Agora que as palavras secaram, poema de Eduardo Pitta

21 02 2025
Autoria desconhecida.

 

Agora que as palavras secaram

 

Eduardo Pitta

 

Agora que as palavras secaram

e se fez noite

entre nós dois,

agora que ambos sabemos

da irreversibilidade

do tempo perdido,

resta-nos este poema de amor e solidão.

 

No mais é o recalcitrar dos dias,

perseguindo-nos, impiedosos,

com relógios,

pessoas,

paredes demasiado cinzentas,

todas as coisas inevitavelmente

lógicas.

 

Que a nossa nem sequer foi uma história

diferente.

A originalidade estava toda na pólvora

dos obuses, no circunstanciado

afivelar

dos sorrisos à nossa volta

e no arcaísmo da viela onde fazíamos amor.

 





Cartas que me devolveste rasgadas, soneto de Alfredo de Barros

18 01 2025

Els Bleekrode lendo na cama,1936

Meijer Bleekrode (Holanda,1896-1943)

óleo sobre tela, 101 x 78 cm

 

 

Cartas que me devolveste rasgadas

 

Alfredo de Barros

 

Se é tudo quanto tens pra me dizer,

Fora melhor calar essa atitude.

Tinha mais graça e tinha mais virtude

Se m’o desses apenas a entender.

 

Se em teu amor por vezes eu não pude

O sentido dum gesto compreender,

— Propósitos de nunca responder

Têm um alcance que a ninguém ilude.

 

Tranquilamente, como sol que finda,

Morria o sonho sem olhar ainda

Para o rasto deixado antes de si. . .

 

Assim, talvez jamais acreditasse

Que só por ter beijado a tua face

Andei louco de amor atrás de ti.

 

 

Em: Versos de cinzas, Alfredo de Barros, Lourenço Marques {Maputo], 1946





Meu ano de leituras visto pelo Goodreads

19 12 2024

Ontem eu recebi como sempre recebo o relatório das minhas leituras de acordo com o Goodreads.  Infelizmente esse relatório não inclui alguns livros que li, de autores brasileiros que não adicionaram ou que suas editoras não se deram ao trabalho de adicionar seus livros no cabedal do portal.  Então, menos esses livros que escaparam, li até dia 5 de dezembro de 2024, 46 livros como podem ver, para um total de 11.806 páginas.  Estou entre os 25% de leitores que mais leem.  Não sei minha posição nesses 25%, mas não deve estar no topo, por mais que possa parecer que li muito.  Conheço bem outros leitores inveterados.

 

 

O livro mais longo que li em 2024 foi a ficção científica, excepcional de Stephen King, chamada 22 de Novembro de 1963, que foi o dia do assassinato do Presidente Kennedy nos Estados Unidos. O livro tem como estrutura realidade quântica. Vamos e voltamos dessa data aos dias de hoje com alguma frequência e prende a atenção como nenhum outro livro. Devora-se suas 1200+ páginas sem receio.

Na lista deles, tenho seis livros a que dei cinco estrelas, ou seja o máximo que poderia ter dado. Na verdade em dezembro entrei com outro livro, mas esse deve ser considerado no ano que vem, imagino.

Descobriram também que dos 46 livros lidos, os meu favoritos caem nos seguintes segmentos: Ficção, Não ficção e Ficção Histórica.

Pertenço também ao portal brasileiro Skoob que é semelhante ao Goodreads. Mas o Skoob não nos manda um relatório das nossas leituras ao final do ano. Pelo menos nunca me mandaram. No Skoob, no momento eu tenho 1022 livros lidos e 347 resenhas.

E você? Tem sua página em algum desses dois portais? Se gostam de ler, não seria bom ter um relatório de tudo que você leu durante o ano?

Fica aqui a sugestão.





Papalivros comemora 20 anos!

16 04 2023

O grupo de  leitura Papalivros comemorou hoje vinte anos de existência.  Nesse período muita coisa mudou.  Já tivemos nascimentos de filhos, de netos, divórcios e casamentos.  Falecimentos, três. Já fomos grandes: vinte e duas pessoas,  Mas agora no limitamos a quinze, porque é difícil arranjar lugar para vinte pessoas.  É difícil para quinze!   Já nos encontramos nas nossas casas, e fora.  Atualmente nos encontramos em restaurantes.  Mesmo assim passamos um aperto para encontrar mesa para todas nós.  Fomos um grupo que incluía homens e mulheres.  Mas eles não aguentam… a gente fala muito!  Foram até hoje 239 encontros e 239 livros lidos.  Só não nos encontramos quando fiquei viúva, ano passado, na semana do nosso encontro.  Querendo ver o que lemos nesses vinte anos,  leitura sempre decidida por votação de uma série de livros sugeridos, visite  a página do grupo aqui no blog.

