Crisântemos lilás nesta semana de outubro.
DA MINHA MESA DE TRABALHO
A obra é que importa. É o quadro, o livro, o poema. É a partitura, a escultura. Muralha da China, Torre Eiffel, Cristo Redentor. Domo de Santa Maria del Fiore. É a cirurgia de sucesso, o remédio que cura, o para-raios. É a lei de Newton, a máquina a vapor. É isso que fica. Se os feitos humanos marcaram a nossa presença, nos deram identidade, facilitaram a vida, prolongaram a vida isso é o que importa. Não interessa saber se Donatello sofria de asma ou se preferia o verão ao inverno. Não é de qualquer importância se Magritte era ou não gago, se Machado preferia as louras. O que restou, aquilo que significa algo para alguém, emocionalmente ou fisicamente, é a obra. Podemos ter curiosidade sobre como certas escolhas foram feitas e a razão que levou cada um daqueles que contribuíram para a cultura humana a decidir dessa ou daquela maneira. Mas não é necessário.
Por isso devemos respeitar o anonimato daqueles que preferem proteger sua privacidade. A autora Elena Ferrante, que parece ter tido sua identidade revelada, sofreu, a meu ver, nessa semana que passou, uma grande agressão, um desrespeito à vontade pessoal de permanecer anônima. Elena Ferrante todos sabiam ser um cognome. Mas o quê dá direito a alguém de invadir a privacidade de uma pessoa que não está sob suspeita da justiça, que não apresenta um perigo para a sociedade? Quem disse que “o público tem o direito de saber”? Quem estipulou isso? Só porque fez sucesso é obrigada a ter sua vida defenestrada? Os meios usados pelo repórter americano, examinando traços de riqueza de alguém que mantinha o perfil modesto, foram de grande falta de respeito e total insensibilidade. Elena Ferrante não foi nem é um caso único. Há muitos escritores de sucesso que sempre trabalharam com pseudônimos. Abaixo uma pequena lista – em negrito o pseudônimo.
Mark Twain – Samuel E. Clemens; Voltaire — François-Marie Arouet; O’Henry – William Sidney Porter; Lewis Caroll — Charles Lutdwidge Dodgson; Italo Svevo – Aron Hector Schmitz; Mary Westmacott — Agatha Christie; Agatha Christie – Agatha Mary Clarissa Miller; François Mauriac — Jean Bruller; George Eliot — Mary Ann Evans; Alberto Moravia – Alberto Pincherle; Robert Galbraith — J.K. Rowling; Stendhal — Marie-Henri Beyle; Pablo Neruda — Ricardo Eliecer Neftalí Reyes Basoalto; Paul French — Isaac Asimov; Gérard de Nerval — Gérard Labrunie; George Sand — Amantine-Lucile-Aurore Dupin, Georges Orwell — Eric Arthur Blair.
Em outros campos, na política, Lenine — Vladimir Ilitch Oulianov; Trotsky — Lev Davidovitch Bronstein; Stalin — Iossi Vissarionovitch Djougachvili. Nas artes plásticas há um grande número de artistas, conhecidos exclusivamente pelo local onde nasceram, nem por isso suas obras são menos apreciadas: Caravaggio – Micheangelo Merisi; Pollaiuolo – Antonio Benci; Nos quadinhos um dos mais famosos foi Hergé – Georges Remi, criador de Tintin.
Há muitos outros. E nem sempre um pseudônimo esconde o nome de uma pessoa. Às vezes esconde o nome de mais de uma pessoa. Lembro-me do caso do autor de romances água com açúcar que consumi às dezenas no inicio da minha adolescência, publicados na série Biblioteca das Moças, M. Delly. Este nome era o pseudônimo de um irmão e uma irmã, escritores franceses, Frédéric Henri Petitjean de la Rosière e Jeanne Marie Henriette Petitjean de la Rosière.
Na França o pseudônimo [nom de plume, uma referência a escritores, “caneta de pena”] é tão respeitado, que é possível tê-lo citado na própria carteira de identidade.
Sinto-me indignada pela invasão de privacidade sofrida pela pessoa (homem ou mulher, ou ambos) que trabalha sob o cognome Elena Ferrante. Não havia necessidade. O respeito a quem escreve deveria ter sido mantido.
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LIVROS SOBRE A MESA — já lidos, à espera de resenhas: Meu nome é Lucy Barton de Elizabeth Strout; A última palavra de Hanif Kureish e Guerra de Gueixas de Nagai Kafu.