O bicho, texto de Judith Schalansky

25 04 2016

 

 

morcego, ilustração em preto e brancoIlustração anônima.

 

 

“Lohmark ficara acordada na última noite. Devia ser antes das quatro da manhã. Ainda estava tudo escuro. Uma corrente de ar acariciou seu rosto.Uma vez. Outra vez. O pulso de repente a cento e oitenta. Palpitação. Uma borboleta grande? Uma mariposa-beija-flor, mas, na verdade, era tarde demais para uma dessas. Então, paz. Talvez tivesse pousado. Talvez também não estivesse mais lá. Ela precisou tatear por um tempo até alcançar o interruptor da luminária no criado-mudo. Quando finalmente clareou, o bicho lançou-se me pânico pelo quarto. Voava em grandes círculos. Oitos imaginários, três palmos abaixo do teto. Revoada de trem fantasma. Um morcego! Um jovem morcego-anão que se perdera. O sistema de radar falhou, seu sentido de orientação infalível o deixou na mão. A bocarra estava aberta, ele gritava. Mas não se ouvia o grito.

Talvez sua inteligência bastasse para que ele voasse pela janela entreaberta e reconhecesse que ali não era um buraco em um celeiro, nem uma fenda de árvore ou uma abertura num muro de alguma central de energia, mas não para encontrar novamente a da janela e assim a saída. Deveria ter vindo de uma colônia-berçário que agora, no fim do verão, se dissolveu. Cada animal estava por conta própria. Em busca de um novo lar.

Lohmark apagou a luz e foi em silêncio para o porão. Por segurança, puxou o cobertor sobre a cabeça. Bom que Wolfgang tinha um sono tão profundo. Teria se apavorado com a visão. Um fantasma em sua ronda noturna. Ela ainda ouviu os roncos quando parou diante da estante com os potes a vácuo.

Então, foi tudo muito rápido. Provavelmente o animal sentiu que ela era sua salvação. Escapuliu algumas vezes, mas, quando ela quis cobrir seu pequeno corpo com o vidro, se rendeu por puro medo. Por um instante ele se debateu, em seguida dobrou as asas e a encarou. Parecia morto. Empalhado. Muito frágil: marrom com pelo grossos de rato. A membrana fina das asas. Articulações vermelhas salientes. As garras pretas dos polegares alongadas. A cabeça achatada. Um focinho brilhante, úmido. Dentes mínimos vampirescos. A boca aterrorizada de um recém-nascido. Olhos parados de medo. Tanto medo. Pareciam mais aparentados com seres humanos do que com camundongos. O mesmo conjunto de ossos: antebraço, rádio, cúbito e carpos. Nas orelhas afuniladas, a mesma cartilagem. Além disso, órgãos sexuais anatomicamente idênticos. Um par de tetas no peito. O pênis pendia. Um ou dois filhotes ao ano. E nasciam quase totalmente pelados.

Por um instante, ela ainda pensou se poderia usar o morcego em aula. Apresentar à nova classe uma típica espécie sinantrópica. O menor de todos os mamíferos. Mas ela quis se livrar o mais rápido possível da criatura. Abriu a janela. E, então, o vidro. Bem devagar, o animal esgueirou-se para fora, primeiro caiu, então se endireitou, estendeu as asas e desapareceu na escuridão, para algum lugar na direção da garagem. Rapidamente, ela fechou a janela e voltou a se deitar. Apenas quando começou a clarear foi que finalmente adormeceu.”

 

 

Em: O pescoço da girafa, de Judith Schalansky, tradução de Petê Rissatti, Rio de Janeiro, Alfaguara:2016, pp: 55-59.





Palavras para lembrar: Lúcia Miguel Pereira

11 04 2016

 

 

a-good-read, Simon Glücklich (1863 – 1943, Polish-born German)Uma boa leitura

Simon Glücklich (Alemanha, 1863-1943)

óleo sobre tela, 60 x 48 cm

 

 

 

“O erro de muitos livros infantis é serem infantis demais.”

 

 

Lúcia Miguel Pereira

 





Imagem de leitura — Rudolf Tewes

7 04 2016

 

 

RUDOLF TEWES (GERMAN 1878-1964). WOMAN SEATED IN A GARDEN. 1926, 49 x 64 cm osplacaMulher sentada no jardim, 1926

Rudolf Tewes (Alemanha, 1878-1964)

óleo sobre placa de madeira, 49 x 64 cm





Viajando com Albrecht Dürer

4 03 2016

Religious procession at Saragossa, Royal 16 G VI, f. 32v, Chroniques de France ou de St Denis, Paris, after c. 1332Procissão religiosa em Saragossa, c. 1332-1350

Chroniques de France ou de St. Denis, Paris

Royal 16 G VI, f. 32v

British Library

 

Notas do Diário de Viagem de Albrecht Dürer, em 1520.

 

“No domingo depois da procissão de Nossa Sra. da Assunção vi uma grande procissão da Igreja de Nossa Senhora na Antuérpia, quando a cidade inteira de todas as classes e ofícios se aglomerou, cada qual vestido de acordo com sua posição na sociedade.  E todas as classes e guildas traziam as bandeiras, pelas quais podiam ser reconhecidos.  Em intervalos grandes e caras velas-postes eram carregadas e os longos trombones francos de prata. Ainda na tradição germânica havia muitas flautas e tambores. Todos instrumentos vivamente tocados.

