A boa poesia, José Eduardo Agualusa

29 06 2015

 

 

ANTON EBERT         lesendes-mdchen-1896-by-anton-ebert-austrian-18451896_thumbSenhora lendo, até 1896

Anton Ebert (Áustria, 1845-1896)

óleo sobre tela, 79 x 63 cm

 

 

“A boa poesia surpreende, acende clarões no cérebro, provoca e desafia.”

 

José Eduardo Agualusa

 

Em: “A cura pela palavra”, José Eduardo Agualusa, O Globo, 29/06/2015, 2º caderno, página 2.





O escritor — José Eduardo Agualusa

22 06 2015

 

 

Stanislaw Debicki (Polônia, 1866-1924)

Retrato de leitora de jornal, c. 1900

Stanislaw Debicki (Polônia, 1866-1924)

Lwowska Galeria Obrazów , Varsóvia

 

 

“Escrever é, na essência, mudar de pele. Um escritor tem de se conseguir colocar, o tempo todo, na pele dos outros.”

 

José Eduardo Agualusa

 

Em: “O embrulho da alma”, José Eduardo Agualusa, O Globo, 22/06/2015, 2º caderno, página 2.





Sobre cartas

18 05 2015

 

Teacher. Yuri Belov (Russia, 1929)A professora

Yuri Belov (Rússia, 1929)

 

 

“Uma carta implica dedicação. Quem escreve uma carta suspende a vertigem do tempo para refletir, para melhor sentir, para pensar no outro. Uma carta de amor é realmente uma carta de amor.”

 

José Eduardo Agualusa

 

Em: “A convulsa solidão dos nossos dias, José Eduardo Agualusa, O Globo, 18/05/2015, 2º caderno, página 2.





Escritores, o público e o marketing

11 05 2015

 

 

Ernest-Hemingway-001O escritor Ernest Hemingway.

 

Hemingway gostava de se fazer fotografar não só em tronco nu, mas em tronco nu e ao lado de mulheres bonitas. Teve muitas. Perdeu para o dramaturgo Arthur Miller, que sem nunca se ter deixado fotografar em tronco nu casou com Marilyn Monroe. Quer Hemingway quer Miller tiveram uma intensa vida mundana e sentimental, mas ficaram ambos atrás, mesmo muito atrás, de Truman Capote. Capote era tão frívolo que inclusive se vangloriava disso.

 

Essa citação vem de uma divertida coluna de José Eduardo Agualusa sobre o que esperamos dos nossos escritores.  Vale a pena os cinco minutos dedicados à leitura:

 

Escritores Pelados, José Eduardo Agualusa, O Globo, 11/05/2015, 2º caderno, página 2.  Clique AQUI





” A língua portuguesa”, José Eduardo Agualusa

31 03 2015

mb_1894_cam2A redenção de Cam, 1895

Modesto Brocos (Espanha/Brasil, 1852-1936)

óleo sobre tela, 199 x 166 cm

MNBA [Museu Nacional de Belas Artes], Rio de Janeiro

“A verdade é que ainda persiste em Portugal uma certa saudade imperial e, sobretudo, uma enorme ignorância no que diz respeito à história do próprio idioma. É sempre bom recordar que antes de Portugal colonizar a África, os africanos colonizaram a Península Ibérica durante oitocentos anos. A língua portuguesa deve muito ao árabe. A partir do século XVI, com a expansão portuguesa, a língua começa a enriquecer-se, incorporando vocábulos bantos e ameríndios, expressões e provérbios dessas línguas, etc.. A minha língua é esta criação coletiva de brasileiros, angolanos, portugueses, moçambicanos, caboverdianos, santomenses, guineenses e timorenses. A minha língua é uma mulata feliz, fértil, generosa, que namorou com o tupi e com o ioruba, e ainda hoje se entrega alegremente ao quimbundo, ao quicongo ou ao ronga, se deixando engravidar por todos esses idiomas.”

Em: “Um brinquedo de criar prodígios“, José Eduardo Agualusa, O Globo, 30/03/2015, 2º caderno, página 2.





