Os grupos de leitura selecionam os melhores do ano!

22 12 2019

 

 

 

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Camille Engel (EUA, contemporânea)

óleo sobre madeira

 

 

Dois grupos de leitura votaram nos livros lidos durante o ano.

 

Ao Pé da Letra

(grupo formado por 16 pessoas, leu 12 livros este ano):

 

1 —  Anna Karenina, Leon Tolstoy

2 —  Eu sei por que o pássaro canta na gaiola, Maya Angelou

3 —  Plataforma, Michel Houellebecq

4 —  Entre cabras e ovelhas, Joanna Cannon

5 —  O coração do tártaro, Rosa Montero

6 —  As fúrias invisíveis do coração, John Boyne

7 —  A senhora das savanas, Hilton Marques

8 —  Minha avó pede desculpas, Fredrik Backman

9 —  Dois irmãos, Milton Hatoum

10 —  Os diários de pedra, Carol Shields

11 — Quarto de despejo: diário de uma favelada, Carolina Maria de Jesus

12 —A uruguaia, Pedro Mairal

 

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Melhor livro do ano

Houve empate no 1º lugar

dois

 

1º lugar — Anna Karenina, Leo Tolstoy, diversas editoras, diversas datas

Leo Tolstoy escreveu Anna Kariênina entre 1873 e 1877, prestes a completar 45 anos. Depois de escrever o romance Guerra e paz , entre 1863 e 1869, dedicara-se aos afazeres agrícolas, além de fundar escolas, elaborar e difundir teorias e técnicas pedagógicas polêmicas e estudar o grego com afinco. Ao mesmo tempo, foi acumulando uma impressionante quantidade de informações sobre o tsar Pedro, o Grande. Seu intuito era escrever um romance sobre a época em que Pedro I foi o imperador da Rússia.

Após tentativas obstinadas, Tolstói desistiu do projeto. Por outro lado, nutria a ideia de fazer um relato sobre uma mulher adúltera, da alta sociedade. Durante um tempo, estes dois temas levaram vidas independentes em seu pensamento. Quando a imaginação os uniu, Anna Kariênina começou a nascer. Em janeiro de 1875, a revista Mensageiro russo publicou os primeiros catorze capítulos de Anna Kariênina.

Tolstói distribuiu ao longo do livro os temas que o inquietavam, discutidos pelos personagens – a guerra da Sérvia, a administração agrícola, o regime da propriedade da terra, a relação com os trabalhadores, a decadência da nobreza, a educação das crianças, o casamento, a religião, o serviço militar compulsório, as teorias de Spencer, Lasalle, Darwin e Schopenhauer. Estruturado em paralelismos, o livro se articula por meio de contrates – a cidade e o campo; as duas capitais da Rússia (Moscou e São Petersburgo); a alta sociedade e a vida dos mujiques; o intelectual e o homem prático, etc.

O tema é descentralizado a cada novo episódio. Os dois principais personagens, Liévin e Anna, só se encontram uma vez, em toda a longa narrativa. Mas nem por isso estão menos ligados, pois a situação de um permanece constantemente referida à situação do outro. Anna viaja a Moscou para tentar salvar o casamento em crise de seu irmão. Consegue ajudá-lo, mas acaba pondo a perder o seu próprio, apaixonando-se por um aristocrático militar por quem larga o marido e o filho pequeno. Liévin, um rico e jovem proprietário de terras rurais, vive às voltas com problemas de conflitos de classe de seus lavradores e questionamentos existenciais profundos.

 

1º lugar — Eu sei por que o pássaro canta na gaiola, Maya Angelou, São Paulo, Editora Astral Cultural: 2018

RACISMO. ABUSO. LIBERTAÇÃO. A vida de Marguerite Ann Johnson foi marcada por essas três palavras. A garota negra, criada no sul por sua avó paterna, carregou consigo um enorme fardo que foi aliviado apenas pela literatura e por tudo aquilo que ela pôde lhe trazer: conforto através das palavras.

Dessa forma, Maya, como era carinhosamente chamada, escreve para exibir sua voz e libertar-se das grades que foram colocadas em sua vida. As lembranças dolorosas e as descobertas de Angelou estão contidas e eternizadas nas páginas desta obra densa e necessária, dando voz aos jovens que um dia foram, assim como ela, fadados a uma vida dura e cheia de preconceitos. Com uma escrita poética e poderosa, a obra toca, emociona e transforma profundamente o espírito e o pensamento de quem a lê.

