Paraguaçu, poema de Raquel Naveira

16 04 2009

mulher-tupi-com-crianca-albert-eckhout-1641-44-ost-265-x-157cm-museu-de-copenhagen

Mulher Tupinambá com criança, 1641-44

Albert Eckhout, Flandres (1610-1666)

Óleo sobre madeira, 265 x 157 cm

Museu Nacional da Dinamarca

 

 

 

Paraguaçu

 

                                   Raquel Naveira

 

Paraguaçu,

Índia tupinambá.

Apaixonou-se  por Caramuru.

 

Caramuru era um peixe,

Alongado como uma serpente

De mucilagem azul,

Era a alcunha de Diogo Álvares Correia,

O náufrago português,

O homem de fogo

Capaz de matar aves do céu;

Saíra por encanto

Das águas do mar

Gotejando pelos poros

Pequenos brilhantes.

 

Por esse deus misterioso,

Cheirando a pólvora,

Enamorou-se Paraguaçu,

Índia de olhos grandes,

Negros como um turvo rio.

 

Caramuru e Paraguaçu

Partiram numa caravela

Rumo à França,

Lá ela se tornou Catarina,

Nome de rainha e santa.

 

Cobriram de tulherias e sedas

Seu corpo nu

De selvagem menina,

Entre livros e castelos

Sua alma se estilhaçava

Entre dois mundos.

 

Regressaram à Bahia,

Diante de injustiças

E desmandos,

Caramuru prisioneiro,

Paraguaçu virou guerreira,

Flechas zumbiram nos ares,

Depôs e matou o donatário Pereira.

 

Paraguaçu,

Índia tupinambá,

Mulher, terra, nação,

Submeteu-se por muito amar.

 

Em: Stella Maia e outros poemas, Campo Grande, MS; Editora UCDB:2001

 

 

Raquel Naveira (Campo Grande, MS 1957) Poetisa, ensaísta, graduada em Letras e Direito, professora no Curso de Letras da Universidade Católica Dom Bosco de Campo Grande (MS), mestranda em Comunicação e Letras, na Universidade Presbiteriana Mackienzie (SP), e empresária de turismo (Pousada Dom Aquino, em Campo Grande – MS), Raquel Naveira destaca-se por seu talento e engajamento nas atividades culturais do centro-oeste brasileiro.  A escritora tem recebido reconhecimento nacional através de inúmeras premiações e várias indicações para prêmios. Em sua obra, são constantes a religiosidade, o misticismo e os temas épicos.

 

Obra:

 

Via Sacra, poesia, 1989

Fonte luminosa, poesia, 1990

Nunca Te-vi, poesia, 1991

Fiandeira, ensaios, 1992

Guerra entre irmãos, poesia, 1993

Canção dos mistérios, poesia, 1994

Sob os cedros do Senhor, poesia, 1994

Abadia, poesia, 1995

Mulher Samaritana, 1996

Maria Madalena, prosa poética, 1996

Caraguatá, poesia, 1996

Pele de jambo, infanto-juvenil, 1996

O arado e a estrela, poesia, 1997

Intimidades transvistas, 1997

Rute e a sogra Noemi, prosa poética, 1998

A casa da Tecla, poesia, 1998

Senhora, poesia, 1999

Stella Maia e outros poemas, 2001

Casa e castelo, poesia, 2002

Maria Egipcíaca, poesia, 2002

Tecelã de tramas: ensaios sobre interdisciplinaridade, ensaios, 2004

Portão de ferro, poesia, 2006

Literatura e Drogas e outros ensaios, crítica literária, 2007

 

 

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Albert Eckhout (Groningen, 1610 — 1666) foi um pintor, artista plástico e botânico flamengo. É autor de pinturas do Brasil holandês envolvendo a população, os indígenas e paisagens da região Nordeste do Brasil. Viajou também por outras regiões da América, antes de retornar à Europa.