 

AVISO:  Não temos vaga no grupo.  Se você quiser posso lhe dar o passo a passo para você formar um grupo de  leitura.   Mas não temos vagas para este grupo, nem para os dois outros grupos que gerencio: Ao pé da letra, Encontros na praça.  Infelizmente não tenho como dar atenção a mais nenhuma pessoa ou grupo. 





Brincar de trabalhar, poesia de Renato Sêneca Fleury

30 01 2020

 

 

 

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Brincar de trabalhar

 

Renato Sêneca Fleury

 

Um brinquedo de que eu gosto

é brincar de trabalhar.

Pensam vocês, eu aposto,

que isso não é brincar.

 

Sem a gente perceber,

vai brincando e aprendendo.

Com brinquedos a fazer,

coisas úteis vou fazendo.

 

Eu já fiz a minha estante,

um limpa-pés também fiz.

Tenho brincado bastante,

mas trabalhando… quem diz?





Yaa Gyasi: “Entre força e fraqueza”

6 07 2018

 

 

8855bd0cfd37585d5ea658be1f1508a7Metamorfose, 2011

Carol Chen Poun Joe (Suriname, 1989)

acrílica sobre tela, 50 x 40 cm

 

 

“Você quer saber o que é fraqueza? Fraqueza é tratar alguém como se pertencesse a você. Força é saber que cada pessoa pertence a si mesma.”

 

 

Em: O caminho de casa, Yaa Gyasi, tradução Waldéa Barcellos, Rio de Janeiro, Rocco: 2017, página 63





Papalivros, um grupo de leitura, 15 anos de existência!

16 04 2018

 

 

30708363_10216448248102687_3601373864887582720_nBolo de comemoração dos Quinze Anos do Grupo de Leitura Papalivros

Da Graça Pâtisserie, em Copacabana

 

 

Em março de 2003, três meses após o meu retorno ao Brasil, pensei abrir caminho para novas amizades e atiçar fogo nos velhos relacionamentos depois de décadas fora do país. Resolvi fazer no Rio de Janeiro um grupo de leitura nos moldes que conhecera no estrangeiro.

Nos Estados Unidos, nos meus primeiros anos, tive o apoio da Secretaria de Estudantes Estrangeiros da Universidade Johns Hopkins.  Através deles fui apresentada a maneiras de complementar  renda e também, modos de me integrar à vida do país, o que incluiu pertencer a grupos que se encontravam não mais do que uma vez por mês.

Participei de grupos de culinária, onde a cada mês uma pessoa mostrava em sua cozinha, como fazer uma especialidade de seu país de origem.  Participei de grupo de estudos (leituras) de história da Europa. E antes mesmo de completar seis meses no país, entrei para um grupo de leitura. Grupos de leitura são comuns nos EUA.  Morei por muitos anos no país, em três diferentes estados e no Distrito de Columbia e em todos os locais fui membro de um grupo de leitura.

É um meio de se conhecer pessoas, de descobrir afinidades, aprofundar o conhecimento geral.  Ainda me lembro com prazer de algumas leituras dos dois anos em que pertenci ao primeiro grupo, na cidade de Baltimore: John Steinbeck, Of mice and men;  John Fowles, The MagusThe once and future king, T. H. White, All creatures great and small, James Herriot, Watership Down, Richard Adams, Breakfast of Champions, Kurt Vonegut,  Burr, Gore Vidal.  Desses tornei-me fã de Vidal, de Vonegut, e Fowles.  E apaixonada pela história do Rei Artur. Em outros grupos de leitura, conheci dezenas de autores americanos e estrangeiros que me roubaram o coração e a atenção.  E mais, fiz grandes amizades nesses grupos.  Pessoas com afinidades.  E aprendi, sobretudo, a respeitar os gostos de cada um, a ouvir as opiniões dos outros sem interferir e a aceitar que cada um de nós tem gosto único e que ele pode mudar através dos anos.

Minha intenção de abrir um grupo de leitura aqui no Rio de Janeiro, cidade de festa, sol, samba e extroversão, foi recebida com surpresa e descrença. Mas à maneira americana, fui pragmática.  Segui em frente até ver no que dava.  E deu samba.  Muito além das minhas expectativas.  Neste mês de abril o Grupo de Leitura Papalivros (nome escolhido por votação logo no primeiro encontro) completa 15 anos de existência.  Começamos com seis pessoas.  Minhas primas, minha cunhada, uma amiga de mamãe.  Quinze anos depois, ainda temos sete membros que entraram no primeiro ano, dos familiares só minhas primas. Somos 22 pessoas, todas mulheres, mas já foi um grupo misto. Somos leitoras.  E amigas. Nossas idades variam dos 34 anos aos 90.  E continuamos muito amigas, a cada ano, mais amigas.