 

índice

2º lugar — Dois irmãos, Milton Hatoum, mais de uma edição

Dois Irmãos é a história de como se constroem as relações de identidade e diferença numa família em crise. É a história de dois irmãos gêmeos – Yaqub e Omar – e suas relações com a mãe, o pai e a irmã. Moram na mesma casa Domingas, empregada da família, e seu filho. Esse menino – o filho da empregada – narra, trinta anos depois, os dramas que testemunhou calado. Buscando a identidade de seu pai entre os homens da casa, ele tenta reconstruir os cacos do passado, ora como testemunha, ora como quem ouviu e guardou, mudo, as histórias dos outros. Do seu canto, ele vê personagens que se entregam ao incesto, à vingança, à paixão desmesurada. O lugar da família se estende ao espaço de Manaus, o porto à margem do rio Negro: a cidade e o rio, metáforas das ruínas e da passagem do tempo, acompanham o andamento do drama familiar. Prêmio Jabuti 2001 de Melhor Romance.

 

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3º lugar — A uruguaia Pedro Mairal, Editora Todavia: 2018, 128 páginas

A uruguaia apresenta o argentino Pedro Mairal, um dos narradores mais destacados da nova literatura latino-americana. Este romance divertido e apaixonante sobre afetos, crise conjugal, autoengano e busca pela felicidade mostra, através das peripécias sentimentais de um escritor recém-chegado aos quarenta anos, como devemos enfrentar as promessas que fazemos e não cumprimos e as diferenças entre aquilo que somos e o que realmente gostaríamos de ser. Narrado com leveza e brilhantismo trata de temas como amor e culpa, responsabilidade e libertação pessoal, estabelece de uma vez por todas o talento de Pedro Mairal como um dos nomes de destaque de um novo “boom” da literatura latino-americana.

 

Papalivros

(grupo formado por 22 pessoas, leu 12 livros este ano):

 

1 – Kafka à beira-mar, Haruki Murakami

2 – Assombrações, Domenico Starnone

3 – A garota italiana, Lucinda Riley

4 – Uma família como a nossa, Chaia Zisman

5 – As fúrias invisíveis do coração, John Boyne

6 – As redes da ilusão, Amy Tan

7 – Limonov, Emmanuel Carrère

8 – Minha avó pede desculpas, Fredrick Backman

9 – Era no tempo do rei,   Ruy Castro

10 – O diário de Nisha, Veera Hiranandani

11 – O construtor de pontes,  Markus Zusak

12 – A uruguaia, Pedro Mairal

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Melhor livro do ano

 

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1º lugar — A garota italiana, Lucinda Riley,  Arqueiro: 2016, 464 páginas

Uma inesquecível história de amor, traição, paixão, obsessão e música.

Aos onze anos de idade, Rosanna Menici conhece o cantor Roberto Rossini, uma estrela em ascensão no mundo da ópera italiana – e o homem que mudaria sua vida para sempre. Incentivada – e apaixonada – por ele, Rosanna passa a se dedicar ao estudo do canto lírico, torna-se cantora profissional, e logo os dois se encontram nas salas de concerto mais famosas do mundo, dividindo não só o palco como também o mesmo destino.

Com seu talento incomum para descrever ambientes e evocar sensações e sentimentos universais, Lucinda Riley nos leva a acompanhar a trajetória de Rosanna, desde os bairros pobres de Nápoles até os teatros mais glamourosos do planeta, trazendo à tona, com sua prosa inconfundível, as alegrias, tristezas, frustrações, decepções e redenções do amor.

 

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2º lugar — Era no tempo do rei, Ruy Castro, Alfaguara: 2007,  248 páginas

O cenário é o Rio de 1810, dois anos depois da chegada da Família Real portuguesa, com as ruas vivendo uma agitação jamais vista em uma cidade das Américas. Os personagens são nobres e plebeus que existiram de verdade e outros saídos da mais delirante imaginação.

Em Era no tempo do rei, nem tudo o que se lê neste livro aconteceu – mas podia ter acontecido. Afinal, o autor é Ruy Castro. Os heróis de Era no tempo do rei são o príncipe D. Pedro e seu amigo Leonardo, um menino de rua, ambos com 12 anos. Os dois garotos endiabrados tomam a cidade de assalto, envolvendo-se nas mais empolgantes cabriolas.

Na pista deles, estão o temível major Vidigal, a prostituta Bárbara dos Prazeres, a vingativa princesa Carlota Joaquina, o pio padre Perereca, o sinistro inglês Jeremy Blood, granadeiros, ciganos e capoeiras. Como pano de fundo, a luta pelo poder no Brasil, em Portugal e nas colônias espanholas no Prata.

Era no tempo do rei é um romance malandro e picaresco, com tudo que isso significa: erotismo, crítica, sátira, humor e muita ação. É também uma festa de cheiros, comidas, roupas, costumes, palavras e expressões da época.
Nunca a História do Brasil foi tão irresistível.