 

 

 

 

 

Para outro quadro de Albert Eckhout neste blog:

 

Dos Prazeres da Mesa Nordestina

 





19 de abril, o Dia do Índio

16 04 2009

caramuru-chegada

 

Caramuru-Guaçu, 1958

Ernesto Frederico Scheffel (Brasil, RS 1927 –)

Óleo sobre tela, 368 x 197,5 cm

Rio de Janeiro

www.scheffel.com.br

 

 

 

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No próximo dia 19, comemoramos o Dia do Índio.  Nos meus anos de escola, no curso básico, sempre lembrávamos este dia e minhas professoras a cada ano faziam com que aprendêssemos algum detalhe a mais sobre os índios brasileiros.  

 

Dentre as muitas lembranças que tenho desta data, ficou marcada em minha memória, uma história que infelizmente me parece um pouco esquecida nos dias de hoje, que é a história de Paraguaçu, a mãe-símbolo de todos os brasileiros.  

 

Não estou interessada em descobrir se tudo o que se diz de Paraguaçu, de Caramuru, ou de Moema realmente aconteceu.  Não acredito que este seja o verdadeiro valor dessa história para o inconsciente coletivo brasileiro.   Muito pelo contrário, acredito ser de extrema importância que mantenhamos as nossas fábulas, as nossas histórias, os nossos contos fantásticos.  Eles fazem parte da nossa gente.  E comemoram todos os que aqui vieram morar.

 

Então vamos nos lembrar de Paraguaçu e de Caramuru:

 

 

caramuru-paraguacu-na-franca

Diogo Álvares Correia e sua esposa, Catarina do Brasil, Paraguaçu.

 

 

 

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A HISTÓRIA DE CARAMURU

 

 

José e Marly tinham pedido ao avô que lhes contasse uma história.  Vovô Miranda acendeu o cachimbo e começou:

 

—  Corria o ano de 1510.  Naquele tempo os portugueses assombravam o mundo com as suas grandes descobertas marítimas.  Vasco da Gama tinha achado o caminho das Índias.  Pedro Álvares Cabral descobrira o Brasil. 

 

Diogo Álvares, então com 22 anos, ficou entusiasmado com os feitos gloriosos dos seus compatriotas.  E resolveu viajar pelo mundo à procura de aventuras.  Deixou a pequena aldeia em que vivia, seguiu para Lisboa e lá embarcou num navio que partia para as Índias.

 

Durante muitos dias a viagem correu tranqüila.  Mas uma tarde, o céu escureceu, os ventos sopraram com violência e o mar tornou-se furioso.  A tripulação do  navio tudo fez para evitar o naufrágio.  Infelizmente, depois de dois dias de luta incessante, o navio foi tragado pelas ondas.  

 

Diogo Álvares, o comandante e alguns marinheiros conseguiram, a muito custo, alcançar a praia.  Diogo Álvares foi o último a chegar.  E ainda estava nadando, quando viu de longe, o comandante e os marinheiros serem mortos pelos índios.  

 

Diogo Álvares logo que caiu, exausto na praia, foi aprisionado.  Não foi porém massacrado, como esperava.  Sua pele alva despertou o apetite dos indígenas e a admiração de uma jovem índia, Paraguaçu, filha do cacique Taparica.  Conduzido à taba, foi entregue às mulheres para ser engordado.  Mais tarde seria morto e comido. 

 

Diogo Álvares teve, porém, a sorte de carregar consigo uma espingarda e um pouco de pólvora.  Um dia, estava à porta de sua maloca, sob a vigilância das mulheres, quando avistou um pássaro que voava em sua direção.  Levou a arma ao rosto e fez a pontaria.  Pum! Um tiro ecoou no espaço e o pássaro caiu morto.

 

Ouviu-se então um alarido infernal.  Os índios estavam aterrorizados.  Nunca tinham visto uma espingarda atirar.  Para eles, Diogo Álvares era um demônio que manejava o raio.  E exclamaram,  pálidos de espanto: Caramuru!  Caramuru!

