As orquídeas
Patrick Marie (França, contemporâneo)
óleo sobre tela, 73 x 92 cm
As orquídeas
Patrick Marie (França, contemporâneo)
óleo sobre tela, 73 x 92 cm
Ambroise Vollard, 1899
Paul Cézanne (França, 1839 – 1906)
óleo sobre tela, 101 x 81 cm
Petit Palais, Paris
Ambroise Vollard, o grande galerista da arte moderna, foi retratado por muitos dos artistas que patrocinava, entre eles Cézanne. Em suas memórias, Souvenirs d’un marchand de tableaux [Lembranças de um negociante de quadros], há a descrição de como Cézanne pintou seu retrato.
“‘Não cochile‘ Renoir me avisou, quando fui posar para Cézanne. No ateliê de Cézanne eu tinha que me sentar num banquinho colocado numa plataforma improvisada, apoiada em quatro tocos de madeira.
Vendo que eu não estava confiante da segurança dessa engenhoca, Cézanne disse com um sorriso convidativo, ‘nada acontecerá se você mantiver o equilíbrio’. E, além disso, posar, significa sentar sem se mover.’
Mas, bastou eu me sentar no lugar, a sonolência se apoderou de mim. Minha cabeça pendeu sobre os ombros. O equilíbrio se foi: plataforma, banco e eu fomos parar no chão.
Cézanne correu à frente.
‘Seu desgraçado! Você atrapalhou a pose! Deveria se sentar como uma maçã. Quem já viu uma maçã agitada?’”
Livremente traduzido por mim, do livro Souvenirs d’un marchand de tableaux, Ambroise Vollard, editora Albin Michel: 1948.
Flores em um vaso de cristal, 1882
Édouard Manet (França, 1832-1883)
óleo sobre tela, 54 x 35 cm
Museu d’Orsay, Paris
Todos nós conhecemos as flores dos jardins do impressionista Claude Monet. No entanto, poucos se lembram dos belíssimos vasos com flores de seu antecessor o pintor francês, realista, inovador, pai da pintura moderna: Édouard Manet.
Lilases brancos, 1882
Édouard Manet (França, 1832-1883)
óleo sobre tela, 54 x 42 cm
Alte Nationalgalerie, Berlim
Manet faz de seus arranjos de flores, alguns pequenos buquês, obras de impacto, pela pincelada forte, aparente, pelas cores contrastantes em alguns casos. E poucos, realmente poucos pintores, conseguem com tão poucas marcas de um pincel, claramente visíveis, dar ao observador a sensação exata do cristal, de sua transparência e peso.
Rosas e tulipas em vaso, 1883
Édouard Manet (França, 1832-1883)
óleo sobre tela, 56 x 36 cm
Coleção Particular
Gosto de estudar naturezas mortas. Elas estão entre os primeiros trabalhos que aspirantes a pintor fazem. São cópias da natureza, em geral em ambiente fechado. Aos poucos, por estudar a maneira de reproduzir o que está sendo retratado (flores, frutos, objetos) e colocar sua própria visão da arte, os artistas se revelam.
Vaso com peônias, 1864
Édouard Manet (França, 1832-1883)
óleo sobre tela, 56 x 36 cm
Museu d’Orsay, Paris
Revelam-se não só ao retratarem o que veem, mas nos arranjos que escolhem, no contraste entre flores com pequenas pétalas de encontro àquelas que possuem pétalas ou folhas mais densas.
Os arranjos de flores de Édouard Manet fazem parte de duas diferentes fases de sua vida. Inicialmente, nos anos 60 do século XIX ele pintou uma série de naturezas mortas de grande impacto e expressão. Vinte anos mais tarde, já nos últimos anos de vida, voltou a retratar buquês, mais singelos mas não menos extraordinários, muitas vezes dando-os como presente a amigos. Não raro os mesmos buquês que amigos traziam ao visitá-lo eram então retratados por Manet e “devolvidos” em forma de arte aos que lhe presentearam.
Flores em vaso de cristal, 1882
Édouard Manet (França, 1832-1883)
óleo sobre tela
National Gallery of Art, Washington DC
Manet sempre deu grande importância à natureza morta. É conhecida sua declaração sobre o assunto: “Un peintre peut dire tout ce qu’il veut avec des fruits ou des fleurs et même des nuages. Vous savez, j’aimerais être le saint François de la nature morte.” [Um pintor pode dizer tudo que quer com frutas e flores e até mesmo nuvens. Quer saber, eu adoraria ser o São Francisco da natureza morta.” (Citação no Catálogo do Musée d’Orsay, Paris).