Citando Camille Paglia na entrevista do jornal O GLOBO de 15/10/2014

16 10 2014

 

 

25artpaA arte da pintura, 1667

Johannes Vermeer (Holanda, 1632-1675)

óleo sobre tela, 120 x 100 cm

Kunsthistorisches Museum,  Viena

 

Trecho de entrevista do jornal O GLOBO com Camille Paglia.

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O GLOBO — Nós estamos em meio a eleições presidenciais no Brasil, e o tema da cultura está praticamente fora dos debates entre candidatos. Por que você acha que os governos ainda encaram a cultura como alegoria?

Camille Paglia — Os políticos habitam o mundo concreto, pragmático, e já não se espera que sejam analistas culturais. A educação é o veículo da cultura, e é por isso que é o lugar onde a sociedade deve investir fortemente. Infelizmente, nesse clima econômico instável, o apoio financeiro para a educação e as artes está diminuindo, fazendo parecer que a arte é uma frivolidade, quando há desemprego e as pessoas vivem em favelas miseráveis. Além disso, há 35 anos na área de humanas há uma epidemia venenosa das teorias pós-modernas e pós-estruturalistas, que reduz  a arte à política e nega seus sentimentos fundamentais. Como culpar os políticos por sua negligência, quando os guardiões das ciências humanas se comportam com tal irresponsabilidade e niilismo?

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O GLOBO — A pintura perdeu a primazia e a autoridade, como você afirma. Por que a pintura deve ter essa responsabilidade? Por que não outra linguagem artística?

Camille Paglia — Uma das principais invenções no mundo das artes foi o surgimento das pinturas portáteis e emolduradas durante o Renascimento. Antes disso, os pintores faziam suas grandes declarações em gesso fresco, nas paredes, onde a pintura estava estritamente ligada à arquitetura, ou em têmpera de ovo sobre madeira. Ambos secavam rapidamente, portanto os pintores tinham que trabalhar rapidamente, e usavam formas simples e poucas cores. A chegada da pintura a óleo, aperfeiçoada pela primeira vez na Holanda, permitiu que os artistas trabalhassem mais lentamente. Além disso, as misturas de tintas produziam finas gradações de cor, permitindo que o artista captasse sutilezas de luz, sombra e cor da pele. A pintura a óleo foi revolucionária e inspirou artistas a expressar e refinar suas personalidades, seus pensamentos e suas emoções. O declínio da pintura diante da abundância de novas mídias digitais, enfraqueceu seriamente esse prestígio. Centenas de grandes obras foram produzidas durante o reinado da pintura a óleo, ao longo de 500 anos. Mas onde estão as obras-primas de hoje?

O GLOBO — É mais importante o artista estar conectado à tradição ou ao seu próprio tempo?

Camille Paglia — Certos artistas parecem eclodir de seu momento histórico, simbolizando-o, como Lord Byron. Outros como El Greco e Emily Dickinson, são ignorados por seus contemporâneos e redescobertos pelas gerações seguintes. Todos os grandes artistas transcendem seus espaço e tempo. Em termos de tradição, artistas criam sua própria identidade em uma outra dinastia: eles podem rejeitar a geração que os formou e conectar-se com o mestres mortos há muito tempo. Se um artista deseja fama e prêmios instantâneos, ele fala para seu próprio tempo. Mas os maiores artistas saem do passado e falam para o futuro.

 

Para a entrevista completa: O GLOBO





O que há de errado com este artigo de O GLOBO?

8 12 2008
Primeira página do Caderno Prosa e Verso, O GLOBO, 6/12/2008

Primeira página do Caderno Prosa e Verso, O GLOBO, 6/12/2008

 

No sábado passado, dia 6 de dezembro, o jornal matutino carioca, O GLOBO, apresentou um artigo sobre os romances populares no século XIX no Brasil.  O artigo de Miguel Conde comenta sobre os livros que re-editam histórias populares da época; romances publicados aos capítulos nos jornais do reino, da mesma maneira em que muitas outras obras de peso no século XIX foram publicadas em outras partes do mundo.  Era comum.

