Minutos de sabedoria: Emerson

4 12 2025

A carta

David Hettinger (EUA, 1946)

óleo sobre tela,  76  x 102 cm

 

 

“Termine cada dia e o dê por encerrado. Você fez o que podia. Sem dúvida, alguns erros e absurdos se infiltraram; esqueça-os assim que puder. Amanhã é um novo dia. Você deve começá-lo serenamente e com um espírito elevado demais para se deixar sobrecarregar com suas velhas bobagens.”

 

Ralph Waldo Emerson (EUA, 1802-1882)





Morte de Fernando Pessoa, nota de Miguel Torga

3 12 2025

Procissão funerária 

Markenzy Julius Cesar (Haiti-EUA, 1974)

óleo sobre tela, 76 x 101 cm

 

“Morreu Fernando Pessoa. Mal acabei de ler a notícia no jornal, fechei a porta do consultório e meti-me pelos montes a cabo. Fui chorar com os pinheiros e com as fragas a morte do nosso maior poeta de hoje, que Portugal viu passar num caixão para a eternidade sem ao menos perguntar quem era.”

 

Miguel Torga, Diário, vol.I





O tempo, Virgínia Woolf

1 12 2025
Calendário de Eugene Grasset, para a loja La Belle Jadiniere, 1896

 

 

“Quão rapidamente flui a corrente de janeiro a dezembro! Somos levados de roldão pela torrente das coisas que se tornaram tão familiares que não projetam nenhuma sombra.”

 

Virginia Woolf,  As ondas





Interação arte e observador, Roger Scruton

25 11 2025

Reflexão, 1891

Louis Abel-Truchet  (França, 1857-1918)

óleo sobre tela

 

 

Os amantes da arte que estão diante de uma pintura ficam olhando, e, mesmo quando desviam o olhar, seus pensamentos estão voltados para a imagem. Cada detalhe lhes interessa; cada forma e cor têm um significado, e eles procuram na imagem um significado humano que possam tentar expressar em palavras, se tiverem inclinação crítica, ou que possam armazenar silenciosamente em seus corações. Aqui toda a atenção vem dos espectadores: eles estão ativamente empenhados em interpretar o que veem, e a sua visualização é, em certa medida, um ato criativo. Eles estão criando o objeto de sua própria percepção, mas também recebendo dele uma visão de repouso.”

 

Roger Scruton, A cultura importa: Fé e sentimento em um mundo sitiado





Amor e sofrimento, Julian Barnes

14 11 2025

O estudante, 1919

[David ‘Bunny’ Garnett traduzindo Dostoevsky]

Duncan Grant (Escócia, 1885-1978)

óleo sobre tela

Coleção Particular

 

 

 

“Nós sabíamos por nossas leituras dos grandes livros que Amor envolvia Sofrimento, e teríamos de bom grado praticado o Sofrimento se houvesse uma promessa implícita, talvez até lógica, de que o Amor poderia estar a caminho.”

 

 Julian Barnes, A única história, Rocco: 2018





O vaso chinês, texto de Marcel Proust

12 11 2025

O colecionador de porcelanas, 1922

Adolf Reich (Áustria, 1887-1963)

óleo sobre tela

Coleção Particular

 

 

“Meus pais não me davam bastante dinheiro para comprar coisas caras. Pensei num vaso chinês antigo que me dera a tia Léonie; mamãe pressagiava todos os dias que Françoise ia dizer-lhe: “Caiu…”, e que o vaso deixaria de existir. De modo que o mais prudente era vendê-lo, vendê-lo para poder obsequiar a Gilberte como eu quisera. Imaginava que arranjaria no mínimo uns mil francos. Mandei que embrulhassem o vaso, em que na verdade, por força do hábito, nunca havia reparado; de modo que o separar-me dele teve pelo menos uma vantagem, a de me dar a conhecê-lo. Eu mesmo o carreguei antes de ir à casa de Gilberte, e dei ao cocheiro a direção dos Swann, mas recomendando-lhe que fosse pelos Campos Elísios; ali estava a loja de um comerciante de antiguidades chinesas conhecido de meu pai. Com grande surpresa minha ofereceu-me imediatamente dez mil francos, e não mil como eu esperava. Apanhei as notas arrebatado de prazer; durante um ano poderia cumular Gilberte de rosas e lilases.”

 

Em: À sombra das raparigas em flor, Marcel Proust, tradução de Mário Quintana

 

 

 





Leitura por Virginia Woolf

5 11 2025

Emily

Michael J. Downs (Canadá, contemporâneo)

óleo sobre madeira, 51 x 76 cm

 

 

“A real razão continua inescrutável – a leitura nos dá prazer. É um prazer complexo e um prazer difícil; varia de época para época e de livro para livro. Mas ele é suficiente. Na verdade, o prazer é tão grande que não se pode ter dúvidas de que sem ele o mundo seria um lugar muito diferente e muito inferior ao que é. Ler mudou, muda e continuará mudando o mundo.”

 

Virginia Woolf, O sol e o peixe, Autêntica: 2015





Peregrinos de Santiago de Compostela, Claudia Piñeiro

23 10 2025
Aquarela, Jennifer Lawson.

 

 

Não tenho dúvidas de que muitos dos que caminham também não acreditam em nenhum deus, são tão ateus quanto eu. Não é a religião que os leva a fazer o Caminho de Santiago. Completam o percurso com o objetivo de chegar a um lugar concreto, de ter um objetivo, uma certeza. E provar para si mesmos que podem realizar o que se propuseram a fazer, como um desafio. Acreditam em si mesmos, em sua perseverança, em sua fortaleza física e anímica para não desistir antes de chegar. É nisso que depositam sua fé, neles mesmos.”

 

Claudia Piñeiro, Catedrais





A vida como viagem, José Saramago

10 10 2025

Beijo no metrô de Nova York

Philip Hawkins (Inglaterra, 1947)

óleo sobre tela

 

“A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o visitante sentou na areia da praia e disse:
“Não há mais o que ver”, saiba que não era assim. O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.”

 

José Saramago, Viagem a Portugal, 1981





Sobre os grandes escritores, Marcel Proust

8 10 2025

Pierre de Nolhac, retratado por seu filho, 1909

Henri de Nolhac (França, 1884-1948)

óleo sobre tela

 

 

 

É o que se dá com todos os grandes escritores: a beleza de suas frases é imprevisível, como a de uma mulher que ainda não conhecemos; é criação, porque se aplica a um objeto exterior em que eles pensam — e não a si — e que ainda não expressaram. Um autor de memórias de nossos dias que quisesse imitar disfarçadamente a Saint-Simon poderia em rigor escrever a primeira linha do retrato de Villars: “Era um homem corpulento, moreno… de fisionomia viva, franca, impressiva”, mas que determinismo lhe poderá fazer encontrar a segunda linha que começa por: “E na verdade um tanto aloucado”? A verdadeira variedade está nessa plenitude de elementos reais e imprevistos, no ramo carregado de flores azuis surgindo, contra toda expectativa, da sebe primaveril, que parecia incapaz de suportar mais flores; ao passo que a imitação puramente formal da variedade (e o mesmo se poderia argumentar quanto às outras qualidades do estilo) não passa de vazio e uniformidade, isto é, o contrário da variedade, e se com isso conseguem os imitadores provocar a ilusão e a lembrança da verdadeira variedade é tão somente para as pessoas que não a souberam compreender nas obras-primas.

 

Em: À sombra das raparigas em flor, Marcel Proust, tradução de Mário Quintana