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3º lugar — A uruguaia, Pedro Mairal, Editora Todavia: 2018, 128 páginas

A uruguaia apresenta o argentino Pedro Mairal, um dos narradores mais destacados da nova literatura latino-americana. Este romance divertido e apaixonante sobre afetos, crise conjugal, autoengano e busca pela felicidade mostra, através das peripécias sentimentais de um escritor recém-chegado aos quarenta anos, como devemos enfrentar as promessas que fazemos e não cumprimos e as diferenças entre aquilo que somos e o que realmente gostaríamos de ser. Narrado com leveza e brilhantismo trata de temas como amor e culpa, responsabilidade e libertação pessoal, estabelece de uma vez por todas o talento de Pedro Mairal como um dos nomes de destaque de um novo “boom” da literatura latino-americana.

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A coincidência de ambos os grupos nomearem o mesmo livro como 3ª melhor leitura no ano, não passou despercebida. Realmente, um livro pequenino, cheio de alusões literárias, de um autor argentino, ainda desconhecido no Brasil, que lê como se fosse um filme daquele país.  Muito bom.

 

 





Pobreza de espírito e de informações nas nossas capas de livros!

26 05 2010

O campo de Santana no Rio de Janeiro, 1818

Franz Joseph Frühbeck (Áustria 1795 — data de morte incerta, depois de 1830)

Gravura aquarelada

Há algum tempo quero escrever sobre as capas de livros publicados no Brasil.  Em primeiro lugar, gostaria de saber, porque é difícil encontrarmos o crédito [o nome do artista gráfico que fez a capa de um livro] das capas de livros por estas bandas?  Aliás, esta falta de informação não é de hoje: mesmo livros dos anos 40, 50, 60 do século passado que encontramos em sebos e que eram habitualmente ilustrados, muitas vezes  não têm a menção do autor (ou autores) das ilustrações.  Uma falta na ficha bibliográfica da obra.   Uma vergonha para a história da ilustração no Brasil, uma vergonha para editores que se diziam sérios.  Porque mesmo que as ilustrações usadas fossem compradas lá fora, deveríamos ter tido o direito, o acesso à informação de pelo menos os nomes dos ilustradores.

O livro ponto zero desta postagem foi lido em 2008, o charmoso Era no tempo do rei, de Ruy Castro, Alfaguara:2007, sucesso de vendas e, hoje, sucesso de dramaturgia depois de ter sido adaptado para o teatro.   Este foi um dos livros que o meu grupo de leitura mensal trouxe para discussão em março de 2008.  Entre as muitas observações que fizemos – que nos levaram de volta a deliciosos aspectos do Rio de Janeiro de 200 anos atrás — houve também a reclamação, entre nós, da falta de relação entre a capa e seu conteúdo.  Desde então tenho prestado mais atenção às capas dos livros que leio. 

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Era no tempo do rei se passa no Rio de Janeiro, logo depois da chegada da família real ao Brasil.  Num artigo do jornal O Globo, de 17 de novembro de 2007, Suzana Velasco lembra que  “ A primeira imagem que Ruy Castro pensou para o romance Era no tempo do rei foi a dos meninos Pedro e Leonardo fugindo pelos Arcos da Carioca”.  Como a jornalista sublinha a ambientação desse romance é no Rio de Janeiro colonial.  E aí olhamos para capa do livro e o que vemos?  Será que vemos uma paisagem do Rio de Janeiro colonial, dentre as tantas a que temos acesso através dos pintores viajantes de diferentes países?  Não.  Será que temos um desenho moderno de uma representação do Rio de Janeiro com os arcos monumentais dominando a paisagem de então?  Não.  Será que teríamos uma ilustração de dois meninos perambulando pelas ruas de um Rio de Janeiro colonial, feita por algum ilustrador nosso, de hoje?  Não

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O ferrolho, 1778

Jean Honoré Fragonard ( França, 1732 – 1822)

Óleo sobre tela, 73 x 93 cm

Museu do Louvre, Paris

O que temos em mãos é um quadro francês, do século XVIII, pintura de gênero, de uma suposta aventura amorosa, picante.   Nem preciso dizer que a Alfaguara,  selo da Editora Objetiva, do Grupo Santillana, não se deu ao trabalho de identificar para o leitor curioso – como a maioria das editoras estrangeiras o fazem no verso da página de rosto —  que a capa do livro era um detalhe de uma obra de Fragonard que se encontra no Louvre.   Ironicamente no portal da Editora Objetiva encontramos o seguinte texto:  A Objetiva se consolidou ao longo dos anos 90, como uma das editoras de referência no segmento de livros de interesse geral. Publica escritores de qualidade, como Luis Fernando Verissimo, Tony Judt, Arnaldo Jabor e Harold Bloom, entre tantos outros, assim como o Dicionário Houaiss, o mais completo da língua portuguesa. Atua em vários segmentos e especialmente em história, biografia, política, comportamento, humor, reportagem, ensaio e referência.  Referência?   Onde estava a referência ao quadro em questão?

