A vida como viagem, José Saramago

10 10 2025

Beijo no metrô de Nova York

Philip Hawkins (Inglaterra, 1947)

óleo sobre tela

 

“A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o visitante sentou na areia da praia e disse:
“Não há mais o que ver”, saiba que não era assim. O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.”

 

José Saramago, Viagem a Portugal, 1981





Dia a dia…

3 07 2025

Claraboia foi um livro de José Saramago escrito em 1952.  Mas ele não conseguiu publicá-lo até os anos 80. Não tem aquela forma por que Saramago ficou conhecido.  Tem parágrafos, pontuação tradicional. Trata-se das histórias de diversas famílias vivendo em um edifício.  Tem um gostinho dos anos cinquenta do século passado, é um tantinho moralista. Afinal trata-se da era de Salazar. Saramago usa da insinuação em temas delicados, que hoje seriam abertamente ilustrados, fala de política, de amores e paixões, de seres humanos.  Cativa com sua linguagem, seduz mesmo. É tão bom reconhecer palavras que são usadas em contextos  diferentes e com maestria! Foi uma excelente tarde nesse papo delicioso. 





Silêncio, José Saramago

21 06 2025
Não conheço a autoria dessa imagem.  Só há uma fonte na internet para ela.  Reproduzida muitas vezes.  Não confio. Tenho a impressão de que é feita por IA, ainda que alguns atribuam a um pintor do final do século XIX.  Nem vou mencionar seu nome para evitar que um rumor se propague.  Totalmente fora de seu estilo.   É no entanto uma interessante superimposição ao texto que segue. Serve também para alertar a todos vocês que aqui aparecem que há horas em que temos que confiar nos nossos instintos. 

 

“O som do relógio, que expulsara o silêncio, morria em vibrações cada vez mais ténues e distantes. Depois de apagar todas as luzes, Justina foi sentar-se numa cadeira, perto da janela que dava para a rua. Gostava de ali estar, imóvel, desocupada, as mãos abandonadas no regaço, os olhos abertos para a escuridão, à espera nem ela sabia de quê. A seus pés veio enroscar-se o gato, seu único companheiro de serões. Era um animal tranquilo, de olhos interrogadores e andar sinuoso, que parecia ter perdido a faculdade de miar. Aprendera com a dona o silêncio e, como ela, a ele se abandonava.”

 

 

Em: Claraboia, José Saramago, Cia das Letras.  Original de 1953, publicação póstuma em nova edição. 

 





Colecionadores, por José Saramago

17 02 2025

O colecionador

Charles Spencelayh (Inglaterra, 1865-1958)

óleo sobre tela, 25 x 24 cm

 

 

“Pessoas assim, como este Sr. José, em toda a parte as encontramos, ocupam o seu tempo ou o tempo que creem sobejar-lhes da vida a juntar selos, moedas, medalhas, jarrões, bilhetes postais, caixas de fósforos, livros, relógios, camisolas desportivas, autógrafos, pedras, bonecos de barro, latas vazias de refrescos, anjinhos, cactos, programas de óperas, isqueiros, canetas, mochos, caixinhas de música, garrafas, bonsais, pinturas, canecas, cachimbos, obeliscos de cristal, patos de porcelana, brinquedos antigos, máscaras de carnaval, provavelmente fazem-no por algo a que poderíamos chamar angústia metafísica, talvez por não conseguirem suportar a ideia do caos como regedor único do universo, por isso, com as suas fracas forças e sem ajuda divina, vão tentando pôr alguma ordem no mundo, por um pouco de tempo ainda o conseguem, mas só enquanto puderem defender a sua coleção, porque quando chega o dia de ela se dispersar, e sempre chega esse dia, ou seja por morte ou seja por fadiga do colecionador, tudo volta ao princípio, tudo torna a confundir-se.”

 

Em: Todos os nomes, José Saramago

 





Palavras para lembrar — José Saramago

11 09 2014

 

 

Clara Cohan (EUA 1950s) Humanities Series (1994-1995) Man on steos oil on panelHomem na escada, 1995

[Série Ciências Humanas]

Clara Cohan (EUA, 1950)

óleo sobre madeira

 

“Somos todos escritores. Só que uns escrevem, outros não.”

 

José Saramago