Não à censura de Monteiro Lobato nas escolas — parte VI e última de textos de Gilberto Freyre

18 10 2011

Cascão coleciona revistas em quadrinhos, ilustração Maurício de Sousa.

Reproduzo aqui, a sexta parte de  uma coletânea de seis textos de Gilberto Freyre, escritos entre 1948 e 1951  para a revista O Cruzeiro, em que o sociólogo esclarece alguns pontos sobre a censura.

Nacionalismo e internacionalismo nas histórias em quadrinhos

(parte VI)   –    Gilberto Freyre

Deste mesmo recanto modesto de página 10 de O Cruzeiro já tive ocasião de referir-me à chamada “história em quadrinhos” como forma moderna de literatura ou arte: uma literatura ou arte cujo mal – o de conteúdo ou substância – não deve ser confundido levianamente com a forma.

A forma tanto pode se prestar a fins educativos como deseducativos.   Correspondendo a um gosto moderno de síntese, tanto da parte de um público infantil como do adulto, deve ser aproveitada pelos educadores e moralistas e não apenas abandonada aos exploradores da vulgaridade ou da sensação.

Em vez de assim procederem, que fazem alguns educadores e moralistas?  Investem contra a história de quadrinhos como os caturras de outrora investiram contra os principais  cinemas, os primeiros rádios.  Até que ficou evidente que jornal, cinema, rádio, tanto se podiam prestar a fins educativos como deseducativos.  Que os próprios padres ou sacerdotes podiam utilizar-se do jornal, do cinema, do rádio para a propaganda da fé e da moral cristã.  Que jornal ou imprensa não queria necessariamente dizer perigo para a ordem estabelecida ou a ortodoxia dominante, mas, ao contrário, podia ser posta a seu serviço.  Que cinema não queria necessariamente dizer a moça quase nua fazendo pecar os adolescentes, homem beijando  escandalosamente mulher, ladrão arrombando cofre, mas, ao contrário, podia ser posto ao serviço da ciência, da história clássica e da própria religião.   Que o rádio não queria necessariamente dizer maior divulgação de samba, de anedota picante, de canção obscena, mas também de música clássica e da própria música de igreja.

Ilustração Walt Disney.

A “história em quadrinhos” está na mesma situação. Também ela pode tornar-se instrumento de divulgação de vidas de heróis, de santos, de sábios, de façanhas de vaqueiros do Nordeste e de gaúchos do Rio Grande do Sul e não apenas as aventuras de gangsters e de cowboys.

Também ela pode tornar-se, para os brasileiros, fonte de conservação de tradições nacionais, em vez de superação dessas tradições por mitos de povos imperiais sem que, entretanto, o justo zelo degenere em “nossismo” intolerante.  “Nossismo” doentio que não admita história com Papai Noel, mas só com Vovô Índio; nem biografia que exalte  Marconi, mas que só glorifique Santos Dumont; nem canto onde apareça lobo ou olmo, mas só onde brilhe a ramagem do cajueiro ou arreganhe a dentuça da suçuarana.

Compreende-se a campanha de nacionalização da história de quadrinhos inciada vigorosamente pelo jornalista Homero Homem.  Mas seria uma lástima que a mística da nacionalização nos levasse aqueles exageros.  E nos fechasse, nas nossas revistas e jornais, às histórias de quadrinhos que não falassem em índio, cajueiro, vaqueiro do Nordeste, suçuarana, pitanga, Caxias, Santos Dumont.

Atualmente, o extremo que domina nas histórias de quadrinhos publicadas nos nossos jornais é o de quase exclusiva americanidade  de motivos, símbolos e personagens.  Devemos reagir contra essa exclusividade lamentável.  Mas não ao ponto de nos fecharmos dentro de motivos, símbolos e personagens exclusivamente brasileiros.  Apenas escolhendo para publicação, histórias, tanto brasileiras quanto estrangeiras, mais capazes de deleitar o público, sem corromper-lhe o gosto.  Pois não nos esqueçamos de que vivemos num mundo que é, cada dia mais, um mundo só, dentro do qual o Brasil deve ser o Brasil sem deixar de ser fraternalmente humano e cordialmente americano.

Em: Pessoas, coisas e animais, de Gilberto Freyre, — ensaios e artigos reunidos e apresentados por Edson Nery da Fonseca,  São Paulo, edição especial MPM Casablanca-Propaganda: 1979.





Não à censura de Monteiro Lobato nas escolas — parte V de textos de Gilberto Freyre

17 10 2011

Reproduzo aqui, a quinta parte de  uma coletânea de seis textos de Gilberto Freyre, escritos entre 1948 e 1951  para a revista O Cruzeiro, em que o sociólogo esclarece alguns pontos sobre a censura.

Nacionalismo e internacionalismo nas histórias em quadrinhos

(parte V)   –    Gilberto Freyre

Ainda as histórias em quadrinhos.  Também na Inglaterra houve quem se levantasse contra elas considerando-as ianquismo ou americanismo da pior espécie.  Engano.  É apenas um modernismo que corresponde à época que atravessamos.  E que tanto pode ser utilizado no bom como no mau sentido.

O Reverendo Morris – segundo a revista brasileira que acaba de divulgar suas opiniões publicadas em “The Manchester Guardian”  — é o que inteligentemente acentua: “Os pais deveriam deixar de insistir numa censura negativa; ao invés disso, deveriam demonstrar um interesse positivo pelo que lêem seus filhos.  Deveriam escolher histórias em quadrinhos, nas quais os temas das narrativas são elevados, além disso, onde nem todos os vilões são estrangeiros…”

Exatamente o critério que defendi há três ou quatro anos na Comissão de Educação e Cultura da Câmara e neste meu recanto de “O Cruzeiro”.  Recebi, então, cartas terríveis.  Uma delas insinuava que eu estaria a serviço de alguma empresa ianque de histórias em quadrinhos.  Serviço encapuçado, mas serviço.

