O campo de Santana no Rio de Janeiro, 1818
Franz Joseph Frühbeck (Áustria 1795 — data de morte incerta, depois de 1830)
Gravura aquarelada
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Há algum tempo quero escrever sobre as capas de livros publicados no Brasil. Em primeiro lugar, gostaria de saber, porque é difícil encontrarmos o crédito [o nome do artista gráfico que fez a capa de um livro] das capas de livros por estas bandas? Aliás, esta falta de informação não é de hoje: mesmo livros dos anos 40, 50, 60 do século passado que encontramos em sebos e que eram habitualmente ilustrados, muitas vezes não têm a menção do autor (ou autores) das ilustrações. Uma falta na ficha bibliográfica da obra. Uma vergonha para a história da ilustração no Brasil, uma vergonha para editores que se diziam sérios. Porque mesmo que as ilustrações usadas fossem compradas lá fora, deveríamos ter tido o direito, o acesso à informação de pelo menos os nomes dos ilustradores.
O livro ponto zero desta postagem foi lido em 2008, o charmoso Era no tempo do rei, de Ruy Castro, Alfaguara:2007, sucesso de vendas e, hoje, sucesso de dramaturgia depois de ter sido adaptado para o teatro. Este foi um dos livros que o meu grupo de leitura mensal trouxe para discussão em março de 2008. Entre as muitas observações que fizemos – que nos levaram de volta a deliciosos aspectos do Rio de Janeiro de 200 anos atrás — houve também a reclamação, entre nós, da falta de relação entre a capa e seu conteúdo. Desde então tenho prestado mais atenção às capas dos livros que leio.
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Era no tempo do rei se passa no Rio de Janeiro, logo depois da chegada da família real ao Brasil. Num artigo do jornal O Globo, de 17 de novembro de 2007, Suzana Velasco lembra que “ A primeira imagem que Ruy Castro pensou para o romance Era no tempo do rei foi a dos meninos Pedro e Leonardo fugindo pelos Arcos da Carioca”. Como a jornalista sublinha a ambientação desse romance é no Rio de Janeiro colonial. E aí olhamos para capa do livro e o que vemos? Será que vemos uma paisagem do Rio de Janeiro colonial, dentre as tantas a que temos acesso através dos pintores viajantes de diferentes países? Não. Será que temos um desenho moderno de uma representação do Rio de Janeiro com os arcos monumentais dominando a paisagem de então? Não. Será que teríamos uma ilustração de dois meninos perambulando pelas ruas de um Rio de Janeiro colonial, feita por algum ilustrador nosso, de hoje? Não
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O ferrolho, 1778
Jean Honoré Fragonard ( França, 1732 – 1822)
Óleo sobre tela, 73 x 93 cm
Museu do Louvre, Paris
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O que temos em mãos é um quadro francês, do século XVIII, pintura de gênero, de uma suposta aventura amorosa, picante. Nem preciso dizer que a Alfaguara, selo da Editora Objetiva, do Grupo Santillana, não se deu ao trabalho de identificar para o leitor curioso – como a maioria das editoras estrangeiras o fazem no verso da página de rosto — que a capa do livro era um detalhe de uma obra de Fragonard que se encontra no Louvre. Ironicamente no portal da Editora Objetiva encontramos o seguinte texto: A Objetiva se consolidou ao longo dos anos 90, como uma das editoras de referência no segmento de livros de interesse geral. Publica escritores de qualidade, como Luis Fernando Verissimo, Tony Judt, Arnaldo Jabor e Harold Bloom, entre tantos outros, assim como o Dicionário Houaiss, o mais completo da língua portuguesa. Atua em vários segmentos e especialmente em história, biografia, política, comportamento, humor, reportagem, ensaio e referência. Referência? Onde estava a referência ao quadro em questão?
Este assunto rodopiou na minha cabeça por muito tempo: tenho muitas perguntas que não cessam sobre a falta do costume de informações corretas no Brasil e, até certo ponto, a falta de cuidado com o livro, com o leitor, com a curiosidade alheia, o que é certamente o papel de uma editora. Mas há três semanas, por outros motivos, me encontrei com o livro Don Juan acorrentado, da escritora carioca Wanda Fabian, publicado oito anos antes de Era no tempo do rei, pela Editora Lacerda:1999, leia-se Nova Aguilar, que é parte da Nova Fronteira. E pasmem: tem a mesma capa de Era no tempo do rei. O mesmo detalhe, o mesmo corte de imagem!
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Agora a pergunta que não cala: só este quadro de Fragonard tem permissão de ser usado por editoras brasileiras para livros de ficção histórica? É claro que não. Por que então este favoritismo? Eu poderia assumir que é pura preguiça, acomodação, falta de respeito ao leitor, falta de conhecimento do mercado editorial… Mas, lá atrás, no fundo das minhas desconfianças, há uma voz gritando: tem a ver com direitos autorais. Tem a ver com imagem em domínio público. Mas será que O ferrolho, de Fragonard, é o único quadro conhecido pelos editores? Será que é a única imagem em domínio público? Talvez tenha a ver com a divisão de marketing dessas editoras? Será que ambas as editoras contrataram a mesma companhia de marketing? Ou foi o mesmo estagiário? A pessoa de uma só obra de arte? Como se justifica isso? Quem pode me responder?