 

— Que quer dizer Caramuru?  interrompeu José.

 

— Homem do fogo ou filho do trovão, ensinou vovô Miranda.

 

— Daí por diante, Diogo passou a ser o verdadeiro chefe daquela tribo.  Casou-se com a linda Paraguaçu, filha de Taparica, cacique dos Tupinambás.  E ajudou estes, graças ao terror que infundia sua espingarda, a derrotar todas as tribos inimigas.  

 

Tempos depois, Diogo Álvares, saudoso da Europa, embarcou com sua esposa, num navio francês que apareceu na Bahia, região onde se encontrava.  Chegando à França, foi conduzido, em Paris, à presença do rei Francisco I.  Ficou este tão interessado por Diogo e Paraguaçu que resolveu casá-los na igreja.  A cerimônia foi realizada por um bispo.  O enxoval foi oferecido pela rainha e fidalgas francesas.

 

— Com certeza, ficaram na França, gozando as delícias de Paris, comentou Marly.

 

— Não, minha filha.  Diogo e Paraguaçu voltaram para a Bahia.  Preferiram viver no meio dos índios.  Tiveram muitos filhos e ajudaram bastante os portugueses a colonizar o Brasil.

 

 

Em:  Brasil, minha pátria!, Theobaldo Miranda Santos, livro para a 3ª série escolar, Rio de Janeiro, Agir: 1954, p- 12-13.

 

 

Vocabulário:

 

Assombravam – causavam admiração, espanto, terror.

Feitos – atos, empresas, façanhas.

Gloriosos – cheios de glória, honrosos.

Compatriotas – da mesma pátria.

Tragado – devorado, engolido.

Exausto – esgotado, muito cansado.





Lista dos presos em 1932 — Revolução Constitucionalista

26 10 2008

 

Estou repetindo aqui a entrada fotográfica da lista de presos que publiquei na postagem do dia 23 de agosto de 2008, com a listagem em separado, para que seja mais fácil a leitura do nome dos presos. 

Relação dos presos na cidade do Rio de Janeiro, na Revoluçao de 1932

Relação dos presos na cidade do Rio de Janeiro, na Revoluçao de 1932

Leitura da lista dos presos de 1932

 

 

Grupo de presos políticos da Revolução Paulista de 1932, na Casa de Correção do Rio de Janeiro, em Outubro de 1932

 

 

1 –       Austregésilo de Athayde                   jornalista dos Diários Associados

2 –       Capitão Martin Cavalcanti                da Polícia Militar 

3 –       Oswaldo Chateaubriand                   jornalista dos Diários Associados

4 –       Eurico Martins                                  jornalista A Gazeta

5 –       Luiz Américo de Freitas.                   Presidente do Instituto do Café

6 –       Guilherme de Almeida                       Poeta

7 –       Ataliba Leonel                                  PRP

8 –       Thyrso Martins                                 ex-chefe de polícia

9 –       Sylvio de Campos                            PRP

10 –      Francisco Cunha Junqueira               ex-secretario da Agricultura

11 –      Casper Líbero                                  jornalista A Gazeta

12 –      Haroldo Pacheco e Silva                  Legião Paulista

13-       Oscar Machado                               MMDC

14-       Levos Vampré                                 MMDC

15-       Luiz Piza Sobrinho                           MMDC

16-       Joaquim Sampaio Vidal                   ex-diretor Dep. Municipal

17-       Pádua Salles                                    PRP

18-       Aureliano Leite                                PD

19-       J. Castro Carvalho                          PRP

20-       Júlio Mesquita Filho                        jornalista O Estado de São Paulo