Outra coincidência de opinião do Rev. Morris com as idéias que esbocei em 1949: “A violência e a aventura existem na Bíblia. Em Shakespeare, em Sir Walter Scott e em Stevenson, em não menor grau do que nas histórias em quadrinhos americanas e nas historias Vitorianas de demônios e vampiros”.  O que é fácil, facílimo verificar.

Também a revista brasileira, que divulga as palavras sensatamente britânicas do Rev. Morris, reproduz sobre o assunto a opinião de uma Professora de Psiquiatria de Universidade norte-americana: a Dra. Bender. “Do ponto de vista psicológico” – diz ela – “as histórias em quadrinhos constituem uma grande experiência de atividade.  Seus heróis vencem o espaço e o tempo, o que dá às crianças senso de libertação, ao contrário de angústia e de medo”.  E ainda: “o uso de símbolos utilizados nas histórias em quadrinhos ajuda até mesmo os adultos a ajustar sua personalidade às duras provas do mundo contemporâneo”.

O que é preciso é que não se abandone um modernismo das possibilidades da história em quadrinhos aos maus exploradores desse e de outros modernismos.  E no Brasil, felizmente, começa a haver uma boa, não sei se diga, literatura, desse gênero.

Em: Pessoas, coisas e animais, de Gilberto Freyre, — ensaios e artigos reunidos e apresentados por Edson Nery da Fonseca,  São Paulo, edição especial MPM Casablanca-Propaganda: 1979.





Não à censura de Monteiro Lobato nas escolas — parte IV de textos de Gilberto Freyre

16 10 2011
Lothar e Mandrake.

Reproduzo aqui, a quarta parte [de seis]  uma coletânea de seis textos de Gilberto Freyre, escritos entre 1948 e 1951  para a revista O Cruzeiro, em que o sociólogo esclarece alguns pontos sobre a censura.

Nacionalismo e internacionalismo nas histórias em quadrinhos

(parte IV)   –    Gilberto Freyre

Quando membro da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados – e nas comissões do Parlamento Nacional há quem trabalhe, embora em torno desse trabalho não se faça o menor ruído, mas, ao contrário, se mantenha um frio silêncio britânico, que da parte dos jornais chega a ser sistemático – fui dos que se colocaram contra o projeto de lei, traçado aliás com a melhor das intenções e o melhor dos brasileirismos, com que ilustres representantes da Nação pretenderam dar solução imediata ao problema das más histórias em quadrinhos.  Solução violenta: acabando com o mal pela raiz.  Tornando-o assunto policial.

Meu ponto de vista foi então o de que, nesse particular, o mal, poderia ser superado extra-policialmente pelo bem.  A história em quadrinhos em si não era nem boa nem má: dependia do uso que se fizesse dela.  E ela bem que poderia ser empregada em sentido favorável e não contrário à formação moderna do adolescente, do menino, ou simplesmente do brasileiro ávido de leitura rápida em torno de heróis e aventuras ajustadas à sua idade mental.

Agora, uma revista do Rio, especializada em publicações para rapazes, moças e crianças que, em vez de desdenhar, dá a melhor das suas atenções às histórias em quadrinhos, divulga o seguinte: que jornais britânicos do porte de “The Times” e “The Manchester Guardian” acabam de publicar palavras de ingleses eminentes que, tendo resolvido estudar o assunto, chegaram à mesma conclusão a que chegamos alguns de nós, brasileiros, na Comissão de Educação e Cultura da Câmara, quando enfrentamos o mesmo problema em 1949.  Primeiro, que as histórias em quadrinhos “constituem elementos de ajuda na alfabetização”.  Segundo, “contribuem para o ajuste da personalidade às lutas da agitada época por que passa o mundo”.

Um desses ingleses é o Reverendo Morris.  Para ele – já era o nosso critério, no Brasil, em 1949 – as histórias em quadrinhos “preenchem a necessidade que tem a mente infantil de histórias de ação e de aventuras, concentradas em torno da figura de um herói”.  Além do que constituem o que alguns chamam de “ponte para a leitura”.

Mas não ficam ai os argumentos do educador inglês, divulgados pela revista brasileira.  Vão além.  E como coincidem em vários pontos com as evidências por alguns de nós reunidas em 1949 a favor das então combatidíssimas histórias em quadrinhos, voltarei ao assunto para fixar tais coincidências.

Em: Pessoas, coisas e animais, de Gilberto Freyre, — ensaios e artigos reunidos e apresentados por Edson Nery da Fonseca,  São Paulo, edição especial MPM Casablanca-Propaganda: 1979.





Não à censura de Monteiro Lobato! Leia Gilberto Freyre sobre a censura, parte III

15 10 2011

Reproduzo aqui, a terceira parte  uma coletânea de textos de Gilberto Freyre, escritos entre 1948 e 1951  para a revista O Cruzeiro, em que o sociólogo esclarece alguns pontos sobre a censura.

Nacionalismo e internacionalismo nas histórias em quadrinhos

(parte III)   –    Gilberto Freyre

Dizem-me que um jornal do Rio está fazendo, com quadrinhos, histórias não de bandidos nem de rufiões mas de grandes homens e até de santos.  E alcançando sucesso.

Foi o ponto de vista que defendi em parecer na Câmara dos Deputados em 1948. Se não consegui que, por estímulo do Governo, se fizesse uma história em quadrinhos da Constituição de 1946 – como lembrei na Comissão de Educação e Cultura – ao menos esbocei, entre homens de responsabilidade nacional, uma reabilitação daquele gênero novo de histórias para meninos e mesmo para gente grande.