O artigo revela ainda alguns hábitos interessantes da leitura no Brasil imperial e colonial e o jornal em espaços diferentes faz uma complementação com uma lista dos livros mais vendidos no Brasil Colônia e também com uma resenha do que havia nos catálogos de três livreiros no século XIX.

Páginas 1 e 2 tratam quase que exclusivamente de hábitos de leitura, assim como de títulos populares no Brasil imperial.  E no entanto, o jornal O GLOBO, preferiu ilustrar suas páginas não com artistas brasileiros mostrando pessoas lendo, mas ao invés, mostrou mais uma vez a mentalidade de colonia cultural ao escolher trabalhos do francês Jean-Auguste Renoir e da americana Mary Cassat, ambos com imagens de mulheres lendo livros.

Página 2 do Caderno Prosa e Verso do Jornal O GLOBO

Página 2 do Caderno Prosa e Verso do Jornal O GLOBO

A pergunta que não cala:  por quê?  Por que um artigo sobre hábitos de leitura no Brasil não é ilustrado com mulheres brasileiras lendo?  Isto leva o leitor ao total desconhecimento de sua própria cultura e ao reconhecimento exclusivamente de outras imagens, iconografias que não têm nada a ver com a realidade brasileira, com o talento dos artistas brasileiros. 

Este tipo de ignorância dos valores culturais brasileiros precisa acabar.  Com este fim, enviei ontem, o seguinte email que aqui transcrevo para Mànya Millen, que imagino ser uma senhora, que está encarregada da editoria do caderno Prosa e Verso. 

Aqui está a transcrição: 

Prezada Mànya Millen,
 
Muito obrigada pelo interessantíssimo artigo Best Sellers REAIS, no Caderno Prosa e Verso que a senhora editora.  O artigo de Miguel Conde foi muito ilustrativo e bem escrito.  Tenho no entanto um problema com as imagens escolhidas para ilustrar um artigo sobre a leitura no Brasil no século XIX.  É um reclamação pequena, mas acredito que importante.
 
Por que não ilustrar este artigo com arte brasileira, de uma mulher lendo?   Estes quadros existem.  E falam mais a nós brasileiros do que o Renoir ou a Mary Cassat que vocês acharam por bem usar.
 
Um dos quadros mais famosos no Brasil é o da Moça lendo de José Ferraz de Almeida Júnior, um pintor brasileiro, que nasceu e morreu no estado de São Paulo, (Brasil 1850-1899).  Este quadro, pintado em 1879, encontra-se no MASP (Museu de Arte de São Paulo) e tenho certeza de que o museu não colocaria obstáculos na sua reprodução pelo O GLOBO. 
 
Na verdade, o mesmo pintor tem alguns outros quadros de mulheres lendo que também poderiam ter sido aproveitados no lugar do ultra batido RENOIR, que não aumenta o conhecimento do brasileiro por sua própria cultura.
 
Bertha Worms, Tarsila do Amaral, Henrique Bernardelli, Aurélio d’Alincourt, Di Cavalcanti entre outros tem quadros bastante conhecidos que seriam uma melhor maneira de transmitir a cultura brasileira e acabar com esta sensação de ex-colônia, cujo único lugar no mundo que importa encontra-se fora do Brasil.
 
Morei muitos anos no estrangeiro.  E posso lhe dizer que nem nos EUA, nem na França, nem mesmo em Portugal, um jornal ao ilustrar um artigo sobre a leitura do país deles ilustraria o artigo com artistas estrangeiros.  Sinto ter que lhes chamar a atenção para este detalhe cultural.  Mas acredito fortemente que é assim que se constrói, que se educa, que se valoriza a cultura brasileira.
 