21-       Ibrahim Nobre                                promotor público

22-       Lauro Parente                                 engenheiro

23        Aviador Tito Delon(?)

24-       ?                                                     PD

25-       Luiz Dutra                                       advogado no Rio

26-       Mylario Freire                                 PRP

27-       Paulo Salles                                     Minas

28-       Prudente de Moraes Netto               MMDC

29-       J. Cardoso de Almeida Sobrinho      engenheiro,Rio

30-       A. C. Pacheco e Silva                      F. P. Paulista

31-       Antonio Silva Bernardes                   Minas

32-       Cel Azariss Silva                              PP Paulista

33-       Carlos de Souza Nazareth                Pres. Assoc. Com.  MMDC

 

 

 

#1        Belarmino Maria Austregésilo Augusto de Athayde (Caruaru, 25 de setembro de 1898 — Rio de Janeiro, 13 de setembro de 1993) foi um jornalista e professor, cronista, ensaísta e orador brasileiro. Formou-se em direito, trabalhou como escritor e jornalista, chegando a dirigente dos Diários Associados, a convite de Assis Chateaubriand.  Sua declarada oposição à revolução de 1930 e o apoio ao movimento constitucionalista de São Paulo (1932) levou-o a prisão e exílio na Europa e depois na Argentina.  Permaneceu muitos meses em Portugal, Espanha, França e Inglaterra e de lá se dirigiu a Buenos Aires, onde residiu por dois anos (1933-1934).

 

#2       

 

 

#3        Oswaldo Chateaubriand é irmão do Sr. Assis Chateaubriand (proprietário dos Diários Associados) e diretor do “Diário de São Paulo”.

 

# 7       Ataliba Leonel (Itapetininga, 15 de maio de 1875 — Piraju, 29 de outubro de 1934) foi um militar e político brasileiro.  Formado na Faculdade de Direito de São Paulo, foi um dos preparadores do movimento de 23 de maio, quando, na capital do Estado, tombaram as quatro figuras históricas cujos nomes passaram a constituir o símbolo M.M.D.C.. Iniciada a revolução em 9 de julho, organizou a Brigada do Sul, da qual foi comandante-geral. Com a vitória da ditadura, foi preso e exilado em Portugal, residindo em São João do Estoril, com outros brasileiros ex-combatentes da mesma causa. Membro da C.D. do Partido Republicano, representou São Paulo na Câmara Federal, onde relatou a Receita da União na Comissão de Finanças, produzindo trabalhos notáveis, que honra a cultura paulista.

 

O Exílio

 

 

Assim que detidos, foram aprisionados no navio-presídio “Pedro 1º” e transferidos, em seguida, para o navio “Siqueira Campos” que, em 18 de novembro de 1932, chegava a Portugal, desembarcando, entre outros, os generais Bertoldo Klinger, Isidoro Dias Lopes (nos seus quase setenta anos), coronel Euclides Figueiredo, major Mena Barreto, o tenente Agildo Barata Ribeiro; os civis Álvaro de Carvalho, Altino Arantes, Austragésilo de Ataíde, Carlos de Souza Nazaré, Francisco de Mesquita, Guilherme de Almeida, Ibrahim Nobre, Júlio de Mesquita Filho, Luís de Toledo Pisa Sobrinho, Oswaldo Chateaubriand, Prudente de Morais Neto e Paulo Duarte, entre dezenas de outros mais. Eram ao todo 73 brasileiros banidos de sua pátria, que iam se juntar aos exilados de 1930.





São Paulo perde de cabeça erguida! Revolução 1932

23 10 2008

4 de outubro de 1932

 

 

Eu não sei fazer um juízo exato do móvel da revolução de 9 de julho.