Este assunto rodopiou na minha cabeça por muito tempo: tenho muitas perguntas que não cessam sobre a falta do costume de informações corretas no Brasil e, até certo ponto, a falta de cuidado com o livro, com o leitor, com a curiosidade alheia, o que é certamente o papel de uma editora.  Mas há três semanas, por outros motivos, me encontrei com o livro Don Juan acorrentado, da escritora carioca Wanda Fabian, publicado oito anos antes de Era no tempo do rei, pela Editora Lacerda:1999, leia-se Nova Aguilar, que é parte da Nova Fronteira.   E pasmem: tem a mesma capa de Era no tempo do rei.  O mesmo detalhe, o mesmo corte de imagem!

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Agora a pergunta que não cala:  só este quadro de Fragonard tem permissão de ser usado por editoras brasileiras para livros de ficção histórica?  É claro que não.  Por que então este favoritismo?  Eu poderia assumir que é pura preguiça, acomodação, falta de respeito ao leitor, falta de conhecimento do mercado editorial…  Mas, lá atrás, no fundo das minhas desconfianças, há uma voz gritando:  tem a ver com direitos autorais.  Tem a ver com imagem em domínio público.  Mas será que O ferrolho, de Fragonard, é o único quadro conhecido pelos editores?  Será que é a única imagem em domínio público?  Talvez tenha a ver com a divisão de marketing dessas editoras?  Será que ambas as editoras contrataram a mesma companhia de marketing?  Ou foi o  mesmo estagiário?  A pessoa de uma só obra de arte?  Como se justifica isso?  Quem pode me responder?





Porque é Carnaval… um texto de Ruy Castro

15 02 2010

Cabeça de palhaço, sem data

Belmiro de Almeida (Brasil, 1858-1935)

Crayon sobre papel, 16 x 15 cm

De 1930 a 1960, em termos de boa música e mau comportamento o Rio teve um Carnaval como nenhum outro lugar ou época.  Sendo uma cidade razoavelmente católica, produziu, sob as barbas do Cristo Redentor, Carnavais mais pagãos que os do próprio paganismo egípcio ou das bacanais romanas — aqui, o boi Ápis viraria croquete de botequim e Baco não pegaria nem aspirante no Clube dos Cafajestes, uma confraria de rapazes bem-nascidos e educados que usavam a alegria para fins saudavelmente imorais, como bailes, festas, orgias, com uma ou outra briga para manter a forma.

Por cair quase sempre em fevereiro, coincidindo com o esplendor do verão e convidando à pouca roupa, o Rio deixou longe em euforia os Carnavais invernais que o inspiraram, como os de Nice e de Veneza (os quais continuaram a ser o que sempre foram: belos bailes a fantasia).  O Carnaval carioca também permitiu ver que, em comparação, o de Nova Orleans era uma festa aristocrática, exclusivista e racista, de brancos e negros brincando iguais, mas separados.  No Rio, o samba e a marchinha nivelaram tudo.  A partir deles passou a haver um só  Carnaval para os negros, brancos e mulatos.

Carnaval, sem data.

J. Carlos (Brasil 1894-1950)

Nanquim e guache sobre papel, 18 x 27 cm

Seus criadores e intérpretes eram gente de todas as raças e classes, trabalhando e se divertindo juntos.  Nos anos 30, o cantor Mário Reis, branco de família rica, cantava os sambas que Ismael Silva, negro e pobre, fazia em parceira com o branco de classe média Noel Rosa, acompanhado por uma orquestra de músicos brancos e negros.  Dos três maiores cantores da época, Francisco Alves era branco, filho de portugueses; Orlando Silva era mulato, de cabelo passado a ferro; e o Sílvio Caldas, moreno de cabelo em escadinha, era o quê?  Era o “Caboclinho querido”.   Mas que importância tinha isso?  Terminada uma apresentação no rádio ou no teatro, saíam todos juntos e se sentavam às mesas do Café Nice, na avenida Rio Branco, ou de um humilde pé-sujo no Estácio,  e o samba continuava.  Tais combinações eram rotina no Rio.

A rigor nem eram novidade.  As bandas militares cariocas em fins do século XIX eram mistas, e a mais importante delas, a do Corpo de Bombeiros, tinha um maestro negro, Anacleto de Medeiros.  “Pelo telefone”, em 1917, já fora assinado por um preto e um branco, lembra-se?  A primeira orquestra de sambas e de choros, Os Oito Batutas, de Pixinguinha, criada em 1922, era preta e branca em partes iguais, quatro para cada lado, e tocava para platéias mistas, em cinemas e teatros.  Alguns anos depois, quando surgiu o rádio, os músicos negros de qualquer instrumento sempre tiveram espaço nas emissoras do Rio (em outras cidades do Brasil só eram admitidos como cantores ou percussionistas).  E as gravadoras americanas sediadas aqui nunca cometeram a torpeza de obrigar suas filiais brasileiras a produzir race records  (discos mais baratos de artistas negros para compradores idem), como faziam nos Estados Unidos com os jazzistas.  O samba e o jazz podem ter nascido ao mesmo tempo, dos mesmo avós africanos e molhado fraldas simultâneas, mas, defintivamente, seguiram caminhos diferentes.  (Não é uma vergonha, por exemplo, que o jazz tenha levado vinte anos para ter sua primeira formação “integrada”?  A qual foi o trio do clarinetista Benny Goodman, em 1936, com o pianista negro Teddy Wilson, e, no começo, só para gravações em estúdio, longe das vistas de uma platéia branca.)