E estou certo de que essa reabilitação começa já a fazer-se; de que os homens de bom-senso e de alguma imaginação, principiam a ver na história de quadrinhos uma arma  moderna – moderna, mas nada secreta: ao contrário – que tanto pode ser posta ao serviço de Deus quanto do Diabo.  Que tanto pode servir para interessar o menino, o adolescente, o adulto em aventuras de “gangsters” como nas aventuras de Santos Dumont ou nas do General Cândido Rondon.  Ou nas de Santo Inácio de Loiola ou nas de São Jorge.  Santos em lutas contra dragões.  Inventores às voltas com o mais pesado que o ar.  Desbravadores de regiões do Brasil povoadas apenas por selvagens.

Assuntos fascinantes para as histórias de quadrinhos são também vidas como a de José Bonifácio, a de Mauá, a de Osvaldo Cruz, a de Vital Brasil.  Campanhas como a da Abolição.  Documentos aparentemente prosaicos, mas, na verdade, cheios de sugestões poéticas como a Constituição de 1946.

O que é preciso é que não se deixe só ao serviço do vício, da canalhice, do comercialismo o que pode ser posto também ao serviço da virtude, da boa educação do menino e do adolescente, da sã recreação do público.  Mas para isso é preciso, antes de tudo, que certos mediocrões enfáticos se desprendam da idade de que a Igreja, o Governo, a Escola, o Partido Político, o Jornal, para serem respeitáveis, devem ser cinzentamente convencionais.  Inimigos de toda espécie de pitoresco ou de novidade.

O exemplo que devem seguir é o dos Jesuítas do século XVI que, no serviço de Deus, se utilizaram das armas mais escandalosamente novas da publicidade. Novas e pitorescas.

Em: Pessoas, coisas e animais, de Gilberto Freyre, — ensaios e artigos reunidos e apresentados por Edson Nery da Fonseca,  São Paulo, edição especial MPM Casablanca-Propaganda: 1979.





Não à censura de Monteiro Lobato nas escolas! Gilberto Freyre sobre censura (II)

14 10 2011

Ilustração de autoria desconhecida.

Reproduzo aqui, a segunda parte  uma coletânea de textos de Gilberto Freyre, escritos entre 1948 e 1951  para a revista O Cruzeiro, em que o sociólogo esclarece alguns pontos sobre a censura.

Nacionalismo e internacionalismo nas histórias em quadrinhos

(parte II)   –    Gilberto Freyre

Da campanha que se vem fazendo, entre nós, contra as histórias em quadrinhos – e não apenas contra os excessos e abusos que se cometem neste gênero de literatura destinada a meninos e a adolescentes, mas saboreado também por numerosos adultos – é possível que resulte um bem: o despertar nos principais responsáveis pela publicação dessas histórias, deveres que vinham sendo esquecidos por eles.  Deveres de vigilância contra aqueles excessos e contra aqueles abusos.

Mas todos que não compreendem que se mate um homem com um remédio heróico – contanto que se feche de repente a ferida que vinha avermelhando o rosto ou apostemando o pé do pobre homem –  desejam que esse resultado seja atingido sem alterar-se a Constituição para aí introduzir-se este perigo mortal para uma democracia: a censura prévia à literatura. Porque quem diz censura a qualquer gênero de literatura, diz literatura dirigida, diz fascismo, diz totalitarismo numa de suas piores expressões.  E não é justo que se chegue a tanto só para se acabar com os excessos ou os abusos das histórias de quadrinhos

A verdade é que, em si mesmas, as histórias em quadrinhos são uma forma nova de expressão contra a qual seria tão quixotesco no levantarmos, como contra o rádio, o cinema falado ou a televisão.  Como o rádio, o cinema falado e a televisão, as histórias em quadrinhos concorrem para o desprestígio da leitura dos longos textos para favorecer as suas dramatizações sintéticas, breves, incisivas.  Mas o que se deve ver aí é uma tendência da época: uma época caracterizada pela ascensão social de massas sôfregas, antes de síntese e de resumos dramáticos de fatos da atualidade e do passado, que de demorados contatos com o livro, com a revista, com o jornal, com o teatro, com o cinema ou com o próprio rádio.

A essa tendência da época a história em quadrinhos corresponde admiravelmente.  É um meio atualíssimo de expressão cuja substância deve ser, quanto possível, purificada de excessos, vulgaridade ou abusos – até aí têm razão os jornalistas, educadores e parlamentares empenhados em combater as histórias de quadrinhos – mas cuja forma ou cuja técnica, em vez de repelida, deve ser utilizada em escala cada dia maior pelo escritor, pelo artista, pelo educador desejoso de influência sobre a massa.

O missionário jesuíta deixou-nos, dos seus grandes dias de esforço heróico de cristianização de gentes pagãs ou bárbaras, esta lição digna de ser seguida pelos que hoje se dedicam , em países como o Brasil, à obras de recreação e, ao mesmo tempo, de educação do grande público: a lição de que os meios de contato do educador ou do artista com as massas devem basear-se nos hábitos, na capacidade e no grau de desenvolvimento intelectual da gente a que se dirige.  Por isso o Jesuíta inteligentemente recorreu, no Brasil do século XVI, aos cantos, à música e às danças indígenas.  Recorreu às trombetas, aos ruídos, às cores vivas, aos estandartes vistosos.

O que os admiráveis padres queriam era ganhar a atenção, o interesse e a curiosidade da massa indígena.  Sabiam que não alcançariam nunca este fim com a simples leitura, em voz alta, das Escrituras, com sermões, com discursos ou mesmo com a representação de comédias ou autos.  De modo que se serviram de técnicas de persuasão, educação e recreação da massa à altura do desenvolvimento intelectual dos caboclos.  Anteciparam-se nesse ponto aos industriais norte-americanos, mestres da propaganda comercial, e aos fascistas e nazistas europeus, exímios na arte de persuasão política de massas.