 

A revolução encabeçada por São Paulo e seguida por Mato Grosso, dizia-se constitucionalista.  Entretanto, também o governo provisório dizia-se constitucionalista e o Brasil todo o é inegavelmente, e, apesar de tudo, o Brasil todo veio combater São Paulo e Mato Grosso, ao lado do governo central.  Para mim, como expliquei na nota do dia 11 de julho, a revolução foi precipitada pelo Gal Klinger e não foi um movimento constitucionalista no seu íntimo.  São Paulo não podia nem devia pegar em armas pela constitucionalização do país, no dia 9 de julho, uma vez que na época da eleição já se achava marcada pelo governo para 3 de maio do ano vindouro, data com a qual São Paulo já tinha concordado.  O governo provisório, por seu turno, fez mal em aceitar a luta com São Paulo, sem parlamentar com ele, ou ceder um pouco no  prazo do pleito eleitoral, pois, se ele governo, é constitucionalista, não lhe ficava bem tentar abafar pelas armas, um movimento que se dizia ser pela restauração da constituição e da lei eleitoral.  A luta armada só poderia retardar o advento da lei.  Empenhando-se nela, São Paulo, que se dizia constitucionalista, retardava a constitucionalização do país; tentando abafá-la pelas armas, o governo federal que se diz também pela volta da constituição ao país, prolongava o regime ditatorial e prolongava-o com sérios prejuízos ao país, morais, materiais e de vidas preciosas que se iam tombando na guerra entre irmãos.  Logo, nem o governo federal é pela constituição, nem São Paulo fez revolução de caráter constitucionalista.  O motivo da revolução deve ser outro.

 

São Paulo é um povo que cultua um justo orgulho do seu valor cívico, moral, material, intelectual.  Rico, poderoso, populoso, o maior estado do Brasil, que tinha no seu escudo o famoso – non ducor, ducoˡ – achava-se humilhado pela sua ocupação militar desde outubro de 1930.  Essa humilhação prolongava-se e seu orgulho crescia dia a dia.  Sua ira transbordou-se; e, sem motivo plausível, sem uma justificativa séria, pegou em armas, resoluto, para ver se abreviava a constitucionalização do país pela força.

 

A luta armada foi cruenta.  São Paulo todo se mobilizou, e pode dizer-se que o Brasil teve a 9 de julho sua primeira revolução.  Foi uma verdadeira guerra.  Guerra de trincheira, encarniçada, feroz, violenta, demorada.  Guerra de aviões, medonha, implacável.  Guerra verdadeira, na extensão da palavra, porque todos se prontificaram para os combates e tudo foi mobilizado: civis, militares, velhos, crianças, mulheres, índios de Mato Grosso, comerciantes, professores, industriais, alunos, funcionários, etc.  Fábricas trabalhavam dia e noite confeccionando fardamentos, pólvoras, balas, munições em geral.  Fabricaram-se granadas, tanques, carros blindados.  E São Paulo mobilizou cerca de 120.000 homens para a luta e mandou-os para as trincheiras.  O comércio e o povo ajudaram muito.  Subscrições populares se abriram para a compra de tudo.  E o soldado paulista tinha de tudo: roupas, fardamento completo, coletes de lã, cache-cols, capas impermeáveis, capacetes de aço, cobre-capacetes, capacetes de cortiça, cobre-orelhas, bom passadio, alimentação abundante, tudo que se possa imaginar. 

 

E o mais notável em tudo foi a elevação moral do soldado.  Os paulistas iam para as trincheiras, cantando!  Os lares se abriam para soltarem os voluntários, principalmente no norte do estado (aqui em Itapetininga reinou mais o desânimo).  As cartas todas (pela censura se via) eram, com raríssimas exceções, cartas de coragem.  O povo dava dinheiro, jóias, alianças para a vitória de São Paulo. 

 

Vivemos em São Paulo, como anotei no outro dia, o tempo pretérito da antiga e aguerrida Sparta.  Tal qual a espartana que não queria saber se o filho morrera, mas unicamente se Sparta vencera, a paulista em geral recomendava ao marido, ao filho, ao irmão que partia: não voltes sem a vitória de São Paulo!

 

Essa luta foi mantida pelo orgulho do paulista.  São Paulo lutou quase três meses.  Cedia terreno pouco a pouco, quando já não podia resistir o inimigo muito mais numeroso e melhor armado.  Sabia que ia perder a campanha.  Sabia-o, mas atirava-se novamente à sangrenta guerra.  Era um delírio.  Havia qualquer coisa de louco no procedimento do povo paulista, ou qualquer laivo de suicídio em massa.

