Catalina à tarde, 1998
Dario Ortiz (Colômbia, 1968)
óleo sobre tela
Catalina à tarde, 1998
Dario Ortiz (Colômbia, 1968)
óleo sobre tela
Fernando Botero (Colômbia, 1932)
óleo sobre tela
“Certos artistas, escritores ou pintores, florescem em espaços confinados como os bebês em gestação. Seus temas estreitos podem desconcertar ou desapontar algumas pessoas. Rituais de fazer a corte entre os membros da pequena nobreza do século XVIII, a vida sob os velames de um barco,coelhos falantes, lebres esculpidas, retratos de gente obesa, de cachorros, de cavalos, de aristocratas, nus reclinados, milhões de cenas da natividade, crucificações, subidas ao céu, tigelas com frutas, flores em vasos. E pão e queijo holandeses com ou sem uma faca ao lado. Alguns escritores de prosa cuidam apenas de seus egos. Também no campo científico há quem dedique a vida a uma caramujo albanês ou a um vírus. Darwin consagrou oito anos às cracas. E, mais velho e mais sábio, às minhocas. Milhares de pesquisadores passaram a vida correndo atrás do bóson de Higgs, uma coisinha de nada. Estar circunscrito a uma casca de noz, ver o mundo em cinco centímetros de marfim, num grão de areia. Por que não, quando toda a literatura, toda arte e a iniciativa humana não passam de uma partícula no universo das coisas possíveis? E mesmo nesse universo pode ser uma partícula numa infinidade de universos reais e possíveis?”
Em: Enclausurado, Ian McEwan, São Paulo, Cia das Letras: 2016, tradução de Jorio Dauster, páginas 69-70;
David Padworny (EUA, contemporâneo)
É bem apropriado que agora na segunda década do século XXI quando a Colômbia já está equilibrada na guerra ao narcotráfico, que obras literárias, filmes e séries televisivas surjam dando a seus leitores uma melhor ideia do mundo de Pablo Escobar e seus companheiros. A grande surpresa é que O ruído das coisas ao cair, conta a história situada nos anos 70 do século passado, mas sem muita violência. O enredo é simples, Antonio Yammara, professor universitário faz conhecimento no salão de bilhar com Ricardo Laverde que acabou de sair da prisão. Têm uma ou outra conversa, mas não chegam a ser próximos. Um dia, quando a amizade começava a se desenvolver, quando os dois andam na rua, Ricardo é assassinado, sem razão aparente. Antonio, ao seu lado, também é vítima de um tiro, é hospitalizado e leva muito tempo para se recuperar física e emocionalmente. Nesse processo, de alguns anos, resolve descobrir as razões para Ricardo Laverde ter sido alvo dos assassinos.
O processo da descoberta é lento e tortuoso. E o leitor acompanha passo a passo e só consegue segui-lo graças à voz narrativa de Juan Gabriel Vásquez que se destaca como um bom contador de histórias, à maneira dos clássicos do século XIX, que pausada e detalhadamente volta duas gerações na narrativa.
Na tradição das narrativas de causos voltamos aos avós de Ricardo Laverde, seus pais, sua esposa e filha, que, inacreditavelmente também se encontra numa procura semelhante à de Antonio, pois precisa descobrir detalhes da vida de seu pai. Há grande mérito na habilidade de escrita de Vásquez, pois sem ela, a história poderia se perder na sequência de evento após evento. A fascinação de Antonio Yammara pelo parceiro de bilhar não me pareceu forte o suficiente para justificar praticamente o livro inteiro de procura sobre mais detalhes; mesmo tendo ele sofrido um tiro que lhe abalou a saúde. Faltava um comprometimento emocional maior do professor universitário em relação ao companheiro de jogo, para justificar a caça aos fatos, ainda que Antonio Yammara pareça mesmo uma pessoa distante, sem grande habilidade de conexão emocional, como mostra sua relação com Aura e Letícia, sua mulher e filha.
Eu gostaria de ter tido maior simpatia pelos personagens com quem passei essas horas de leitura. Mas nenhum deles, nem do núcleo do professor quanto do núcleo de Ricardo Laverde foram capazes de aprisionar meus sentimentos. A linguagem de Vásquez é bastante refinada e há momentos de grande beleza, principalmente nas descrições da natureza colombiana. É um livro de leitura rápida e de temática muito interessante. Ótimo enfoque. Mas ele me deixou fria.
Juan Gabriel Vásquez em O ruído das coisas ao cair, Rio de Janeiro, Objetiva: 2013, página 13, primeira frase, primeiro capítulo.