A ovelha, fábula de Francisca Júlia

28 11 2025

 

 

A ovelha

 

Francisca Júlia da Silva 

 

A ovelha, um dia, muito triste por não ter forças para lutar com os cães que a mordiam, ou armas de defesa contra a ferocidade dos lobos, dirigiu-se a Júpiter e expôs-lhe suas queixas:

– Pai, todos os animais que vivem sobre a terra, desde o inseto ao paquiderme, têm meios de defender-se contra os ataques; e coragem para provocar as lutas. Eu, porém, sou tímida e indefesa: tudo me causa medo. Queria, pois, que me desseis uma arma qualquer. Júpiter, tocado de piedade, perguntou-lhe:

– Queres um veneno oculto nos dentes, para dar morte aos que te fizerem mal?

– Oh! Não! Respondeu a ovelha. Os animais venenosos são nojentos e causam medo a todos.

– Queres ter na boca duas fileiras de dentes afiados, como os leões e os lobos?

– Oh! não! Os animais carnívoros são tão odiosos e antipáticos! 

– Queres saber arremeter, como os touros, com duas pontas na cabeça?

– Oh! não! Eu causaria terror aos outros animais, e não seria acariciada pelos pastores.

– Que queres, pois? Gritou Júpiter, impaciente.

– Nada, senhor, nada quero. Prefiro viver assim, tímida e fraca, porém estimada e afagada por todos.

 

Em: O livro da infância, Francisca Júlia da Silva, 1899.

 

 





O galo, poesia infantil, Francisca Júlia

6 09 2025
Ilustração Steve Noble.
 
 
O galo
 

Francisca Júlia

 

 

Passo lento, olhar profundo,

Valente, brioso e grave,

O galo é a mais linda ave

Dentre todas que há no mundo.

 

Um pé adiante, outro atrás,

Bico aberto, o galo canta;

Tem a glória na garganta

E nas esporas que traz.

 

O galo é sempre o primeiro

A anunciar a s auroras.

Repara bem: tem esporas

E é por isso cavaleiro.

 

Coroa tem e de lei,

Coroa em forma de crista

Que ganhou numa conquista:

Por isso julga-se rei.

 

Pendentes até o peito,

Vermelhas, grandes e belas,

Tem barbas que são barbelas

Que lhe dão muito respeito.

 

Com que delicado amor

Ele defende e acarinha

Ora o pinto, ora a alinha

Com seu gesto protetor!

 

De cabeça levantada,

Altivo sobre o poleiro,

Ele é o rei do galinheiro

E o cantor da madrugada.

 

Vivem todos sob a lei

E ordens que o galo decreta:

Soldado, músico e poeta,

Pastor, cavaleiro e rei!

 

 Francisca Júlia. Alma Infantil (Rio de Janeiro: s.e., 1912), pp. 81-83

 





Aquarela, poesia de Francisca Júlia

28 08 2025

Grace Rose, 1866

Frederick Sandys (Inglaterra, 1829-1904)

óleo sobre madeira, 28 x 24 cm

Yale Center for British Art, EUA

 

Aquarela

 

Francisca Júlia

 

Cheio de folhas, úmido de orvalho.

Fresco, à beira de um córrego crescia

Jovem pé de roseira em cujo galho

Uma rosa sorria.

 

O orvalho matinal que o beija e molha,

Desce de cima em brancas névoas finas.

E todo pé salpica, folha a folha,

De gotas pequeninas.

 

Beija-o o perfumeo Zéfiro, que passa,

O grupo de falenas que anda à toa,

A borboleta clara que esvoaça,

E o pássaro que voa.

 

Uma moça gentil sentiu anseio

De possuir a rosa e teve mágoa

De não poder colhê-la, com receio

De molhar os pés na água.

 

A roseira agitou a coma e opima,

Estremeceu, embriagada e douda,

Sob os raios do sol que lá de cima

A iluminavam toda.