Fossem hoje os Jesuítas a mesma força espantosamente ativa que foram no século XVI e eles é que estariam se utilizando, em países como o Brasil, da técnica da história de quadrinhos para a educação e recreação da massa brasileira de meninos e adolescentes, dentro dos ideais cristãos de vida e de cultura.  É o que devem fazer hoje os bons educadores, artistas, intelectuais e jornalistas: dominar a nova técnica de educação e recreação do menino e do adolescente que é a história em quadrinhos.

Em vez de se deixarem envolver pelo horror furioso à história de quadrinho, devem servir-se dessa técnica, melhorando-lhe a substância e purificando-lhe o conteúdo de excessos de sensacionalismo, de vulgaridade e de mau gosto.  Nada de polícia nem de censura prévia à literatura para a solução de um problema que não se resolve nem com a polícia nem com a censura.  Resolve-se é com esforço, com inteligência e com bom-senso e havendo cooperação dos diretores de jornais e revistas do país, com os mestres, com a Igreja, com os diretores do escotismo.

Em: Pessoas, coisas e animais, de Gilberto Freyre, — ensaios e artigos reunidos e apresentados por Edson Nery da Fonseca,  São Paulo, edição especial MPM Casablanca-Propaganda: 1979.





Não à censura de Monteiro Lobato! Vejam como pensa Gilberto Freyre

13 10 2011

John Gannam, (EUA 1907-1965), Lendo os quadrinhos, aquarela e guache, anúncio para uma companhia de lençóis.

Voltei a ler ontem, no Dia da criança, a respeito da pressão de alguns grupos sobre o Ministério da Educação para que livros de  Monteiro Lobato sejam banidos  das nossas salas de aula, em particular, Caçadas de Pedrinho.  É triste ver que ainda há aqueles que acreditam em censura, que esse monstro, muito mais feio do que qualquer coisa que se possa ler em Monteiro Lobato,  continue  a ser uma opção para pensadores de pequeno alcance.  Logo aqui, num país que já sofreu tanto com esse mal.  É mais triste ainda que queiramos apagar das nossas memórias o pequeno mas forte lastro cultural deixado por nossos antepassados.  É ainda mais patético que consideremos os nossos  professores tão  fracos e  incapazes que não acreditamos nas suas habilidades de explicar nas salas de aula as diferenças de atitudes que hoje existem em comparação com  aquelas que já tivemos um dia.  Porque é nisso que implica essa censura.  Com esse foco passo a reproduzir aqui, uma coletânea de textos de Gilberto Freyre, escritos entre 1948 e 1951  para a revista O Cruzeiro, em que o sociólogo esclarece alguns pontos sobre a censura.

Nacionalismo e internacionalismo nas histórias em quadrinhos

 (parte I)   —    Gilberto Freyre

Há quem deseje emendar a Constituição para aí estabelecer a censura prévia à literatura destinada às crianças e adolescentes.  Alegam que é uma literatura toda especial.  Sustentam que essa censura não põe em perigo a “verdadeira literatura”.

Engano.  Quem diz literatura para crianças e adolescentes, não deixa de dizer literatura.  Repito aqui o que já disse na Câmara quando ali apareceu a estranha idéia: as fronteiras entre gêneros literários  são vagas.  Vagas seja qual for o critério que se estabeleça para fixá-las. Inclusive o critério de públicos e público a que se destine cada gênero  — menino ou gente grande, mulher ou homem, moço ou velho.

Rigorosamente, a literatura é uma só.  Sua divisão em subgrupos é arbitrária ou convencional.  Sujeito à censura um gênero, a ameaça recai sobre o todo.  Quando se atinge a literatura para crianças e adolescentes é a literatura inteira que se ameaça. Mesmo porque são numerosos os livros para crianças e adolescentes que são também livros para gente grande.

Há anos, quando entre nós exagerou-se tanto o perigo chamado vermelho, isto é, comunista, que à sombra desse exagero cresceu o extremo oposto, houve quem começasse enxergar “comunismo” em obras-primas da literatura brasileira e da universal.  Inclusive em livros que são lidos com igual encanto por crianças, adolescentes e pessoas grandes.  Por pessoas que lêem soletrando e por doutores que sabem latim.  Pois livros como “Viagens de Gulliver”, o “Don Quixote”, o “Robinson Crusoé”, os romances e aventuras de Robert Louis Stevenson, os de Cooper sobre índios, os de Walter Scott sobre castelos antigos, as próprias “Fábulas” de La Fontaine, ninguém sabe se são para crianças ou para gente grande.

E lembro-me, a este propósito, de fato que fez, há anos, muito estrangeiro rir-se a custa do Brasil: o de ter certa autoridade estadofortista das que se julgaram com o direito de intervir na vida intelectual do país, condenado como perigosas à mocidade brasileira páginas imortais de Mark Twain.  Note-se que essa autoridade era pessoa dota, professor do Pedro II até.

Pato Donald não gosta do que os sobrinhos estão lendo,  ilustração Walt Disney.