15 anos, 180 livros, 180 encontros, sem nenhuma falha.  É para nos orgulharmos de nós mesmas, do nosso comprometimento, que melhor acontece quando a verdadeira amizade brota e é cuidada.  Que venham mais 15 ou 30.  É um prazer pertencer a esse grupo.

 

 





A chamada do escritor, José Eduardo Agualusa

22 02 2017

 

 

 

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Estudante, 1969

Gevork Kotiantz (Rússia, 1906-1996)

óleo sobre tela, 100 x 100 cm

 

 

“Imagino que, pesquisando, seja possível encontrar, para cada romancista, o episódio fundador da sua escrita: o distante relâmpago, a pequena humilhação, um primeiro amor impossível, a mãe controladora, um crime íntimo, a morte do pai.

Todos nós gostaríamos de saber de que selva fabulosa saíram os tigres de Jorge Luís Borges; de que ruínas barrocas ou jardins perfumados emergiram as baratas de Júlio Cortázar ou as belas ninfetas e mariposas (serão a mesma coisa?) de Vladimir Nabokov. Não creio que o segredo da criação se esgote nesse conhecimento, e nem me parece que tal fosse desejável. Talvez tenha até o efeito contrário, levando-nos a reler os livros que mais amamos e que mais nos marcaram, e a encontrar nessa releitura novos e mais profundos mistérios.”

 

 

Em: “Um relâmpago que atravessa vidas”, José Eduardo Agualusa, O Globo, 20/02/2017, 2º caderno, página 2.

 

 

 





“Ana Sebastiana”, texto de José Eduardo Agualusa

3 11 2016

 

 

 

Lacombe.Ilustração de Lacombe.

 

 

“Ana Sebastiana, viúva profissional. Enterrou três maridos em dez anos, herdando um pecúlio que lhe permitia levar em Lourenço Marques, naqueles vertiginosos anos 60, uma vida muito confortável.  Voltou a casar, já depois de Faustino Manso ter partido para Quelimane, com um oficial da marinha portuguesa. O marido assassinou-a a tiro. Preso, levado a tribunal, alegou legítima defesa.  O juiz deu-lhe razão.”

 

 

Em: As mulheres do meu pai, de José Eduardo Agualusa, Rio de Janeiro, Língua Geral: 2012, p.196.

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“Bailundo”, texto de José Eduardo Agualusa

8 09 2016

 

 

Cristie HenryA longa jornada da noite, ilustração de Christie Henry.

 

 

Fala de Alfonsina, a que ama o mar

 

 

Nasci no Bailundo, você não conhece, o Bailundo é um segredo no mapa da nação. O céu: clara imensidade! O azul de um azul que não existe em mais lugar nenhum. O azul do céu no Bailundo — costumava dizer-nos o padre Cotovia — é o mesmo do princípio do mundo. Às vezes sonho com o céu do Bailundo, brilhante e molhado, e então me transformo em pássaro e voo. Acordo e canto como um pássaro. Fico igual a Pintada. Nessas alturas consigo falar com ela em passarês do mato. Tem muito verde lá, paus de toda a espécie, os nomes eu nem sei, mas sempre sons bem doces porque o umbundo é a língua que os anjos usam para namorar — também era o padre Cotovia quem falava isso, deve ser verdade. Luanda, mal comparada com o Bailundo, é tipo um peixe seco junto a um peixe vivo. No Bailundo a vida é muito cheia de brilhos, veste roupa de carnaval, espelhinhos, miçangas ao pescoço, chocalhos no calcanhar, e sempre seja noite ou dia, sempre a dançar. Mas eu não tive sorte. A mamã pisou uma mina, não dessas de explodir e mutilar, arranca pé, arranca perna, não, paizinho, não dessas, uma mina de feitiço, ouviu falar?, nunca?!, são uma arte nossa, armas tradicionais, a mamã pisou a mina quando estava grávida, e a mina me atingiu foi a mim no silêncio macio da barriga dela. Não sou feiticeira, espero que você entenda, sou enfeitiçada, mas isso só soubemos depois, quando eu não cresci. Você duvida? Lá em Portugal não tem feitiço? Em todo o lado tem. …”

 

 

Em: As mulheres do meu pai, de José Eduardo Agualusa, Rio de Janeiro, Língua Geral: 2012, p.273.

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