do pai.

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Tarsila do Amaral (Brasil 1890-1973) Beatriz lendo, 1965

Beatriz lendo, 1965

Tarsila do Amaral ( Brasil, 1890-1973) 

óleo sobre tela

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Na história Mariana é mal vista através do padre local, justamente por parecer saber ler.  Ele suspeita que comunhão com o diabo por carregar um livro para a missa, todos os dias.  A dupla ironia é que ela realmente não sabe ler, mas não admite esta fraqueza para ninguém e continua sua solitária missão de “leitora” através de sua vida.   Aqui está uma passagem dos pensamentos de Frei Francisco no livro sobre a estranha dona Mariana. Estamos no Rio de Janeiro em 1707.

 

Nunca usava decotes como os das mulheres das Minas, vestia quase sempre saia e casaco pretos. Ás vezes aparecia com pintura e cabeleira, como os sodomas do palácio do governador. Costuma ser distraída e gostava de apreciar o horizonte. Falava com estranhos. Entrava nas igrejas, rezava ajoelhada. Andava com o nariz para o alto e olhava as pessoas nos olhos. Despertava vontade de fornicar, pois tinha carnes; mais dava medo. Às vezes a fidalga ficava olhando um livro de capa preta, que Lourenço não sabia dizer o que era, mas talvez fosse um missal.

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e no parágrafo seguinte:
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Frei Francisco interessou-se especialmente por esta última informação, que poderia esclarecer de vez o caráter de dona Mariana. Muitas pessoas se interessavam pelos livros de poesias e ensaios, abandonando as leituras de obras religiosas; não para adquirirem sabedoria filosófica, mas para se desavergonharem. Buscavam na Arte de amar apenas os trechos obscenos. Ovídio ensinava às esposas como enganar seus maridos em celas alugadas; suas mulheres ostentavam infidelidade e os homens uma complacência cornuda. A obra de Ovídio reduzia uma grande civilização a um galinheiro. A maioria dos livros continha um amontoado de sujeiras, arrotos de desbraguilhamentos. Os poetas costumam ser uma gente de natureza maliciosa. Descreviam príncipes em atividades obscenas nos alcouces, nobres em atitudes indignas nas camas, alcoviteiras ensinando moças a tornarem seus amantes generosos, velhos seduzindo meninas, exoterismo mundano, cumplicidade de salão; cantava-se gente da sarjeta em versos langorosos, padres eram difamados. Filósofos ensinavam como apanhar adolescentes no circo. Imperadores invadiam cidades vestidos como mulheres e deleitavam-se com escravos. O que achavam as pessoas, por acaso, que os poetas escreviam sobre as tendas esfumaçadas de César? Discussões sobre táticas de guerra? Meditações? Preferiam descrever vasos de vinho, coroas de pâmpanos, lascívia as bailarinas orientais e homens deitados na mesma cama.

 Em:  O retrato do rei, ANA MIRANDA, Cia das Letras:1991, São Paulo. páginas 87-88

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Adalberto Lutkemeyer (Brasil, RS) Mulher com livro, 1983

 Mulher com livro, 1983

Adalberto Lutkemeyer ( Brasil, RS, contemporâneo)

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É claro, reconheço que estamos tratando de ficção.  Mas Ana Miranda já provou que sua pesquisa histórica é exemplar.

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Duas ou três semanas depois de ler este livro, encontrei uma história semelhante no romance de Luiz Antonio de Assis Brasil, Manhã Transfigurada, em que o noivo de uma jovem no interior do Rio Grande do Sul, desconfia de sua “pureza” por sabê-la leitora de um livro de poemas…

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Seriam só estas as razões para tão poucas imagens de pessoas lendo na pintura brasileira?