Vi a procissão passar pela rua, as pessoas enfileiradas, cada homem mantendo uma certa distância de seu vizinho, mas as filas eram próximas umas das outras. Havia ourives, pintores, pedreiros, bordadores, escultores, marceneiros, carpinteiros, marinheiros, pescadores, açougueiros, curtidores, tecelões, padeiros, alfaiates, sapateiros — de fato trabalhadores de todos os naipes, e muitos artesãos e negociantes que trabalham para sua sobrevivência.  Da mesma forma, lojistas e comerciantes, e seus assistentes de todo tipo estavam lá. Depois deles vinham os atiradores com suas armas, arcos e flechas, os cavaleiros e os soldados a pé também. Seguia então um grande grupo de senhores magistrados.  Logo vinha um grupo todo em vermelho, vestido em nobre e  esplêndida maneira. Antes deles, no entanto, vieram todas as ordens religiosas e membros de algumas fundações muito devotos, todos em suas diferentes vestimentas.”

 

 

Travel Diary, Dürer, em W.M. Conway, Literary Remains of Albrecht Dürer (Cambridge; University Press, 1889): text slightly revised by J.B.R.

Encontrado em The Portable Renaissance Reader, editado por James Bruce Ross e Mary Martin McLaughlin, New York, The Viking Press: 1958, p. 232-233.

 

[Tradução é minha]





Imagem de leitura — Karl Hofer

1 02 2016

 

 

Karl Hofer. Lesestunde (1953)Estudando, 1953

Karl Hofer (Alemanha, 1878-1955)

óleo sobre tela





Imagem de leitura — Georg Schrimpf

29 01 2016

 

 

Georg_Schrimpf_Martha_1925-11Martha, 1925

Georg Schrimpf (Alemanha, 1889-1938)

óleo sobre tela

Pinakothek der Moderne, Munique





Resenha: “Amor e memória” de Ayelet Waldman

14 01 2016

 

 

Conny-Architektur-Landschaft-Winter-Gegenwartskunst--Gegenwartskunst-Salzburg no inverno, 2009

Conny Lehmann (Alemanha, 1967)

aquarela sobre papel, 45 x 61 cm

 

Comprei esse livro porque achei a descrição da trama imperdível. Além disso, minha curiosidade havia sido instigada porque soube que a autora Ayelet Waldman participou da FLIP em 2015.  O eixo principal dessa história é o retorno ao seu próprio dono de um medalhão com o desenho de um pavão que havia sido roubado durante a Segunda Guerra Mundial. Este medalhão fazia parte de um grupo de objetos, que haviam sido confiscados pelos nazistas, das família judias.

Achei interessante a história que trazia um novo elemento para a ficção literária sobre a Segunda Guerra.  A guerra em si chegava ao fim em 1945 quando sabemos do trem repleto de tesouros  confiscados na Hungria.  Um dos soldados americanos  responsável pelo trem é o foco da narrativa na primeira parte do livro. Por uma série de peripécias, Jack, acaba sendo o guardião do medalhão. E, à beira da morte, pede à sua neta que descubra os verdadeiros donos da joia.

 

 

AMOR_E_MEMORIA_1426846647410607SK1426846647B

A segunda parte se dedica à procura da pessoa ou de seus descendentes proprietários do medalhão: a melhor parte do livro.  E na terceira e última parte, vemos a história dos proprietários da peça.  Com essa estrutura o livro funciona como três contos diferentes, com leves ligações entre eles. São épocas, personagens e mistérios diferentes.  A terceira parte me pareceu entediante.  A razão é simples: no afã de ser precisa sobre a psicanálise,  Ayelet Waldman dedica muito texto ao processo de análise da neurastenia, em 1913.

 

 

ayelet aldemanAyelet Waldman

 

Aliás, já no início da trama, quando a ação ainda se passa em Salzburg, na Áustria, há diálogos cuja intenção é divulgar para o público em geral, os costumes e festividades judaicos. Isso contribuiu para diálogos forçados e aquém da realidade informal dos soldados americanos.  Há outras formas de se passar informações culturais ou de época que causam menor intervenção no texto.

Ao que eu saiba, este é o único livro da autora traduzido no Brasil. Difícil justificar então seu convite para participar da FLIP.  Não deve ter sido por esta obra.





Imagem de leitura — Marie Philips-Weber

15 12 2015

 

 

Marie Philips-Weber (German, 1845-1942) Oil on Canvas Reading a Book 60 x 42cmLendo um livro

Marie Philips-Weber (Alemanha, 1845-1942)

óleo sobre tela, 60 x 42cm





É Natal, os anjos anunciam…

14 12 2015

 

GRÜNEWALD, MatthiasAnjo, 1515, Mathias Grünewald (1470-1528), óleo sobre madeira, Musée d’Unterlinden, Colmar [DETALHE]




Imagem de leitura — Franz von Defregger

25 11 2015

 

Menina lendo, c 1890.  osm, 63 x 50 cm ,Franz von DefreggerMenina lendo, c. 1890

Franz von Defregger (Alemanha, 1835-1921)

óleo sobre madeira, 63 x 50 cm