Arlequins, 1939

Dimmitri Ismailovitch (Rússia, 1892 – Brasil, 1976)

Óleo sobre tela, 59 x 37 cm

Alguém já comentou admirado que o brasileiro “é um negro de todas as cores”.  Se se estava referindo ao carioca, que se orgulha dessa mistura, era perfeito.  Aqui somos mesmo neguinhos assumidos, das mulatas de olhos verdes aos “brancos” como eu, com leite e café na família.  Sem esquecer as louras autênticas, de pele clara e olhos azuis e sobrenome europeu — elas podem ser tudo isso, mas a bunda não nega e o jeito para sambar, também não.  O Rio é uma exuberante variedade de cores de pele e olhos, texturas de cabelo e formatos de nariz e lábios — resultado de cinco séculos de gip-gip-nheco-nheco sobre redes, catres, chaises longues, camas com dossel, de pé contra uma bananeira, ou na praia mesmo, à milanesa.  Todos no Rio temos um pé na África e os que não têm, gostam de dizer que têm.  Mesmo porque não podem jurar que não tenham.  Sabe-se lá o que, em 1850, o nhonhô estava  fazendo com a vovó nos fundos do sobrado?

Em:  Carnaval no fogo: crônica de uma cidade excitante demais, Ruy Castro, São Paulo, Cia das Letras: 2003, páginas: 86-89





A formação de um bloco de Carnaval: Ruy Castro

24 02 2009

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Carnaval, década de 40

Haydéa Santiago (RJ 1896 – RJ 1980)

Estudo para um painel do MAB

Óleo sobre tela

 

 

 

 

A gestação e o parto de um bloco são uma súmula do estilo carioca de viver.  Todo bloco nasce de uma amizade.  Começa com meia dúzia de amigos que, durante o ano, se reúnem para beber e conversar fiado num botequim de subúrbio, num quiosque à beira-mar ou mesmo para jogar pelada.  Às vezes são colegas de profissão: médicos, advogados, arquitetos, bancários, jornalistas, publicitários, desempregados – dá de tudo, de todas as cores, e recomenda-se apenas que um não esteja comendo a mulher do outro.  Entre churrasquinhos, chopes e caipirinhas, alguém aparece com um violão ou um tamborim.  Faz-se um samba, depois outro, que todos aprendem e cantam.  Nas proximidades do Carnaval, resolvem desfilar juntos, levando mulher, filhos, a empregada, a babá e quem mais se apresentar.  Outros amigos aderem e levam os amigos deles.  Para pagar o aluguel de uma quadra de ensaios, renovar o couro dos instrumentos,  fazem uma vaquinha entre os comerciantes da vizinhança e vendem camisetas oficiais do bloco – quase sempre desenhadas por um cartunista nacionalmente famoso e que, por acaso, também faz parte do grupo.  A uma ou duas semanas do Carnaval, o bloco começa a sair às ruas e logo conquista a simpatia, quase amor, do bairro – qualquer pessoa pode juntar-se e se deixar levar pela corrente humana.  No Carnaval para valer, já são tantos os blocos de cada região que eles têm de sair em dias alternados e com o apoio dos guardas de trânsito.  Se desfilarem ao mesmo tempo, darão um nó na cidade. 

 

Ao contrário das bandas, que usam instrumentos de sopro e se limitam a executar velhos standards do Carnaval, os blocos só dependem da bateria e do gogó para cantar os sambas e marchinhas feitos por eles mesmos – e que, como não tocarão no rádio ou na televisão, dizem o que querem sobre ou contra qualquer pessoa.  Neles estão a malícia, a crítica e a gozação – marcas registradas da cidade.

 

O Carnaval é a prova de que a força empreendedora do carioca, quando ele se dispõe a exercê-la, é formidável.  Imagine se o carioca pusesse essa força a serviço de algo realmente sério, importante e construtivo.

 

Não sei e não queremos nem saber.

 

 

Ruy Castro

Carnaval no fogo: crônica de uma cidade excitante demais

São Paulo Cia das Letras:2003  Páginas 117 e 118.