 

Formavam-se batalhões e batalhões de voluntários.  Fabricavam-se granadas de mão.  Mobilizaram-se batalhões de granadeiros.  Inventaram-se aparelhos lança-chamas e canhões lança-minas, e dizem que fabricaram gases lacrimogêneos, asfixiantes e mais uma outra espécie de invenção paulista que não chegou a ser usada. 

 

Foi a primeira revolução do Brasil, porque as anteriores não se comparam com dois dias desta de 9 de julho.  A verdade é que São Paulo forneceu à historia pátria uma página que pode traduzir leviandade de conduta, precipitação e orgulho, mas também traduz no seu reverso, um exemplo edificante de união, coesão e força. 

 

Apesar de ter havido uma série de traições à causa que São Paulo defendia, traições à coesão, em parte justificadas pela ausência de motivo plausível para semelhante luta fratricida, apesar disso, pode dizer-se que o povo esteve na sua grande maioria unido, nos dias mais amargos e tétricos, sentindo prazer dessa união na desgraça, parecendo repetir aquela frase de Hugo: S’aimer dans l’affliiction, c’est le bonheur du malheur!²

 

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NOTAS:

 

1 – NON DUCOR DUCO = expressão em latim: não sou conduzido, conduzo.  Presente na bandeira de São Paulo

 

2 – [Tradução da frase de Vitor Hugo: Amar-se nos momentos dolorosos é a felicidade da infelicidade].

 

 

 

Transcrição do Diário de Gessner Pompílio Pompêo de Barros (MT 1896 – RJ 1960), Itapetininga, SP, página 151-156 em referência à Revolução Constitucionalista de 1932.

 

 

 

 





Cessou o movimento revolucionário!

16 10 2008

                    Aos que morreram na Revolução.

3 de outubro de 1932

 

Cessou definitivamente o movimento revolucionário.  As tropas paulistas se renderam, incondicionalmente dizem os jornais.  As tropas federais, ocupam Itapetininga e Sorocaba.  Regressei para Itapetininga e, no regresso vim só, de trem, observando a paisagem tristonha do São Paulo vencido.  

 

Vinha de Sorocaba, de trem, sem saber o que se estava passando em Itapetininga, sabedor apenas de que tinha havido ocupação militar da cidade.  Parecia-me que o trem não saía do lugar.  E eu vinha com a imagem de São Paulo vencido a brincar na minha imaginação.  Tudo, no caminho, para mim, assemelhava-se a um ser vencido, mesmo as coisas inanimadas.  E quase do alto da entrada eu avistei a cidade meio metida no mato, ao longe, a matriz de Itapetininga com suas duas torres erguidas sobre o mato, afigurou-se que gritava como um soldado vencido, de braços para cima: não me matem!

 

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Vargas

 

Transcrição do Diário de Gessner Pompílio Pompêo de Barros (MT 1896 – RJ 1960), Itapetininga, SP, página 150-151 em referência à Revolução Constitucionalista de 1932.

Soldados Revolucionários

 





Houve pânico na cidade — Revolução de 1932

12 10 2008

Soldados paulistas, Foto Claro Johnson
Soldados paulistas, Foto Claro Johnson

 

2 de outubro de 1932

 

 

Houve pânico na cidade.  Os autos trabalharam  toda a noite anterior e a madrugada de hoje.  Caminhões não cessavam de correr à noite e de madrugada.  Constava que a linha de resistência das tropas ia ser no rio Itapetininga, a 1 légua desta cidade.  Falava-se que as tropas paulistas continuariam o ataque até o extermínio.  A prefeitura põe à disposição dos habitantes  trens da Sorocabana.  Houve evasão de quase metade da população, durante a noite anterior, a madrugada e todo o dia dois.

