Carl Bengts (Finlândia, 1876 – 1934)
óleo, 27 x 35 cm
“Recordo-me.
Perdi-me.
Ou foi a vida
que me perdeu?”
Em: Armindo Rodrigues (1904-1993), Aventura.
Carl Bengts (Finlândia, 1876 – 1934)
óleo, 27 x 35 cm
“Recordo-me.
Perdi-me.
Ou foi a vida
que me perdeu?”
Em: Armindo Rodrigues (1904-1993), Aventura.
Hubert-Denis Etcheverry (França, 1867-1950)
óleo sobre tela
Museu Bonnat-Helleu, Bayonne
Fernando Pessoa (Portugal, 1888-1935) em Contemplo o lago mudo.
Ipolit Strâmbu (Romênia, 1871-1934)
óleo sobre cartão
Fernando Pessoa (Portugal, 1888-1935) em O andaime, 1931.
David Azuz (Israel, 1942)
Serigrafia
Armindo Rodrigues
Aqui, no café, sabe-se tudo
e junta-se gente vinda
de todos os cantos do mundo.
Aqui, no café, esquece-se o tempo
e nascem ideias extraordinárias
até dos gestos irrefletidos.
Aqui, no café, sonho mais à vontade
que sou tudo o que sonho
e não tenho medo de nada.
Aqui, no café, todos sabem que sou
um homem como outro qualquer
que vem aqui todas as tardes.
Em: Voz arremessada no caminho; poemas, Armindo Rodrigues, Lisboa: 1943, p. 53
Otto van Rees (Alemanha, 1884-1957)
óleo sobre tela
“Leve, breve, suave,
Um canto de ave
Sobe no ar com que principia
o dia.
Escuto, e passou…
Parece que foi só porque escutei
Que parou.”
Fernando Pessoa (Portugal, 1888-1935) em Leve, breve, suave.
Distração, gravura George Lepape.
Miguel Torga
–
–
Não tenhas medo, ouve:
É um poema
Um misto de oração e de feitiço…
Sem qualquer compromisso,
Ouve-o atentamente,
De coração lavado.
Poderás decorá-lo
E rezá-lo
Ao deitar
Ao levantar,
Ou nas restantes horas de tristeza.
Na segura certeza
De que mal não te faz.
E pode acontecer que te dê paz…
–
–
Miguel Torga, Diário XIII
Jorge Sousa Braga
As árvores como os livros têm folhas
e margens lisas ou recortadas,
e capas (isto é copas) e capítulos
de flores e letras de oiro nas lombadas.
E são histórias de reis, histórias de fadas,
as mais fantásticas aventuras,
que se podem ler nas suas páginas,
no pecíolo, no limbo, nas nervuras.
As florestas são imensas bibliotecas,
e até há florestas especializadas,
com faias, bétulas e um letreiro
a dizer: «Floresta das zonas temperadas».
É evidente que não podes plantar
no teu quarto, plátanos ou azinheiras.
Para começar a construir uma biblioteca,
basta um vaso de sardinheiras.
Em: Herbário, Jorge Sousa Braga, Lisboa, Assírio & Alvim: 1999
Ilustração Belli Studio.
Jorge Sousa Braga
Ele sabe palrar
Cacarejar
Arrulhar
Gorjear
Mugir
Vagir
Zunir
Latir
Berrar
Miar
Bramar
Chiar
Uivar
Ladrar
Rosnar
Grunhir
Zumbir
Rugir
Balir
Zurrar
Coachar
Chilrear
Grasnar
Cricrilar
Crocitar
E também sabe
Falar
Seja a língua que for
Até já o contrataram
Para o jardim zoológico
Como tradutor
Em: Poemas com Asas, Lisboa, Assírio & Alvim: 2001
Leitura no jardim, ilustração de Norman Price, capa da revista St. Nicholas, maio de 1917.
Eugênio de Andrade
São como cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?
–
–
Pescador na beira do rio, 1932
Archimedes Dutra (Brasil, 1908-1983)
óleo sobre madeira, 27 x 35 cm
–
–
Fernando Pessoa
–
Na ribeira deste rio
ou na ribeira daquele
passam meus dias a fio.
Nada me impede, me impele,
me dá calor ou dá frio.
–
Vou vendo o que o rio faz
quando o rio não faz nada.
Vejo os rastros que ele traz,
numa sequência arrastada,
do que ficou para trás.
–
Vou vendo e vou meditando,
nem bem no rio que passa
mas só no que estou pensando,
porque o bem dele é que faça
eu não ver que vai passando.
–
Vou na ribeira do rio
que está aqui ou ali,
e do seu curso me fio,
porque, se o vi ou não vi,
ele passa e eu confio.
–
–
Em: Antologia poética para a infância e a juventude, Henriqueta Lisboa, Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro: 1961, p. 150-151.