As marchinhas no carnaval carioca: Ruy Castro

24 02 2009

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O entrudo no Rio de Janeiro, 1823

Jean-Baptiste Debret ( França 1768-1848)

Aquarela sobre papel

Museu da Chácara do Céu

Rio de Janeiro

Dos anos 30 a meados dos anos 60, foram compostos, editados e gravados mais de 15 mil sambas e marchinhas – somente para o Carnaval, note bem.  Em média quase quatrocentas novas canções carnavalescas por ano.  Destas, apenas uma minoria emplacava.  Mas as que caíam na preferência do povo eram tocadas até dizer chega e incorporadas ao repertório permanente do Carnaval.  Tornavam-se os standards do gênero: sambas como Agora é cinza (1934),  Meu consolo é você (1939), Ai que saudade da Amélia (1942),  Lata d’ água (1952),  e marchinhas como O teu cabelo não nega (1932), Mamãe eu quero (1937), Touradas em Madri (1938), Jardineira (1939), Aurora (1941), Alá-lá-ô (1941), Piada de salão (1954), A lua é dos namorados (1964) – no caso delas a lista não teria fim.  O samba podia ser o ritmo nobre do Carnaval e do resto do ano, mas eram as marchinhas que determinavam a temperatura da folia.  Sua fórmula era simples: melodias diretas e fáceis de aprender, ritmo frenético para se dançar aos pulos e letras curtas, sacanas,  cheias de duplos sentidos.

 

Nada podia ser mais politicamente incorreto do que as marchinhas.  Suas letras eram “ofensivas” a qualquer grupo que você pudesse imaginar: negros, índios, homossexuais, gordos, carecas, gagos, adúlteras, mulheres feias, maridos em geral, patrões, funcionários públicos – para cada um desses temas fizeram-se várias marchinhas arrasadoras.  Mas eram tão divertidas ou absurdas que, incrivelmente, ninguém parecia se ofender.  Outros alvos eram o custo de vida, os baixos salários, a falta d’ água, o “progresso” e a destruição dos redutos históricos da cidade como a Lapa e a praça Onze.  Durante a Segunda Guerra, elas se politizaram e ridicularizaram Hitler e os japoneses.  Seus autores eram o creme da música brasileira do período: Ary Barroso, Noel Rosa, Benedito Lacerda, Ataulfo Alves, Herivelto Martins.  E havia os especialistas em Carnaval, os reis das marchinhas como Lamartine Babo, João de Barro, Nássara, Haroldo Lobo, Wilson Batista, Roberto Martins, Luiz Antonio, Klecius Caldas, João Roberto Kelly.  Eram homens inteligentes e abençoados com uma inesgotável veia melódica e humorística.  Graças a eles, o carioca refinou o seu jeito de criticar tudo na base da brincadeira – e também de aceitar a crítica.

 

 

Ruy Castro

Carnaval no fogo: crônica de uma cidade excitante demais

São Paulo, Cia das Letras: 2003, páginas 95 e 96

 

 





Os 10 finalistas do Prêmio Jabuti de 2008 — Romance

3 09 2008

 

 

FINALISTAS EM FICÇÃO do PRÊMIO JABUTI 

 

Vencedores serão anunciados no dia 23 de setembro.  Este é o 50°Prêmio Jabuti.

 

 

1 –  O SOL SE PÕE EM SÃO PAULO

BERNARDO TEIXEIRA DE CARVALHO

Pausa na leitura, 1964, Aurélio d'Allincourt, (Brasil 1919-1990), ost

Pausa na leitura, 1964, Aurélio d'Allincourt (Brasil 1919-1990), ost.

EDITORA COMPANHIA DAS LETRAS

 

 


ISBN: 9788535909777
Ano: 2007
Edição: 1
Número de páginas: 168
Acabamento:  Brochura
Formato: Médio

 

No Japão da Segunda Guerra, um triângulo amoroso envolve Michiyo, Jokichi e Masukichi – uma moça de boa família, um filho de industrial e um ator de kyogen, o teatro cômico japonês. À primeira vista, isso é tudo que Setsuko, a dona do restaurante japonês, tem a contar ao narrador de O Sol se Põe em São Paulo, novo romance de Bernardo Carvalho. Mas logo a trama se complica e se desdobra em outras mais, passadas e presentes, que desnorteiam o narrador involuntário, agora compelido a um verdadeiro trabalho de detetive para completar a história em que se viu enredado. Pois o relato de Setsuko aponta para além do desejo, da humilhação e do ressentimento amoroso, e se vincula aos momentos mais terríveis da História contemporânea – tanto do Japão como do Brasil. Obra sem fronteiras, que une a Osaka de outrora à São Paulo de hoje, e esta à Tóquio do século XXI, o romance de Bernardo Carvalho entrelaça tempos e espaços que o leitor julgaria essencialmente separados – e nos quais a prosa de ficção brasileira não costuma se arriscar. Caberá ao narrador de O Sol se Põe em São Paulo transitar de um pavilhão japonês no bairro do Paraíso a um cybercafé na Tóquio pós-moderna, das fazendas do interior de São Paulo aos campos de batalha da guerra no Pacífico. Tudo a fim de deslindar uma trama tortuosa, que envolve ainda um soldado raso, um primo do imperador e um escritor famoso (o romancista Junichiro Tanizaki) – e também sua própria pessoa, sua própria identidade: pária ou escritor?