 

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Levei a família à Sorocaba, onde ficará até cessar o movimento.  

 

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Trem blindado, 1932, Canhão Schneider 150mm, Araçu, SorocabanaTrem blindado, 1932, Canhão Schneider 150mm, Araçu, Sorocabana

Transcrição do Diário de Gessner Pompílio Pompêo de Barros (MT 1896 – RJ 1960), Itapetininga, SP, página 150 em referência à Revolução Constitucionalista de 1932.

 

Ruas da cidade de São Paulo durante a Revolução Constitucionalista de 1932.





Descontentamento com o armistício? Revolução 1932

9 10 2008

RanchoRancho

1° de outubro de 1932

 

 

Formou-se, ao que parece, uma corrente dos que não querem a paz, talvez receosos que essa paz seja algo deprimente para São Paulo.  Nota-se descontentamento para com a proposta de armistício do General Klinger, por parte de alguns oficiais inferiores, os quais estão dispostos a prosseguir a luta.

 

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A cidade está tranqüila se bem  que paira certo ar de descontentamento entre os paulistas, receosos do acordo e da paz ferirem o brio paulista.

 

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Transcrição do Diário de Gessner Pompílio Pompêo de Barros (MT 1896 – RJ 1960), Itapetininga, SP, página 149 em referência à Revolução Constitucionalista de 1932.

 

 

Tropas legalistas em São Paulo

Tropas legalistas em São Paulo





A cidade amanheceu radiante. Revolução de 1932

6 10 2008

 

 

 

 

 

30 de setembro de 1932

 

A cidade amanheceu radiante: os boatos de pacificação se alastraram desde as 7 horas da manhã.  Em verdade, porém, o que há é um armistício para entendimentos entre São Paulo e a Ditadura, o qual será levado a efeito ainda hoje ou amanhã.  Jornais publicam hoje haver sido assinado o armistício e terem entrado em confabulações para a par os representantes de São Paulo e da Ditadura.  

 

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Transcrição do Diário de Gessner Pompílio Pompêo de Barros (MT 1896 – RJ 1960), Itapetininga, SP, página 149 em referência à Revolução Constitucionalista de 1932.

 

 





Metralharam o avião da ditadura. Revolução de 1932

4 10 2008

 

Ataque à fortaleza.  1932Ataque à fortaleza. 1932

 

29 de setembro de 1932

 

 

Nos dias anteriores houve relativa calma.  Alguns boatos somente.  Fala-se que esteve iminente a ocupação de Campinas pelas tropas federais e que as trincheiras que guarneciam aquela cidade eram nos arrabaldes, tanto que as tropas iam de bonde para o front!  Hoje corre com insistência o boato da ocupação pelas forças federais da cidade de Ribeirão Preto o que causou certo abatimento entre a população paulista.  Fala-se que o combate do setor na frente de Campinas é decisivo.  Voou sobre esta cidade um avião da ditadura.  Metralharam-no e fugiu sem ter bombardeado.

 

 

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Transcrição do Diário de Gessner Pompílio Pompêo de Barros (MT 1896 – RJ 1960), Itapetininga, SP, página 148 em referência à Revolução Constitucionalista de 1932.

 

Tunel da Mantiqueira, 1932.





Boatos sobre sublevação de tropas. Revolução de 1932

2 10 2008

25 de setembro de 1932

 

 

Chegam tropas do norte para reforço da frente sul.  A cidade está cheia de soldados.  Há treinos de exercícios de lança-minas e bombardas.   Dizem que foram para o fronte dois caminhões blindados.  Boatos de sublevação de tropas na cidade do Rio Grande e de entendimentos entre o Sr. J. Neves e tropas do sul, na frente sul de São Paulo.

 

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Transcrição do Diário de Gessner Pompílio Pompêo de Barros (MT 1896 – RJ 1960), Itapetininga, SP, página 148 em referência à Revolução Constitucionalista de 1932.