Lilases e rosas, 1882
Édouard Manet (França, 1832-1883)
óleo sobre tela, 32 x 24 cm
Coleção Particular
Rosas musgo em vaso, 1882
Édouard Manet (França, 1832-1883)
óleo sobre tela, 55 x 34 cm
Sterling and Francine Clark Art Institutem Williamstown, Ma
Cravos e clemátis, 1882
Édouard Manet (França, 1832-1883)
óleo sobre tela, 55 x 34 cm
Museu d’Orsay, Paris
Lilases e rosas, 1883
Édouard Manet (França, 1832-1883)
óleo sobre tela, 56 x 46 cm
Dallas Museum of Art, Dallas, Tx
Lilases e rosas, 1882
Édouard Manet (França, 1832-1883)
óleo sobre tela
Coleção Particular
Natureza morta com copos num cesto, 1644
Sébastien Stoskopff (França, 1597 – 1657)
óleo sobre tela, 52 x 63 cm
Strasburg, Musée de l’Oeuvre de Notre-Dame
Jean-Baptiste Emile Corot (França, 1796-1875)
óleo sobre madeira, 83 x 55 cm
Louvre, Paris
Jean-Baptiste Emile Corot (França, 1796-1875)
óleo sobre papel colado em tela, 32 x 24 cm
Louvre, Paris
Jean-Baptiste Emile Corot (França, 1796-1875)
óleo sobre tela colado em madeira, 92 x 65 cm
The Art Institute of Chicago, EUA
Fui à luta pelos direitos da mulher quando ainda morava nos Estados Unidos, membro da NOW [National Organization for Women] por alguns anos, participei de passeatas e de outras formas de protestos que pediam a igualdade de direitos e de salários entre homens e mulheres. É surpreendente, portanto, até mesmo para mim, só agora vir a ler Simone de Beauvoir, a grande feminista francesa, que revolucionou o pensamento de milhares de mulheres do mundo inteiro, no período logo após a Segunda Guerra Mundial.
Não sei quem tomou a decisão inicial de traduzir pela primeira vez esta série de três contos de Beauvoir e batizá-la com o título insípido de “Mulher desiludida” no lugar de “Mulher destruída” [La femme rompue] do original. Quem quer que tenha sido cometeu um desserviço ao mundo literário e, sobretudo às leitoras brasileiras, diminuindo mais uma vez a mulher, a leitora, com a suavização da própria denúncia feita pela autora. Vale lembrar que os portugueses não fizeram isso em suas edições, lá manteve-se o poder conotativo da palavra ‘destruída’.
Quase cinquenta anos nos separam dessa publicação. É natural esperar que a realidade feminina tenha mudado, que alguns dos assuntos abordados nas histórias pareçam distantes da nossa realidade. É perturbador olhar à volta e constatar que ainda há um número desconcertante de comportamentos destrutivos no cotidiano feminino, semelhantes aos demonstrados nos contos de Beauvoir. Talvez pareçam mais atenuados, disfarçados por outros rótulos, com viés moderno, mas lá estão, vivos na maneira de pensar feminina.
A heroína de “A idade da discrição”, primeiro conto da obra, não consegue aceitar que seu filho adulto pense diferente dela. Ela perdeu o poder sobre o jovem profissional. Mas sua perda é muito maior e bem mais profunda. Seus medos são vários, o pior deles é o preconceito contra o envelhecimento. É uma intelectual que agora duvida de sua capacidade intelectual porque sua última publicação não tem o sucesso esperado. Também seu corpo, assim como o filho a trai, não é mais jovem: “um corpo de velho, apesar de tudo, é menos feio que um corpo de velha, disse a mim mesma… [49]. Tudo contribui para seu desequilíbrio.
O terceiro conto que dá título ao livro mostra o desequilíbrio emocional de uma mulher cujo marido, o centro de sua vida, tem um relacionamento extraconjugal. Mas a traição serve como alavanca para sua destruição. Subitamente Monique percebe que outros aspectos de sua vida não podem mais sustentá-la no mundo idealizado em que vivia. Há a perda da juventude e a realização do tempo que passa. Há o esvaziamento do ninho e a surpresa ao perceber que seu marido teria gostado que ela tivesse trabalhado, que ainda fosse uma profissional. “As mulheres que não fazem nada não suportam as que trabalham.”, ele diz [107]. A observação a fere. O fracasso do casamento ela chega a atribuir à maneira como educou as filhas. E ainda perpetua o sofrimento, pois àquela que segue seus passos, que se torna a dona de casa que ela foi, Monique não poupa: ela a vê com o mesmo filtro com que concebe sua própria imagem. É um momento revelador e profético sobre a perpetuação do preconceito na próxima geração.
Infelizmente, A mulher desiludida ainda é atual. À primeira vista parece que já atravessamos um longo caminho: temos maior liberdade sexual; grande número de mulheres é profissional. Muitas mantêm trabalho fora de casa, mesmo que, por vezes, só o façam por necessidade, mesmo que casadas. Mas basta aprofundar este olhar para perceber que ainda precisamos de uma variedade de mudanças na sociedade, sobretudo na maneira de encarar a vida. Os três contos de Beauvoir são histórias complexas e ambíguas, principalmente a segunda história, “Monologo”, que é um vômito verbal das frustrações de uma mulher contra tudo e contra todos. Mas todos os contos apontam para uma mudança de rumo para as mulheres, e do papel que os homens exercem em nossas vidas. De fato, os homens nos contos não são particularmente fortes. Há em todos um comportamento covarde, inábil, anêmico, vacilante. Para que uma mulher nova exista, há de haver também um novo parceiro mais preparado, eficaz e decisivo. Os dois precisam mudar. Talvez seja por isso que as mudanças não tenham sido mais radicais nos últimos cinquenta anos.
Esta não é uma leitura leve. Bastante deprimente. Revoltante muitas vezes. Mas importante: uma lembrança do caminho percorrido e uma perspectiva sobre aquele por vir. Ainda há muito trabalho pela frente.