Repito aqui o que já disse na Câmara, tentando alertar os deputados contra um perigo que se aproxima de nós com pés de lã, disfarçando em “proteção à moral” ou “resguardo do bom gosto”: consagrada pela constituição a censura prévia à literatura chamada infanto-juvenil são os Mark Twain, os Robert Louis Stevenson,, os Cervantes, os De Foe, os Swift, os La Fontaine, os Andersen, os Walter Scott, os Cooper, os Monteiro Lobato, as Lúcia Miguel Pereira, os José Lins do Rego, os Luiz Jardim, que podem vir a ser condenados amanhã como “comunistas”, “corruptores da juventude”, “daninhos” ou “perniciosos” à formação da mocidade.  O conceito de que é “pernicioso” em literatura ou em arte é vário e elástico.  O conceito do que é decente ou decoroso, também. Na época Vitoriana, entre os ingleses mais rígidos no seu moralismo, não se dizia perna de mesa ou perna de cadeira na presença de senhoras para não sugerir a imagem de perna de mulher.  Também varia o conceito da literatura que convém, segundo os preconceitos do país, convém ao desenvolvimento da personalidade dos filhos.  No meu tempo de menino, muito pai brasileiro condenava com aspereza os romances de detetive do tipo das “Aventuras de Sherlock Holmes” considerando-os não apenas inconvenientes à formação moral dos filhos como “vulgares”, “perniciosos”, “daninhos”.  Quando algum meninote era apanhado por um pai mais rigoroso com um fascículo de Conan Doyle nas mãos, era como se estivesse praticando feio pecado.  Era como se estivesse lendo as histórias mães ou avós dos quadrinhos.  Entretanto, Sherlock Holmes é considerado uma das criações mais interessantes da literatura inglesa dos fins do século XIX e dos começos do atual; e do ponto de vista ético e educativo, tido por leitura saudável e boa.

Dos grandes poetas brasileiros de hoje há um que às vezes escreve poemas para crianças.  É Manuel Bandeira.  Mas o poeta Manuel Bandeira num dos seus poemas refere-se a certo cachorrinho que fazia pipi no jardim.  Temo que por essas e outras liberdades de palavra sua poesia pudesse vir a ser condenada como “indecente”, “vulgar”, “perniciosa” para a mocidade se, amanhã estabelecida na Constituição a censura prévia a literatura infanto-juvenil, essa fosse exercida pedagogos ou policiais estreitos ou arcaicos em suas idéias de moralidade ou vulgaridade.

A verdade é esta: todos podemos estar de acordo quanto ao que seja baixa vulgaridade ou pura obscenidade na literatura ou na arte.  Mas há um ponto em que a vulgaridade é aparente: o que há é realismo.  Há zonas de confusão fácil entre os dois.  E na discriminação o censor simplista poderá imaginar-se na defesa ou no resguardo do que o bom gosto tem de essencial, quando está apenas defendendo convenções já arcaicos e até estreitos preconceitos de grupo político, literário ou economicamente dominante.

De modo que, estabelecida num país como princípio constitucional, a censura prévia à palavra, em qualquer de suas expressões literárias, a censura prévia ou pensamento, em qualquer de suas formas de criação ou de crítica, a ameaça se estende sobre o sistema inteiro de liberdade de consciência, de pensamento, de idéia, de criação artística, sobre o qual repouse a organização democrática do mesmo país.

E desgraçada da sociedade com aspirações a democrática que, para viver decentemente, para conservar-se moralizada, para desenvolver sua cultura, para manter sua religião, não disponha de outros meios de conservação e desenvolvimento desses valores morais, intelectuais, estéticos, religiosos, senão o braço forte do gendarme e o lápis vermelho do censor. Recursos para os dias excepcionais ou da calamidade: nunca para os normais e comuns.  Nos dias normais quem deve guardar a mocidade, educá-la, aperfeiçoá-la, é menos o Estado, através dos seus policiais e dos seus censores, que a comunidade inteira por meio de suas instituições de cultura articuladas umas com as outras para fins socialmente construtivos.  

Em: Pessoas, coisas e animais, de Gilberto Freyre, — ensaios e artigos reunidos e apresentados por Edson Nery da Fonseca,  São Paulo, edição especial MPM Casablanca-Propaganda: 1979.





A coruja e a águia — fábula, texto de Monteiro Lobato

12 04 2011
A águia e a coruja, ilustração de J. J. Grandville.

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A coruja e a águia

                                                      Monteiro Lobato

Coruja e águia , depois de muita briga resolveram fazer as pazes.

— Basta de guerra — disse a coruja.  —  O mundo é  grande, e tolice maior que o mundo é andarmos a comer os filhotes uma da outra.

— Perfeitamente — respondeu a águia. — Também eu não quero outra coisa.

— Nesse caso combinemos isso:  de ora em diante não comerás nunca os meus filhotes.

— Muito bem.  Mas como posso distinguir os teus filhotes? 

— Coisa fácil.  Sempre que encontrares uns borrachos lindos, bem feitinhos de corpo, alegres, cheios de uma graça especial, que não existe em filhote de nenhuma outra ave, já sabes, são os meus.

— Está feito! — concluiu a águia.

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Ilustração francesa.

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Dias depois, andando à caça, a águia encontrou um ninho com três monstrengos dentro, que piavam de bico muito aberto.

— Horríveis bichos! — disse ela.  — Vê-se logo que não são os filhos da coruja.

E comeu-os.

Mas eram os filhos da coruja.  Ao regressar à toca a triste mãe chorou amargamente o desastre e foi justar contas com a rainha das aves.

— Quê?  — disse esta admirda.  — Eram teus filhos aqueles monstrenguinhos?  Pois, olha não se pareciam nada com o retrato que deles me fizeste…

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Para retrato de filho ninguém acredite em pintor pai.  Lá diz o ditado: quem o feio ama, bonito lhe parece.

Em:  Fábulas, Monteiro Lobato, São Paulo, Brasiliense, s/d, 20ª edição.

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Esta fábula de Monteiro Lobato é uma das dezenas de varições feitas através dos séculos da fábulas de Esopo, escritor grego, que viveu no século VI AC.  Suas fábulas foram reunidas e atribuídas a ele, por Demétrius em 325 AC.  Desde então tornaram-se clássicos da cultura ocidental e muitos escritores como Monteiro Lobato, re-escreveram e ficaram famosos por recriarem estas histórias, o que mostra a universalidade dos textos, das emoções descritas e da moral neles exemplificada.  Entre os mais famosos escritores que recriaram as Fábulas de Esopo estão Fedro e La Fontaine.