 

 

2 –  ANTONIO

BEATRIZ BRACHER

EDITORA 34 


ISBN: 9788573263770
Ano: 2007
Edição: 1
Número de páginas: 184
Acabamento:  Brochura
Formato: Médio

 

Benjamim, esta história são nossas vidas e ainda não acabou, nunca vai acabar. Criar esse espaço para tua mãe, essa narrativa para teu pai e teu avô, como se a vida não tivesse existido entre Benjamim e outro, tivesse sido apenas um oco, lapso, vão, entre um amor perdido e seu reencontro, isso é pouco.

 

3 –  O FILHO ETERNO

CRISTOVÃO TEZZA

EDITORA RECORD LTDA 

 

ISBN: 8501077887
Ano: 2007
Edição: 1
Número de páginas: 224
Acabamento:  Brochura
Formato: Médio

 

Romance inédito que aborda os conflitos de um homem que tem um filho com Síndrome de Down. O protagonista se mostra inseguro, medroso e envergonhado com a situação, mas aos poucos, com muito esforço, enfrenta a situação e passa a conviver amorosamente com o menino.

 

 

4 –  RAKUSHISHA

ADRIANA LISBOA

EDITORA ROCCO 

 

ISBN: 9788532521989
Ano: 2007
Edição: 1
Número de páginas: 128
Acabamento:  Brochura
Formato: Médio

 

Em Rakushisha, a escritora mergulha na cultura japonesa ao narrar os caminhos e descaminhos de Haruki e Celina, dois brasileiros que se conhecem por acaso e acabam viajando juntos para o Japão, ao mesmo tempo que revisita as imagens e a obra do poeta do século XVII Matsuo Basho.

Através dos olhos dos protagonistas, uma ocidental e um oriental ocidentalizado, o leitor descobre as nuances inesperadas e muitas vezes contraditórias do Japão moderno. É na solidão de estar num país de cultura tão diferente que os segredos de Haruki e Celina vêm à tona.

Unidos pelo acaso e por um crescente amor ao texto de Basho, pioneiro do estilo haikai e não por coincidência autor do livro cuja tradução Haruki tem a encomenda de ilustrar, os personagens levam o leitor a uma viagem fascinante de descobertas e surpresas

 

5 –  ERA NO TEMPO DO REI

RUY CASTRO

EDITORA OBJETIVA , SELO ALFAGUARA


Ano: 2007
Edição: 1
Número de páginas: 248
Acabamento:  Brochura
Formato: Médio

Um romance histórico de tintas cômicas que promove o encontro de uma das figuras mais importantes da História do Brasil, D Pedro I, com o protagonista de um dos clássicos da literatura nacional, Leonardo, de ´Memórias de um sargento de milícias´, escrito por Manuel Antônio de Almeida. Por obra do acaso, os dois, ainda adolescentes, acabam se tornando amigos e participando de uma aventura capaz de mudar os rumos do país e até do mundo

 

6 –  AS FLORES DO JARDIM DA NOSSA CASA

MARCO LACERDA

EDITORA TERCEIRO NOME LTDA. 


ISBN: 9788587556929
Ano:
 2007
Edição: 1
Número de páginas: 203
Acabamento:  Brochura
Formato: Médio

 

Depois de um assalto, no dia em que fez 40 anos, dois amigos de Marco Lacerda o encontram no apartamento em que morava nos Jardins, em São Paulo, e soltaram as cordas que o mantinham imobilizado sobre sua cama. Esse assalto com requintes de crueldade é o fio condutor da história que Marco conta em “As Flores do Jardim da Nossa Casa”: uma história que agarra o leitor pelo colarinho a partir da primeira página e o leva até a última, sem lhe dar um minuto de trégua para respirar

 

 

7   A CHAVE DE CASA

TATIANA SALEM LEVY

EDITORA RECORD LTDA 

 

ISBN: 8501079278
Ano: 2007
Edição: 1
Número de páginas: 208
Acabamento:  Brochura
Formato: Médio

 

Passando por temas como a morte da mãe, a relação com um homem violento, viagem, raízes, herança e etc, A Chave de Casa é um livro pulsante, cheio de vida e emoção. A autora tece um romance de vozes diversas – como são as vozes da memória -, histórias que se complementam num tom de densa estranheza. Romance de estréia da jovem escritora Tatiana Salem Levy. Lançado em Portugal no primeiro semestre de 2007, o livro foi um grande sucesso de crítica.