 

A moça foi-se; o ar estava morno;

Mansamente o crepúsculo descia;

Uma abelha zumbiu36 da rosa em torno;          

Lento, expirava o dia…

 

Porém nessa hora a ventania brava

Que veio do alto impetuosamente,

Arranca a flor do ramo em que se achava          

E joga-a na corrente.

 

E a flor caiu no meio do riacho;

Do vento rijo foi sofrendo o açoite,

E escorregando em prantos, água abaixo,

Na tristeza da noite.

 

Nenhuma flor pode salvar-lhe a vida;

Na água desceram, entretanto, algumas;

E a flor morreu aos poucos, envolvida          

Num círculo de espumas.

 

Em: Livro da Infância, Francisca Júlia da Silva, 1899, em domínio público





Paralelos

28 11 2015

 

Thomas CoutureJovem cosendo, c. 1870

Thomas Couture (França, 1815-1879)

óleo sobre tela, 92 x 73 cm

Coleção Particular

 

 

 

“Pegando da costura à luz da claraboia,
Põe na ponta do dedo em feitio de adorno,
O seu lindo dedal com pretensão de joia.”

 

 

Em: Rústica, de Francisca Júlia (Brasil, 1874-1920) Esfinges, São Paulo, Monteiro Lobato & Cia, s/d, pp. 39-40





O galo, poesia infantil de Francisca Júlia

9 01 2011

Galo, ilustração de Artus Scheiner (1863-1938)

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O galo 

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                                                                                                                                          Francisca Júlia

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Passo lento, olhar profundo,

Valente, brioso e grave,

O galo é a mais linda ave

Dentre todas que há no mundo.

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Um pé adiante, outro atrás,

Bico aberto, o galo canta;

Tem a glória na garganta

E nas esporas que traz.

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O galo é sempre o primeiro

A anunciar a s auroras.

Repara bem: tem esporas

E é por isso cavaleiro.

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Coroa tem e de lei,

Coroa em forma de crista

Que ganhou numa conquista:

Por isso julga-se rei.

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Pendentes até o peito,

Vermelhas, grandes e belas,

Tem barbas que são barbelas

Que lhe dão muito respeito.

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Com que delicado amor

Ele defende e acarinha

Ora o pinto, ora a galinha

Com seu gesto protetor!

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De cabeça levantada,

Altivo sobre o poleiro,

Ele é o rei do galinheiro

E o cantor da madrugada.

—–

Vivem todos sob a lei

E ordens que o galo decreta:

Soldado, músico e poeta,

Pastor, cavaleiro e rei!

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Francisca Júlia da Silva Munster (SP 1871 – SP 1920)  Poetisa brasileira.  Começou a  colaborar na imprensa paulistana e carioca aos 20 anos. Na revista  A Semana, alcança rápido prestígio literário.  Casou-se em 1909, recolhendo-se à vida particular e praticamente abandonando a atividade literária.

Obras:

1895 – Mármores

1899 – Livro da Infância

1903 – Esfinges

1908 – A Feitiçaria Sob o Ponto de Vista Científico (discurso)

1912 – Alma Infantil (com Júlio César da Silva)

1921 – Esfinges – 2º ed. (ampliada)





Voz dos animais, poema para crianças de Francisca Júlia

24 03 2009

animais-da-fazenda-2

Voz dos animais

 

                                                        Francisca Júlia

 

 

O peru, em meio à bulha

De outras aves em concerto,

Como faz de leque aberto?

            — Grulha.

 

Como faz o pinto, em dia

De chuva, quando se interna

Debaixo da asa materna?

            — Pia.

 

Enquanto alegre passeia

Girando em torno do ninho,

Como faz o passarinho?

            — Gorjeia.

 

 

E de intervalo em intervalo

Quando a manhã se levanta,

No quintal que faz o galo?

            — Canta.

 

Quando a galinha deseja

Chamar os pintos que aninha,

Como é que faz a galinha?

            — Cacareja.

