No teatro, 1928
Prudence Heward (Canadá, 1896 – 1947)
óleo sobre tela, 101 x 101 cm
Uma curiosidade literária: famosa personagem teatral que nunca foi vista no palco, torna-se tão popular que passa para a história da língua inglesa, como personagem que lembra decência, propriedade, disciplina, mais tarde considerada como autoridade de censura e tirania social.
Mrs. Grundy foi apresentada ao público inglês pela primeira vez por Thomas Morton, (1764-1838) famoso dramaturgo britânico, na peça Speed-the-plough, (1798) cuja melhor tradução para o título seria Seguindo em frente. Procurei por uma tradução desta comédia em 5 atos no Brasil, não encontrei de pronto. Para essa postagem não valeria a pena procurar muito além da internet. Nesta comédia, Mrs. Grundy é um personagem a quem outros personagens se referem, mas que nunca aparece, desde a primeira cena, quando Dame Ashfield, coberta de inveja, chega em casa e comenta com o marido que, a vizinha, Mrs. Grundy conseguiu melhor preço do que eles na manteiga e no trigo. Daí por diante, passa a ter uma obsessão com a vizinha achando que até o sol sempre parece brilhar mais na terra alheia do que na dela.
“Why don’t thee letten Mrs. Grundy alone? I do verily think when thee goest to t’other world, the vurst question thee’ll ax ‘ill be, if Mrs. Grundy’s there?” [Por que não deixas Mrs. Grundy de lado? Na verdade, acho que quando chegares no outro mundo, a primeira pergunta que farás, se Mrs. Grundy está lá?]
Uma performance em Sadler’s Wells, c. 1808
Durante o século XIX Mrs. Grundy cresceu em sua importância, adquiriu algumas outras características de disciplina, defensora da moral aparecendo como autoridade dos costumes sociais e censura. Quase quarenta e cinco anos depois de sua estreia na peça de Morton, Mrs. Grundy volta ao mundo das letras, no romance Phineas Quiddy (1842) de outro dramaturgo inglês, John Poole (1786–1872). E em 1869, John Stuart Mill, filósofo inglês, publica o livro Sujeição das mulheres, em que defende igualdade para as mulheres, e menciona “quem tem mulher e filhas, tem reféns de Mrs. Grundy. Daí por diante, ela é mencionada como árbitra dos costumes sociais em grande número de obras:
A feira das vaidades (1848), William Makepeace Thackeray
Tempos difíceis (1854), Charles Dickens
Mulherezinhas (1868), Louisa May Alcott
Erewhon (1871), Samuel Butler
A arte de ganhar dinheiro (1880), P.T. Barnun
Lobo do mar (1904), Jack London
Music at Night, (1931), Aldous Huxley
That Hideous Strength, (1945) C.S. Lewis
Entre muitos outros Aimée Crocker, Oscar Wilde, William Gilbert, G. K. Chesterton, James Joyce, Robert A. Heinlein, Philip José Farmer, Mohandas Gandhi, Thomas Hard também se referem a Mrs Grundy.
Ficou famosa e nunca esteve no palco. Famosa sem mostrar a cara. Definitivamente outros tempos, sem redes sociais.
Citação do diálogo da peça,
Em: The Reader’s Handbook of Allusions, References, Plots and Stories, E. Cobham Brewer, London, s/d (possivelmente 1919)