PS: Esta carta será publicada no meu blog, Peregrina Cultural. ( https://peregrinacultural.wordpress.com.br )
 
 
Atenciosamente,
 
 
Ladyce West
José Ferraz de Almeida Jr (Brasil,1850-1899) Moça com livro, 1879, MASP

José Ferraz de Almeida Jr (Brasil,1850-1899) Moça com livro, s/d, óleo sobre tela, 50 x 61 cm, MASP -- Museu de Arte de São Paulo

 

É este tipo de descuido com o que é nosso que precisa acabar.  E só vai acabar quando pessoas como nós, que conhecemos mais, que sabemos mais, batermos com o pé para dizer:  BASTA!  Não quero mais esta visão neo-colonial do Brasil, como se o centro do mundo estivesse fora daqui.  O meu centro cultural está aqui.  Principalmente quando o assunto é literatura no Brasil, no século XIX.  Então, por quê?  Qual é a razão deste despropósito?





Estatística: um método razoável de associar valor às obras de arte?

18 11 2008

 

 

Em agosto deste ano, o jornal carioca O GLOBO, publicou na sua edição impressa, (5/8/2008) um artigo sobre o economista David Galenson demonstrando como este profissional americano criou uma maneira de qualificar as obras de arte do século XX para poder discernir as melhores do século.  

 

Seu método, muito simples, consistiu de avaliar 33 livros de história da arte, publicados entre 1990 e 2005.  Daí para frente fez uma análise quantitativa das imagens que mais apareciam nestes textos.  

 

Em primeiro lugar ficou a tela de Pablo Picasso, Les Demoiselles d’Avignon, com 28 reproduções.  Em segundo lugar, veio Monumento à Terceira Internacional do escultor russo Vladimir Tatlin, com 25 reproduções e em terceiro lugar ficou a obra do americano Robert Smithson, Spiral jetty, com 23 reproduções.  

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Les demoiselles d’Avignon, 1907

Pablo Picasso (Espanha 1881-1973)

Óleo sobre tela

Museu de Arte Moderna de Nova York

 

Não vou continuar com a relação inteira porque para qualquer pessoa que tenha tido a oportunidade de passar uma vista d’olhos na história da arte do século XX este grupo de três obras já demonstra a fraqueza do argumento do economista.  Das três obras mencionadas, só mesmo a de Pablo Picasso poderia ficar entre as mais importantes obras do século XX.

 

Mas esta pesquisa traz à tona um assunto de que nos meios da história da arte pouco se fala.  É o valor do reconhecimento visual: uma obra conhecida por fotos e vista em diversos livros e artigos de jornal, especializados ou não, por sua simples freqüência, pela adquirida cadeira cativa – digamos assim – na imaginação do público em geral adquire uma importância maior do que historiadores poderiam lhe dar.

 

Para o público em geral a mera impressão fotográfica da obra de arte num livro, separa e dá distinção a este trabalho.  Uma distinção que com freqüência, como vemos na lista do economista Galenson, não traz em si a importância verdadeira daquele trabalho.  Gostamos em geral daquilo que conhecemos.

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Modelo para a 3ª Torre Internacional, 1919-20

[nunca construída]

Vladimir Tatlin (Rússia 1885-1953)

Assim países que tem um bom grupo de editoras de arte, com um bom grupo de museus que reproduzem e vendem suas obras, do cartão postal à gravura glicée; que as vendem em todas as formas e de todos os preços, dos cartazes ao guardanapo de papel, do marcador de livro ao ímã de geladeira, tem sistematicamente sem acervo considerado pelo publico como de importância do que qualquer acervo que não esteja ao alcançar do público mesmo que em reproduções.

 

Quem não está familiarizado com publicações de arte pode não saber que com freqüência há obstáculos a serem encontrados para a reprodução de um trabalho de arte num livro.  Em geral, o primeiro obstáculo vem da permissão e o respectivo custo da fotografia.  Se pertence a um museu, ou se pertence a uma coleção particular, pode-se pagar à pessoa que tem posse deste trabalho de arte das meras centenas de dólares ao milhar.  A quantia dependerá também do tipo de publicação.  Se a publicação é para lucro, a quantia em geral é bem maior do que quando um estudioso pede a fotografia para ser publicada numa publicação profissional.  

