A chegada da família real, texto de Paulo Setúbal

18 08 2014

 

 

Família real (chegada)2A chegada da família real a Salvador, 1952

Cândido Portinari (Brasil, 1903-1962)

Óleo sobre tela

Pinacoteca da Associação Comercial da Bahia.

 

“O bergantim real, alcatifado de coxins de veludo, com o seu belo toldo de damasco franjado, atracou debaixo do mais quente ribombo de festa. O povo espremia-se no cais. Milhares de espectadores, com avidez mordente, o coração aos saltos, contemplavam, fascinados, a embarcação garrida. Tudo queria “ver o rei”. O Conde dos Arcos, que então governava o Brasil, correu a abrir a portinhola: e do bergantim, muito ataviada de garridices, desceu lustrosamente a família real. Era D. João VI em grande gala. Era D. Carlota Joaquina, com seu fuzilante diadema de predarias. D. Pedro, o herdeiro do trono, principezinho de nove anos, muito vivo, os cabelos crespos e negros, saltou acompanhado de Frei Antônio de Arrábida, o preceptor. Seguia-o o irmão mais moço, o infante D. Miguel, todo de veludo, calças compridas, o gorro apresilhado por um fúlgido broche de pedras. As princesas vinham enfeitadas com primor. Muito lindas. Vestiam sedas dum azul pálido, enevoadas de arminho, com grandes diamantes nas orelhas e altos trepa-moleques nos cabelos. Viera, também, galhardo e belo, um moço arrogante, muito simpático, olhos romanticamente verdes: era o Senhor D. Pedro Carlos de Bourbon e Bragança, infante da Espanha, sobrinho dos regentes.

No cais, fora armado um altar. D. João e D. Carlota, seguidos pelo príncipe e pelos infantes, ajoelharam-se diante dele. O chantre da Sé tomou da água benta e aspergiu ritualmente os reais hóspedes. Tomou do turíbulo de prata e incensou-os  por três vezes. D. João, com fervorosa compungência, caiu então por terra: beijou o Santo Lenho. A corte, prosternando-se, acompanhou-o no beijo tradicional. Depois, ao longo do cais, formou-se um séquito de honra. Lá ia a bandeira, lá ia a cruz, lá iam os nobres, lá ia o clero, lá ia a gente da terra. No meio das alas, carregado pelo Senado da Câmara, franjado de ouro, rutilando ao sol, um imenso pálio de seda: e, debaixo dele, com os seus atavios carnavalescamente vistosos, a deslumbrar a colônia, toda a família real.”

 

Em: As maluquices do Imperador, Paulo Setúbal, São Paulo, Clube do Livro: 1947, pp: 14-15.


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6 responses

22 08 2014
Avatar de Remar marielfernandes

Olha que suntosidade grandiosa

22 08 2014
Avatar de peregrinacultural peregrinacultural

Digno de uma nobreza em fuga?

22 08 2014
Avatar de Remar marielfernandes

Dignissimo

4 09 2019
Candido Portinari: as obras e fatos curiosos sobre o artista - arteref

[…] A Chegada da Família Real Portuguesa à Bahia. Pinacoteca da Associação Comercial da Bahia.381.00 cm x 580.00 cm.Acesso em: https://peregrinacultural.wordpress.com/2014/08/18/a-chegada-da-familia-real-texto-de-paulo-setubal/ […]

29 11 2019
Avatar de Johnny Marques Johnny Marques

Com o rabo entre as pernas, fugindo de Napoleão. Assumindo a colonia esnobada e desdenhada.

29 11 2019
Avatar de peregrinacultural peregrinacultural

Foi a nossa sorte!

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