Menina tricotando, s/d
Julian Alden Weir ( EUA, 1852-1919)
óleo sobre tela
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O trabalho
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Cora e Paulina eram duas meninas muito boazinhas que tinham um único defeito: eram preguiçosas.
Posso dizer que começaram uma vez a fazer um trabalho para dar à sua mãe e que só o acabaram ao fim de dois anos.
Muitas vezes D. Leonor dizia:
— Minhas filhas, porque não fazem algum trabalho, em vez de andarem sempre brincando? É tão feio uma menina ser preguiçosa!
— Ora, mamãe! Era a resposta. Estou com tanto calor! Não tenho coragem para ficar parada. Quando vier o inverno hei de trabalhar bastante para recuperar o tempo perdido.
Os meses passaram chegando o inverno; e quando a mãe lhes lembrou a promessa feita responderam:
— Está fazendo tanto frio! Como é que a gente pode trabalhar com as mãos geladas?
E assim o tempo ia correndo.
Um dia, em que estava fazendo muito frio, uma coleguinha chegou à escola com os beicinhos roxos, e tremendo tanto que fazia pena.
— Por que você não pôs um capote? perguntou Cora.
Está gelado, isto há de lhe fazer mal, Paulina acrescentou.
— E porque não pede à sua mãe que lhe compre ao menos um xale?
— Mamãe não o pode comprar. Somos muito pobres.
Cora e Paulina ficaram com muita pena da sua colega pobre. Logo que chegaram em casa, pediram à D. Leonor que comprasse um agasalho para a infeliz pequena.
— Não posso, não tenho dinheiro disponível. Tenho alguns novelos de lã, mas falta-me tempo para fazer o xale, respondeu a mãe.
— Nós o faremos, exclamaram as duas meninas ao mesmo tempo.
— Vocês são tão preguiçosas! Poderiam começá-lo, mas com certeza não chegariam ao fim, ou então levariam dois anos. E, enquanto isso, a pequena morreria de frio.
— Não, a senhora verá como o xale fica pronto depressa.
E tanto insistiram que D. Leonor foi buscar a lã.
As meninas começaram a trabalhar, e com tanto ardor trabalharam, que no fim de alguns dias a menina pobre teve a surpresa de encontrara na sua carteira uma xale bem quentinho.
Quando Cora e Paulina voltaram da escola e descreveram a alegria da coleguinha, D. Leonor falou com grande contentamento:
— Sou feliz, vendo as minhas filhas tão caridosas. Mas como é que vocês, cheias de preguiça, puderam fazer o xale? Pensei que desistiriam.
— Muitas vezes, disse Paulina, tivemos a tentação da preguiça, mas logo nos lembrávamos dos lábios roxos e trêmulos da coleguinha pobre. Isso parece que nos dava novas forças.
— E, ajuntou Cora, no fim já gostávamos de trabalhar. Quero que a senhora me arranje logo um outro trabalho. O tempo parece que passa depressa e a gente é mais feliz.
D. Leonor, muito contente, abraçou as filhas dizendo-lhes:
— Eu sempre lhes falava nisso, e vocês não acreditavam.
Os vadios e preguiçosos é que estão descontentes e acham o tempo demorado. Só os que trabalham é que são completamente felizes.
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Em: Pequenas histórias, Assis Cintra, Rio de Janeiro, Francisco Alves: 1924 — obra pela Diretoria Geral da Instrução Pública de São Paulo e adotada na escola modelo e grupos escolares do estado de São Paulo.
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Francisco de Assis Cintra (Bragança Paulista, 1887 – São Paulo, 1953), jornalista, filólogo e historiador