 

robert-smithson-spiral-jetty-1970

 

Spiral Jetty, 1970

Robert Smithson (EUA 1938-1973)

Pedras negras, cristais, terra e água vermelha

Great Salt Lake , Utah

Há também aqueles curiosos donos de coleções particulares que doam suas coleções, freqüentemente com muitas obras de valor, aos maiores museus, por exemplo, mas que impõem condições perpétuas sobre essas obras: entre elas a de que a reprodução fotográfica seja feita só um certo número de vezes por ano ou talvez nunca.  

 

Meu conselho, quando agi como consultora de arte nos EUA, era de que as empresas ou pessoas particulares que colecionavam arte deixassem seus quadros, suas esculturas, suas coleções serem fotografadas e reproduzidas sempre que pudessem e sempre especifiquei o valor do colecionador publicar um catálogo, fartamente ilustrado, com as obras que tivesse, justamente por saber que a familiarização do público em geral com uma imagem, com um trabalho de arte, aumenta significativamente seu valor no mercado se e quando aquele colecionador resolver vender algum item de sua coleção. 

 

Mas isto foi ante do período da internet.  Hoje acredito que temos que rever todas as nossas curiosamente antiquadas idéias de controle.  A propagação de idéias e de imagens não pode ser e não deve ser controlada.  A internet tem uma maravilhosa qualidade: é democrática quanto ao conhecimento, quanto a divulgação daquele conhecimento.  

 

Acredito que em mais uns três a cinco anos, se fôssemos usar os métodos escolhidos por David Galenson, mas aplicando-os à internet o resultado seria muito, mas muito diferente do que ele obteve.  No entanto, a seleção seria certamente tão esotérica quanto o que ele conseguiu nas fotos de livros de 1990 a 2005.  

 

Não acredito que análises quantitativas consigam atribuir valor de importância em obras de arte.  Mas elas justificam alguns preços atingidos no mercado de arte:  principalmente quando estas obras sistematicamente aparecem reproduzidas em livros.  

 

 

 

 





As diferentes levas imigrantes na literatura brasileira

5 11 2008

quadro_imigracao-ernst-zeuner-rio-dos-sinos-s-leopoldo

Chegada dos imigrantes alemães em 1824

Ernst Zeuner ( Alemanha 1895- Brasil 1967)

óleo sobre tela

 

 

 

 

 

Quase todos os países das Américas têm uma massa de imigrantes que lhes dá características específicas.  O Brasil assim como os EUA, o Canadá, a Argentina tem uma população de origem muito diversa que só nos enriquece.  Cada grupo de imigrantes nestes países veio por não agüentar situações de guerra, de pobreza, de fome, perseguições políticas e religiosas em suas terras natais.  As terras do Novo Mundo eram a oportunidade do Eldorado (por mais defeitos que o país adotivo tivesse), eram a oportunidade de sobrevivência decente.  Este espírito empreendedor de quem veio de terras distantes para as Américas caracteriza todos os recém-chegados que sonham em construir um país diferente de onde vieram e marca seus filhos de maneira visível.

 

O escritor Salim Miguel

O escritor Salim Miguel

Países como os Estados Unidos, o Canadá, o Brasil, a Argentina têm uma grande dívida com esses homens e mulheres corajosos que deixaram suas culturas, suas terras, suas línguas, seu folclore, seus laços de família, seus feriados religiosos, para trás, muitas vezes para nunca mais voltarem a ver pais, irmãos e outros parentes próximos.  Há povos que são conhecidos por terem mandado emigrantes para os quatro cantos do mundo.  Fala-se com freqüência da diáspora dos judeus, assim como se fala da diáspora portuguesa. 

 

 

 

 

 

Só agora no final do século XX e início do XXI, que os brasileiros — tendo adquirido um melhor e mais democrático nível de educação e maior interesse na sua história, tem-se conscientizado da saga vivida por seus antepassados, dos sacrifícios que nossos pais, avós, bisavós fizeram para chegar aqui e suas contribuições para a cultura brasileira.