 

8 –  A MURALHA DE ADRIANO

MENALTON BRAFF

EDITORA BERTRAND BRASIL LTDA 

 

ISBN: 9788528612738
Ano: 2007
Edição: 1
Número de páginas: 268
Acabamento:  Brochura
Formato: Médio

 

No século II, o imperador Adriano construiu uma muralha para deter as constantes invasões dos escoceses. Em seu novo romance, Menalton Braff, o vencedor do Prêmio Jabuti, mostra que o homem do século 21 segue levantando barreiras intolerantes cada vez maiores e mais silenciosas. A Muralha de Adriano, um drama psicológico, mostra que os muros podem ser também construídos dentro de casa… ou no interior do próprio indivíduo. Uma história feita de ciúme, de ambição e de coragem numa família. É um romance que, num certo sentido, pode ser tomado como uma alegoria da queda de um império – no caso, uma rede de supermercados. Mas seu alcance vai muito além. “A Muralha simboliza nossas barreiras”, afirma Braff. “Em um mundo que se diz globalizado, nunca foram tantas as barreiras. As nossas, individuais, como o preconceito, os nossos medos, os nossos impedimentos morais, sobretudo da falsa moralidade. Mas as barreiras são também sociais, dividindo os seres humanos em grupos de pouca ou nenhuma comunicação. Enfim, é história em que as personagens envolvem-se em conflitos quase sempre originados por algum tipo de muralha.” O foco narrativo de A Muralha de Adriano está, a princípio, entregue a três personagens – Verônica, Anselmo e Mateus. Porém, no momento em que, apesar de todas as muralhas, suas histórias se cruzam um narrador onisciente, em terceira pessoa, assume o relato das ações e, explorando com destreza diversos efeitos de linguagem que se aproximam do impressionismo, as conduz até o final. “Com narrativas em ziguezague e domínio pleno da linguagem, Menalton Braff realiza sua melhor invenção com A Muralha de Adriano”, escreve o poeta Fabrício Carpinejar. “Apresentando os capítulos inicial e final inspirados na Bíblia, o romance é ilustrativo, não moralizante. O escritor deixa a ação ser a mensagem. Não há como larga-lo nem para atender ao telefone. Fica-se com a respiração trancada, suspensa, esperando o desfecho e tentando entender quem está com a razão.”

 

9   LONGE DE RAMIRO

CHICO MATTOSO

EDITORA 34 

 

ISBN: 9788573263831
Ano: 2007
Edição: 1
Número de páginas: 88
Acabamento:  Brochura
Formato: Médio

 

Este primeiro romance de Chico Mattoso narra as estranhas aventuras de Ramiro, que, isolado num hotel, inventa os mais excêntricos jogos mentais, na tentativa de imobilizar um mundo que insiste em fugir a seu controle. Como notou Reinaldo Moraes, o livro é “a saga de uma consciência extraviada de sua base humana e afetiva. Na contramão, porém, da trajetória autodissolvente do personagem, o leitor se aproxima vertiginosamente de uma narrativa enxuta, elegante, precisa e tantas vezes desconcertante”.

 

10 –  CONTRAMÃO

HENRIQUE SCHNEIDER

EDITORA BERTRAND BRASIL LTDA 

 

ISBN: 8528612899
Ano: 2007
Edição: 1
Número de páginas: 176
Acabamento:  Brochura
Formato: Médio

 

Porto Alegre, seis e meia da manhã. Otávio Augusto desperta para mais um dia de trabalho. Após tomar banho, o que sempre lhe traz de volta à vida, separa suas roupas meticulosamente, combinando cada peça com cada acessório. A preparação para o trabalho mais parece um ritual, seguido de um café forte e fatias de pão quente. Contramão, de Henrique Schneider, introduz o romance por meio da descrição de uma personagem extremamente zelosa com a imagem, dotada de fortes ambições profissionais e de uma agenda impecavelmente organizada. Esta, no entanto, não possui espaço para imprevistos.

 

Ao sair de casa, Otávio Augusto segue sua rotina. Senta ao volante do carro importado, liga o rádio para ouvir o noticiário e se põe a caminho da metalúrgica onde trabalha como gerente de negócios, cargo assumido logo após sua graduação. Um sinal quase fechado, as urgências para com horários e compromissos, somados a um motor possante, fazem com que Otávio seja o responsável pelo atropelamento de duas crianças. O lema “tempo é dinheiro” parece não mais significar sucesso para o jovem administrador. Tomado pelo desespero, esquiva-se da situação, fugindo o mais rápido possível para que não destruam seu futuro. Dirigindo sem rumo, o itinerário é traçado pelo instinto. Uma breve pausa para respirar e arejar a cabeça. Ao analisar a estrada e sua localização, percebe ter passado por um posto de gasolina e toma a decisão de seguir caminho até o sétimo posto. Um já havia passado. O que mais aguardará Otávio nessa jornada sem destino? Ou, pelo menos, até o sétimo posto de gasolina?

 

“Em Contramão, Henrique Schneider nos conta, de maneira absolutamente fascinante, a história de um homem que tem um encontro com o destino”, escreve Moacyr Scliar. “É aquilo que poderíamos chamar, por analogia aos road movies, de uma road story, uma história em que o deslocamento por estradas e lugares tem sua contrapartida na viagem interior, e na descoberta (amarga, no caso) do fator humano.”