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José Bento Monteiro Lobato, (Taubaté, SP, 1882 – 1948).  Escritor, contista, dedicou-se à literatura infantil. Foi um dos fundadores da Companhia Editora Nacional. Chamava-se José Renato Monteiro Lobato e alterou o nome posteriormente para José Bento.

Obras:

A Barca de Gleyre, 1944  

A Caçada da Onça, 1924  

A ceia dos acusados, 1936  

A Chave do Tamanho, 1942  

A Correspondência entre Monteiro Lobato e Lima Barreto, 1955  

A Epopéia Americana, 1940  

A Menina do Narizinho Arrebitado, 1924  

Alice no País do Espelho, 1933  

América, 1932  

Aritmética da Emília, 1935  

As caçadas de Pedrinho, 1933  

Aventuras de Hans Staden, 1927  

Caçada da Onça, 1925  

Cidades Mortas, 1919  

Contos Leves, 1935  

Contos Pesados, 1940  

Conversa entre Amigos, 1986  

D. Quixote das crianças, 1936  

Emília no País da Gramática, 1934  

Escândalo do Petróleo, 1936  

Fábulas, 1922  

Fábulas de Narizinho, 1923  

Ferro, 1931  

Filosofia da vida, 1937  

Formação da mentalidade, 1940  

Geografia de Dona Benta, 1935  

História da civilização, 1946  

História da filosofia, 1935  

História da literatura mundial, 1941  

História das Invenções, 1935  

História do Mundo para crianças, 1933  

Histórias de Tia Nastácia, 1937  

How Henry Ford is Regarded in Brazil, 1926  

Idéias de Jeca Tatu, 1919  

Jeca-Tatuzinho, 1925  

Lucia, ou a Menina de Narizinho Arrebitado, 1921  

Memórias de Emília, 1936  

Mister Slang e o Brasil, 1927  

Mundo da Lua, 1923  

Na Antevéspera, 1933  

Narizinho Arrebitado, 1923  

Negrinha, 1920  

Novas Reinações de Narizinho, 1933  

O Choque das Raças ou O Presidente Negro, 1926  

O Garimpeiro do Rio das Garças, 1930  

O livro da jangal, 1941  

O Macaco que Se Fez Homem, 1923  

O Marquês de Rabicó, 1922  

O Minotauro, 1939  

O pequeno César, 1935  

O Picapau Amarelo, 1939  

O pó de pirlimpimpim, 1931  

O Poço do Visconde, 1937  

O presidente negro, 1926  

O Saci, 1918  

Onda Verde, 1923  

Os Doze Trabalhos de Hércules,  1944  

Os grandes pensadores, 1939  

Os Negros, 1924  

Prefácios e Entrevistas, 1946  

Problema Vital, 1918  

Reforma da Natureza, 1941  

Reinações de Narizinho, 1931  

Serões de Dona Benta,  1937  

Urupês, 1918  

Viagem ao Céu, 1932

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 Jean Ignace Isidore Gérard (França, 1803 — 1847), conhecido pelo pseudonimo J. J. Grandville, foi um grande ilustrador e caricaturista francês.





O cavalo e o burro, fábula, texto de Monteiro Lobato

25 06 2009

horsedonkeybarlow_400O Cavalo e o burro, ilustração de Frances Barlow, metade do século XVII.

 

O cavalo e o burro

                                                                                              Monteiro Lobato

O cavalo e o burro seguiam juntos para a cidade.  O cavalo contente da vida, folgando com uma carga de quatro arrobas apenas, e o burro — coitado!  gemendo sob o peso de oito.  Em certo ponto, o burro parou e disse:

— Não posso mais!  Esta carga excede às minhas forças e o remédio é repartirmos o peso irmãmente, seis arrobas para cada um.

O cavalo deu um pinote e relichou uma gargalhada.

— Ingênuo!  Quer então que eu arque com seis arrobas quando posso tão bem continuar com as quatro?  Tenho cara de tolo?

O burro gemeu:

— Egoísta,  Lembre-se que se eu morrer você terá que seguir com a carga de quatro arrobas e mais a minha.

O cavalo pilheriou de novo e a coisa ficou por isso.  Logo adiante, porém, o burro tropica, vem ao chão e rebenta.

Chegam os tropeiros, maldizem a sorte e sem demora arrumam com as oito arrobas do burro sobre as quatro do cavalo egoísta.  E como o cavalo refuga, dão-lhe de chicote em cima, sem dó nem piedade.

— Bem feito!  exclamou o papagaio.  Quem mandou ser mais burro que o pobre burro e não compreender que o verdadeiro egoísmo era aliviá-lo da carga em excesso?  Tome!  Gema dobrado agora…

***

Em:  Criança Brasileira, Theobaldo Miranda Santos, Quarto Livro de Leitura: de acordo com os novos programas do ensino primário.  Rio de Janeiro, Agir: 1949.

VOCABULÁRIO:

Folgando: descansando, alegrando-se; excede: ultrapassa; arque: aguente; tropica: tropeça; maldizem: lamentam; refuga: rejeita.

José Bento Monteiro Lobato, (Taubaté, SP, 1882 – 1948).  Escritor, contista; dedicou-se à literatura infantil. Foi um dos fundadores da Companhia Editora Nacional. Chamava-se José Renato Monteiro Lobato e alterou o nome posteriormente para José Bento.

