–
–
Marie Françoise Caroline Vallée (ativa em Paris no século XIX)
óleo sobre tela, 56 x 69 cm
Christie´s Auction House, 2010
–
“A arte de ler é a arte de pensar com um pouco de ajuda”.
–
Emile Faguet
–
–
Marie Françoise Caroline Vallée (ativa em Paris no século XIX)
óleo sobre tela, 56 x 69 cm
Christie´s Auction House, 2010
–
–
Emile Faguet
–
–
Ilustração publicada em 1918.–
–
Tasso da Silveira
–
A cantiga que cantavas
não tinha acompanhamento
nem de nenhum instrumento
nem de outra voz, nem de vento,
nem de água em murmúrio vão.
–
Subia pura na noite.
Subia serenamente
fresca, simples, inocente,
para os astros, para a lua,
no seio da solidão.
–
Afora o canto que entoavas,
tudo era recolhimento
no vasto e perdido mundo.
Tudo era êxtase profundo.
Ao teu canto claro e lento,
tudo era deslumbramento.
Não havia voz de vento,
nem água em murmúrio vão.
–
Teu canto, no vasto mundo,
não tinha acompanhamento.
–
Em: Antologia de poemas para a infância, vários autores, Rio de Janeiro, Ediouro:2004
–
Tasso Azevedo da Silveira ( Brasil, 1895 – 1968) advogado e escritor. Um dos fundadores da Revista Fanal que circulou de 1911 a 1913. Pertenceu ao movimento de vanguarda literária no Paraná.
Obras:
A igreja silenciosa, 1911
Fio d’água, poesia, 1918
A alma heróica dos homens, poesia, 1924
Alegria criadora: 1922-1925, ensaios, 1928
As imagens acesas, poesia, 1928
Alegorias do homem novo
Canto do Cristo do Corcovado, poesia, 1931
Canto absoluto, 1940
Discurso ao povo infiel
Cantos do campo de batalha, poesia, 1945
Contemplação do eterno, poesia, 1952
Canções a Curitiba, poesia, 1955
Puro canto, poesia, 1956
Regresso à origem, poesia, 1960
Poemas de antes, poesia, s/d
As mãos e o espírito, teatro, 1957
–
–
O vôo do pássaro, George Barbier (França,1882-1932)
–
Coelho Neto
–
Em rico estojo de veludo, pousado sobre uma mesa de charão, jazia uma flauta de prata. Justamente por cima da mesa, em riquíssima gaiola suspensa ao teto, morava um sabiá. Estando a sala em silêncio, e descendo um raio de sol sobre a gaiola, eis que o sabiá, contente, modula uma ária.
Logo a flauta escarninha põe-se a casquinar no estojo como a zombar do módulo cantor silvestre.
— De que te ris? indaga o pássaro.
E a flauta em resposta:
— Ora esta! pois tens coragem de lançar guinchos diante de mim?
— E tu quem és? ainda que mal pergunte.
— Quem sou? Bem se vê que és um selvagem. Sou a flauta. Meu inventor, Mársias, lutou com Apolo e venceu-o. Por isso o deus despeitado o imolou. Lê os clássicos.
— Muito prazer em conhecer… Eu sou um mísero sabiá da mata, pobre de mim! fui criado por Deus muito antes das invenções. Mas deixemos o que lá se foi. Dize-me: que fazes tu?
— Eu canto.
— O ofício rende pouco. Eu que o diga que não faço outra coisa. Deixarei, todavia, de cantar e antes nunca houvesse aberto o bico porque, talvez, sendo mudo, não houvessem escravizado se, ouvindo a tua voz, convencer-me de que és superior a mim. Canta! Que eu aprecie o teu gorjeio e farei como for de justiça.
— Que eu cante?!…
— Pois não te parece justo o meu pedido?
— Eu canto para regalo dos reis nos paços; a minha voz acompanha hinos sagrados nas igrejas. O meu canto é harmoniosa inspiração dos gênios ou a rapsódia sentimental do povo.
— Pois venha de lá esse primor. Aqui estou para ouvir-te e para proclamar-te, sem inveja, a rainha do canto.
— Isso agora não é possível.
— Não é possível! por quê?
— Não está cá o artista.
— Que artista?
— O meu senhor, de cujos lábios sai o sopro que transformo em melodia. Sem ele nada posso fazer.
— Ah! é assim?
— Pois como há de ser?
— Então, minha amiga modéstia à parte vivam os sabiás! Vivam os sabiás e todos os pássaros dos bosques, que cantam quando lhes apraz, tirando do próprio peito o alento com que fazem a melodia. Assim da tua vanglória há muitos que se ufanam. Nada valem se os não socorrem o favor de alguém; não se movem se os não amparam; não cantam se lhes não dão gorjeia porque tem voz. E sucede sempre serem os que vivem do prestígio alheio, os que mais alegam triunfos. Flautas, flautas… cantam nos paços e nas catedrais… pois venha daí um dueto comigo.
E, ironicamente, a toda voz, pôs-se a cantar o sabiá, e a flauta de prata, no estojo de veludo… moita.
Faltava-lhe o sopro.
***