 

A rã quando a noite baixa,

Que faz ela a toda hora

Dentre os limos em que mora?

            — Coaxa.

 

E quando as narinas incha,

Cheio de gosto e regalo,

Como é que faz o cavalo?

            — Rincha.

 

Que faz o gato, que espia

Uma terrina de sopa

Que fumega sobre a copa?

            — Mia.

 

Com a barriga farta e cheia,

Que faz o burrinho quando

Se está na grama espojando?

            — Orneia.

 

Para o sinal de rebate,

Aviso, alarme ou socorro,

Como é que faz o cachorro?

            — Late.

 

Para que as mágoas embale

Quando tresmalha, sozinha,

Que faz a branca ovelhinha?

            — Bale.

 

Em fugir quando porfia

À garra e aos dentes do gato.

Como faz o pobre rato?

            — Chia.

 

De pé a boca descerra

E alta levanta a cabeça,

Que faz a cabra travessa?

            — Berra.

 

Cheia a boca de babuge

Do milho bom que rumina,

Que faz o boi na campina?

            — Muge.

 

A pomba que grãos debulha.

Como faz, batendo as asas

Sobre o telhado das casas?

            — Arrulha.

 

A voz tremida do grilo

Que vive oculto na grama,

A trilar, como se chama?

            — Trilo.

 

Mas escravos das paixões

Que os fazem bons ou ferozes,

Os homens têm suas vozes

Conforme as ocasiões. 

 

 

 

 

 

 

 

Francisca Júliada Silva Munster (SP 1874 – SP 1920)  Poetisa brasileira, autora de obras didáticas e professora.  

  

Obras:  

 

1895 – Mármores, poesia

1899 – Livro da Infância, miscelânea

1903 – Esfinges, poesia

1908 – A Feitiçaria Sob o Ponto de Vista Científico (discurso)

1912 – Alma Infantil (com Júlio César da Silva)- literatura infantil

1921 – Esfinges – 2º ed. (ampliada)

1961—[póstuma] Poesias

 

PRIMAVERA é uma outra poesia de Francisca Júlia neste blog.





PRIMAVERA, poema infantil de Francisca Júlia e Júlio César da Silva

8 10 2008

Ilustração Mauricio de Sousa

Ilustração Maurício de Sousa

 

PRIMAVERA

 

Francisca Júlia e Júlio César da Silva

 

Bem cedo, mal rompe o dia,

já estão gorjeando as aves

os seus pipilos suaves

em desusada alegria.

 

Vasto, o campo se descobre,

ondula, se estende e perde,

todo verde, todo verde

da nova relva que o cobre.

 

De toda banda invadidos

e cheios estão os ares

do perfume dos pomares

e dos jardins florescidos.

 

A ave eriça a pluma,

Varre os ares e os refresca

O sopro da brisa fresca

Que tudo beija e perfuma.

 

A natureza se esmera

Em galas e enfeites novos;

Ri o sol, brotam renovos…

É a risonha primavera

 

que bem cedo acorda os ninhos,

as flores perfuma, enfolha

as árvores, folha a folha,

onde cantam os passarinhos.

 

 

 

 

Vocabulário:

 

gorjeando = cantando

desusada = incomum

eriça = levanta

galas = belezas

renovos = ramos novos

 

 

Encontrado em:

 

Poemas para a infância: antologia escolar, Henriqueta Lisboa, Ediouro: s/d, Rio de Janeiro

 

Francisca Júlia da Silva Munster (SP 1871 – SP 1920)  Poetisa brasileira.

  

Obras:

 

 

1895 – Mármores

1899 – Livro da Infância

1903 – Esfinges

1908 – A Feitiçaria Sob o Ponto de Vista Científico (discurso)

1912 – Alma Infantil (com Júlio César da Silva)

1921 – Esfinges – 2º ed. (ampliada)

——

A VOZ DOS ANIMAIS  é uma outra poesia de Francisca Júlia publicada neste blog.