Obras:

A Barca de Gleyre, 1944

A Caçada da Onça, 1924

A ceia dos acusados, 1936

A Chave do Tamanho, 1942

A Correspondência entre Monteiro Lobato e Lima Barreto, 1955

A Epopéia Americana, 1940

A Menina do Narizinho Arrebitado, 1924

Alice no País do Espelho, 1933

América, 1932

Aritmética da Emília, 1935

As caçadas de Pedrinho, 1933

Aventuras de Hans Staden, 1927

Caçada da Onça, 1925

Cidades Mortas, 1919

Contos Leves, 1935

Contos Pesados, 1940

Conversa entre Amigos, 1986

D. Quixote das crianças, 1936

Emília no País da Gramática, 1934

Escândalo do Petróleo, 1936

Fábulas, 1922

Fábulas de Narizinho, 1923

Ferro, 1931

Filosofia da vida, 1937

Formação da mentalidade, 1940

Geografia de Dona Benta, 1935

História da civilização, 1946

História da filosofia, 1935

História da literatura mundial, 1941

História das Invenções, 1935

História do Mundo para crianças, 1933

Histórias de Tia Nastácia, 1937

How Henry Ford is Regarded in Brazil, 1926

Idéias de Jeca Tatu, 1919

Jeca-Tatuzinho, 1925

Lucia, ou a Menina de Narizinho Arrebitado, 1921

Memórias de Emília, 1936

Mister Slang e o Brasil, 1927

Mundo da Lua, 1923

Na Antevéspera, 1933

Narizinho Arrebitado, 1923

Negrinha, 1920

Novas Reinações de Narizinho, 1933

O Choque das Raças ou O Presidente Negro, 1926

O Garimpeiro do Rio das Garças, 1930

O livro da jangal, 1941

O Macaco que Se Fez Homem, 1923

O Marquês de Rabicó, 1922

O Minotauro, 1939

O pequeno César, 1935

O Picapau Amarelo, 1939

O pó de pirlimpimpim, 1931

O Poço do Visconde, 1937

O presidente negro, 1926

O Saci, 1918

Onda Verde, 1923

Os Doze Trabalhos de Hércules,  1944

Os grandes pensadores, 1939

Os Negros, 1924

Prefácios e Entrevistas, 1946

Problema Vital, 1918

Reforma da Natureza, 1941

Reinações de Narizinho, 1931

Serões de Dona Benta,  1937

Urupês, 1918

Viagem ao Céu, 1932

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Francis Barlow ( Inglaterra, 1626? – 1704) Pintor, gravador e ilustrador.  Seu primeiro trabalho foi como ilustrador do livro Theophila, de Edward Benlowe, publicado em 1652.  Em 1666 ilustrou e publicou uma edição das Fábulas de Esopo, que mais tarde, em 1687 foi republicada e depois mais uma vez em 1668.  A versão de 1687 aparece com várias outras fábulas e ilustrações adicionais.    Barlow trabalhou em Londres a partir de 1653 como pintor de animais , pássaros e da vida campestre.   Tudo indica que morreu na pobreza.  Foi sepultado em   11 de agosto de 1704, mas não se sabe ao certo a data de seu falecimento.

Esta fábula de Monteiro Lobato é uma das centenas de variações feitas através dos séculos da fábulas de Esopo, escritor grego, que viveu no século VI AC.  Suas fábulas foram reunidas e atribuídas a ele, por Demétrius em 325 AC.  Desde então tornaram-se clássicos da cultura ocidental e muitos escritores como Monteiro Lobato, re-escreveram e ficaram famosos por recriarem estas histórias, o que mostra a universalidade dos textos, das emoções descritas e da moral neles exemplificada.  Entre os mais famosos escritores que recriaram as Fábulas de Esopo estão Fedro e La Fontaine.  Nota, interessante sobre este texto especificamente:  na fábula grega o incidente ocorre entre uma mula e um burro.





O orgulhoso, fábula de Monteiro Lobato

10 06 2009

o_jequitiba, oleo sobre telam 80 x 120 cm

O  jequitibá, s/d

Zenaide Smith ( Brasil, contemporânea)

Óleo sobre tela — 80 x 120 cm

 

O orgulhoso

                                                                                               Monteiro Lobato

           Era um jequitibá enorme, o mais importante da floresta.  Mas orgulhoso e gabola.  Fazia pouco das árvores menores e ria-se com desprezo das plantinhas humildes.  Vendo a seus pés uma tabua disse:

          — Que triste vida levas, tão pequenina, sempre à beira d’água, vivendo entre saracuras e rãs…  Qualquer ventinho te dobra.  Um tisio que pouse em tua haste já te verga que nem bodoque.  Que diferença entre nós!A minha copada chega às nuvens e as minhas folhas tapam o sol.  Quando ronca a tempestade, rio-me dos ventos e divirto-me cá do alto a ver os teus apuros.

          — Muito obrigada! Respondeu a tabua ironicamente.  Mas fique sabendo que não me queixo e cá à beira d’água vou vivendo como posso.  Se o vento me dobra, em compensação não me quebra e, cessado o temporal, ergo-me direitinha como antes.  Você, entretanto…

          — Eu, que?

          — Você jequitibá tem resistido aos vendavais de até aqui; mas resistirá sempre?  Não revirará um dia de pernas para o ar?

          — Rio-me dos ventos como rio-me de ti, murmurou com ar de desprezo a orgulhosa árvore.

          Meses depois, na estação das chuvas, sobreveio certa noite uma tremenda tempestade.  Raios coriscavam um atrás do outro e o ribombo dos trovões estremecia a terra.  O vento infernal foi destruindo tudo quanto se opunha à sua passagem.

          A tabua, apavorada, fechou os olhos e curvou-se rente ao chão.  E ficou assim encolhidinha até que o furor dos elementos se acalmasse e uma fresca manhã de céu limpo sucedesse aquela noite de horrores.  Ergueu, então, a haste flexível e pode ver os estragos da tormenta.  Inúmeras árvores por terra, despedaçadas, e entre as vítimas o jequitibá orgulhoso, com a raizana colossal à mostra…

 ***

Em:  Criança Brasileira, Theobaldo Miranda Santos, Quarto Livro de Leitura: de acordo com os novos programas do ensino primário.  Rio de Janeiro, Agir: 1949. 

