Adeus, Stalin! Olá, Brasil!

31 01 2012

Bazar Kolkhozean, 1934

Alex Afanassievitch Coquelles (Rússia, 1880-1956)

óleo sobre tela

Adeus, Stalin! – memórias de uma menina que fugiu da guerra, de Irene Popow [Rio de Janeiro, Objetiva: 2011] vem a preencher uma lacuna na historiografia brasileira, de um assunto que se faz presente em outros países do Novo Mundo: a transmissão de relatos de imigrantes, relatos das guerras e da sobrevivência de milhares de pessoas que encontraram um lar nas Américas. A característica fundamental dos países do Novo Mundo é, em diferentes proporções, mas sempre constante, a variedade das levas de imigrantes além da pluralidade de influências culturais que formam uma nova e única cultura.

O texto de Irene Popow me levou de volta aos cursos de pós-graduação em História da Arte que fiz nos EUA, onde mais da metade dos professores que tive havia imigrado para lá, ainda crianças ou jovens, por terem se encontrado em campos de pessoas deslocadas depois da Segunda Guerra Mundial: judeus, russos, poloneses, franceses, italianos que criaram novas raízes nos EUA e lá se aliaram às melhores universidades do país.  Lendo Adeus, Stalin!  me dei conta dos poucos relatos de imigrantes vindos depois da Segunda Guerra, que fizeram do Brasil sua nova moradia e raiz de nova identidade. Mesmo entre os conhecidos de meus pais, lembro-me só de dois amigos deles com esse perfil: Sr. Ladislau, polonês e Sr. Eugênio, prussiano. Procurei por outras publicações, depois de ler esse livro e percebi que são poucos os relatos dedicados a contar as vidas desses novos brasileiros, antes e durante a guerra, como Irene Popow o faz.


A narrativa de Adeus Stalin! encanta.  Uma senhora que conseguiu guardar as percepções de criança, conta o dia a dia da vida na Ucrânia sob o domínio russo, com Stalin como figura máxima do país.  Seguimos a perseguição que este regime faz à sua família e o pular de cidade em cidade daqueles que eram considerados inimigos do estado.  Ficam claras para o leitor as vicissitudes encontradas e ultrapassadas pelos ucranianos e a persistência em se tentar manter uma vida normal no período de ocupação soviética do país.  Seus pais e tantos outros foram os grandes heróis, por conseguirem manter a unidade familiar intacta diante dos obstáculos. E ainda depois desses percalços somos testemunhas de como Irene e sua família, continuam a insistir numa vida “quase normal”,  indo à escola, fazendo os afazeres domésticos, mesmo depois da invasão alemã.  Temos o retrato da garra dos sobreviventes nos campos de trabalhos forçados, que conseguem manter um módico de dignidade mesmo que sujeitos às mãos inimigas.  E por fim, a lentidão e o viver nos campos de pessoas deslocadas, que perderam tudo e principalmente sua terra e sua nacionalidade: apátridas.

Não fosse a mão de dois interessantes personagens no destino dessa família não sabemos se teriam sobrevivido.  Depois de estarem no campo de pessoas deslocadas, foi o jeitinho do inglês Simon Bloomberg que, não tão ingênuo quanto os americanos seus aliados, percebeu o que aconteceria com a família se ela voltasse para território russo como os russos reivindicavam e conseguiu blefar os comunistas, trocando a nacionalidade da família da autora para polonesa.   Depois veio o jeitinho brasileiro, quando o cônsul Ubatuba, flexionou os limites das leis brasileiras de imigração: só estávamos aceitando engenheiros agrônomos.  A família de Popow só tinha um engenheiro de construção de minas de carvão, um engenheiro químico e um engenheiro geólogo.  Será que eles se importariam de entrar no Brasil como engenheiros agrônomos?

Irene Popow


Outra característica dessa narrativa é não tentar esconder, por simpatias políticas, as agruras da vida sob o comunismo de Stalin.  Assim como as condições de vida em Cuba são hoje ignoradas pelo nosso governo simpático a Fidel Castro, também as condições de vida sob o comunismo foram e são ignoradas pelo posicionamento de esquerda de muitos dos nossos intelectuais.  Irene Popow não faz desse livro uma narrativa de denúncia do regime comunista, mas conta, de maneira cativante e convincente, os sofrimentos passados por aqueles que viveram sob a presidência megalomaníaca de Stalin.

Digo que a narrativa é encantadora porque não é amarga.  São memórias.  São memórias de tempos muito difíceis cujo tempo ajudou a esvair o fel que deveria impregná-las.  O distanciamento de Irene Popow é distinto.  Diferente de muitos outros imigrantes ela teve a oportunidade de voltar à terra natal e descobrir que já não era mais, para ela, o mundo dela.  Era o mundo de seus pais.  Ela, sim, ganhara uma nova vida, uma nova identidade.  Como imigrantes eles conseguiram o seu quinhão.  Deram a volta por cima.  Sem alarde, sem vanglória.   E hoje, Irene Popow pode olhar para a Ucrânia de maneira distante, vê-la como outra terra, com muitas afinidades com o seu mundo, mas estrangeira. Belíssimo relato.


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4 responses

31 01 2012
Elizabeth Maria Waddington Agra

Livro maravilhoso, sem amarguras ou vitimizações. Como você diz, apenas memórias!

31 01 2012
peregrinacultural

Isso mesmo, Elisabeth. Um bela história, bem contada que só acrescenta a quem a lê. A autora está de parabéns!

31 01 2012
Irene Popow

Betoca, por um lado – elogio de filha não vale, por outro – você nunca me viu bancando vítima. Moral de história – o que você diz eu aceito, pois é a verdade. Ladyce, querida. Agora caiu a ficha. Você é a coordenadora do Clube do Livro. Minha irmã se encontrou com a Elizabeth Lavoye e ela falou de você e do Clube.

31 01 2012
peregrinacultural

Irene, foi assim mesmo. Bati o maior papo com a Ludmila e ficamos de eventualmente nos encontrar todas… Rs… Foi aí que “pedi para ser sua amiga no Facebook! Rs… Mas a gente ainda se encontra, com a Elizabeth Lavoie também. Um beijinho,

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