 

A experiência brasileira de inclusão só se parece pela total diversidade dos que aqui chegaram, com aquela encontrada nos Estados Unidos.  Como no país da América do Norte a educação da população em geral foi mais universal do que no Brasil o fenômeno da imigração, um tópico comum entre os americanos do norte,  só agora  aparece como tema perene na literatura brasileira.  Digo agora mas refiro-me principalmente da segunda metade do século XX até hoje.

 

Foi, portanto, interessante ver as repostas que Salim Miguel deu a Miguel Conde, em entrevista publicada no jornal O Globo no caderno Prosa e verso, de 25 de outubro de 2008.  Salim Miguel para quem ainda não o conhece é um grande escritor brasileiro, catarinense, ( nasceu no Líbano mas mudou-se para o Brasil ainda criancinha) que acaba de lançar mais um romance, Jornada com Rupert, (Record:2008) onde a trama se passa em Blumenau entranhando-se pela colonização alemã na cidade.   Vou transcrever aqui três das perguntas feitas ao escritor na entrevista, porque como ele, acredito que salim-miguel-rupert1nós ainda não exploramos o suficiente na literatura e como identidade cultural  o assunto da colonização, da imigração no Brasil.

 

MC – Nur na escuridão, que está sendo relançado e Jornada com Rupert, seu novo livro, contam histórias de imigrantes no Brasil, um tema recorrente em sua ficção e que faz parte de sua biografia também.  Queria saber como ficção e memória se separam, ou se confundem em sua escrita.

 

Salim Miguel – Em primeiro lugar se há uma coisa que eu tenho muito boa é a memória.  Mas é claro que, nos meus livros o que é contado ao mesmo tempo é e não é a realidade, pois há elementos de ficção que permeiam tudo.  No caso de Nur na escuridão, trabalhei em cima da minha família, embora o livro não seja uma biografia, nem uma autobiografia.  Jornada com Rupert é um pouco diferente porque fala de colonos alemães.  Logo que minha família chegou ao Brasil, nós vivemos em duas comunidades de imigração alemã.  Foram os primeiros lugares onde nós moramos, foi um livro mais difícil de escrever.

 

MC – Jornada com Rupert faz um painel da vida de imigrantes em Santa Catarina, e ao mesmo tempo conta um drama individual, se aproximando em alguns momentos do tom do romance de formação.  O senhor sabia bem, ao começar o romance, que livro queria escrever, e como costurar as duas histórias?

 

Salim Miguel – Eu sempre sei o que pretendo fazer, mas não sei como pretendo fazer.   Não me interesso por ficção histórica, embora goste que nos meus livros o enredo esteja associado a fatos reais da história do Brasil.  Eu queria contar esta história de colonização em Santa Catarina que se estende por um século, mas de um jeito que não fosse linear, que não tivesse um único narrador onisciente.  Por isso, a história é contada na forma de recordações, todas acontecidas em um dia, durante uma viagem de trem do protagonista.

 

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MC – Vários escritores brasileiros exploraram ficcionalmente a vida dos imigrantes, de Lya Luft até mais recentemente, Cíntia Moscovich.  O senhor se interessa por esses livros?

 

Salim Miguel – Gosto muito dos livros da Lya Luft.  Tenho lido tudo que encontro sobre o tema, de Graça Aranha a Milton Hatoum e Raduan Nassar.  Diante da importância da imigração para o Brasil, acho que nossa literatura e mesmo nossos ensaístas ainda não deram ao tema a atenção devida.   Existe um processo muito rico, de formação de uma sociedade a partir da chegada dos estrangeiros, da convivência deles numa terra nova, que ainda foi pouco explorado em nossa ficção.

 

Julgando-se pela produção de romances, de livros de ficção com o motivo da imigração nestes outros países mencionados, acredito como Salim Miguel que ainda há muito, mas muito a ser explorado pelo escritor brasileiro.  Mãos à obra…