 

VOCABULÁRIO

Imponente: altivo, orgulhoso; gabola: pretensioso, vaidoso; tabua: planta de haste fina e flexível; copada: ramagem; apuros: dificuldades; coriscavam: faiscavam; ribombo: barulho, estrondo; rente: junto; tormenta: tempestade; raizana: conjunto das raízes de uma planta.

 

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José Bento Monteiro Lobato, ( Taubaté, SP, 1882 – 1948).  Escritor, contista; dedicou-se à literatura infantil. Foi um dos fundadores da Companhia Editora Nacional. Chamava-se José Renato Monteiro Lobato e alterou o nome posteriormente para José Bento.

Obras:

A Barca de Gleyre, 1944  

A Caçada da Onça, 1924  

A ceia dos acusados, 1936  

A Chave do Tamanho, 1942  

A Correspondência entre Monteiro Lobato e Lima Barreto, 1955  

A Epopéia Americana, 1940  

A Menina do Narizinho Arrebitado, 1924  

Alice no País do Espelho, 1933  

América, 1932  

Aritmética da Emília, 1935  

As caçadas de Pedrinho, 1933  

Aventuras de Hans Staden, 1927  

Caçada da Onça, 1925  

Cidades Mortas, 1919  

Contos Leves, 1935  

Contos Pesados, 1940  

Conversa entre Amigos, 1986  

D. Quixote das crianças, 1936  

Emília no País da Gramática, 1934  

Escândalo do Petróleo, 1936  

Fábulas, 1922  

Fábulas de Narizinho, 1923  

Ferro, 1931  

Filosofia da vida, 1937  

Formação da mentalidade, 1940  

Geografia de Dona Benta, 1935  

História da civilização, 1946  

História da filosofia, 1935  

História da literatura mundial, 1941  

História das Invenções, 1935  

História do Mundo para crianças, 1933  

Histórias de Tia Nastácia, 1937  

How Henry Ford is Regarded in Brazil, 1926  

Idéias de Jeca Tatu, 1919  

Jeca-Tatuzinho, 1925  

Lucia, ou a Menina de Narizinho Arrebitado, 1921  

Memórias de Emília, 1936  

Mister Slang e o Brasil, 1927  

Mundo da Lua, 1923  

Na Antevéspera, 1933  

Narizinho Arrebitado, 1923  

Negrinha, 1920  

Novas Reinações de Narizinho, 1933  

O Choque das Raças ou O Presidente Negro, 1926  

O Garimpeiro do Rio das Garças, 1930  

O livro da jangal, 1941  

O Macaco que Se Fez Homem, 1923  

O Marquês de Rabicó, 1922  

O Minotauro, 1939  

O pequeno César, 1935  

O Picapau Amarelo, 1939  

O pó de pirlimpimpim, 1931  

O Poço do Visconde, 1937  

O presidente negro, 1926  

O Saci, 1918  

Onda Verde, 1923  

Os Doze Trabalhos de Hércules,  1944  

Os grandes pensadores, 1939  

Os Negros, 1924  

Prefácios e Entrevistas, 1946  

Problema Vital, 1918  

Reforma da Natureza, 1941  

Reinações de Narizinho, 1931  

Serões de Dona Benta,  1937  

Urupês, 1918  

Viagem ao Céu, 1932





Autores favoritos das crianças

11 03 2009

leitura-criancas-lendo-ilustracao

 

 

 

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Apesar de eu não estar ligada diretamente à educação, por causa das minhas escolhas de postagem, dando ênfase a livros e poesia para os jovens, freqüentemente amigos e conhecidos me perguntam o que comprar para um presente para um jovem leitor.  E eu me acho na posição extremamente delicada de sem conhecer a personalidade do pequeno leitor ir dando palpites na esperança de não errar muito feio.  Por coincidência, hoje voltei a um portal sobre livros que não visitava há muito tempo: Oyo e encontrei por lá uma lista dos autores preferidos entre leitores infanto-juvenis com os respectivos livros favoritos.  A amostra é muito pequena, mas já dá para se ter uma idéia do que anda lendo este leitor infanto-juvenil.  Repasso aqui a lista dos 10 primeiros colocados e a sugestão dos dois livros mais favorecidos pelas crianças, um o recomendado pelo portal, o outro entre os mais vendidos do autor.  Isto é válido para a maioria na lista a não ser os seguintes casos: há dois autores cujos livros não foram especificados.  Os Irmãos Grimm e Rubem Alves, respectivamente os 4° e 8° colocados.  Neste caso, fui ver a obra destes autores que se encontra entre as mais vendidas e coloquei aqui como sugestão.  E há Antoine Saint-Exupéry que fica simplesmente com o Pequeno Príncipe.

 

 

Autores favoritos para leitura infanto-juvenil:

 

 

 

    Monteiro Lobato  Memórias da Emília e

                                            O saci

 

 

    J. K. Rowling  Harry Potter e as relíquias da morte

                                      Harry Potter e  o prisioneiro de Azkaban

 

 

    Antoine de Saint-Exupéry – O pequeno príncipe

 

 

    Irmãos Grimm – A guardadora de gansos e

                                      Os seis criados do príncipe

 

 

    Ana Maria Machado – Cinco estrelas [antologia poética]

                                                  O menino que espiava para dentro

 

 

    Ruth Rocha – Marcelo Marmelo Martelo e outras histórias

                                Quem tem medo de dizer não?

 

 

    Pedro Bandeira —  A marca de uma lágrima

                                        A onça e o saci

 

 

    Rubem Alves – O país dos dedos gordos

                                   Lagartixas e dinossauros

 

 

    Walcyr Carrasco – A corrente da vida

                                         As asas do Joel

 

 

10º    Thalita Rebouças  Fala sério, mãe!

                                              Fala sério, amiga!