
Lago de jardim, fragmento de pintura mural do Antigo Egito
18ª Dinastia, c. 1350 aC.
[Pintura mostrando um lago cheio de peixes, flores do lótus, e tilápias; papiros crescem à sua volta, assim como palmeiras, figueiras e arbustos].
Museu Britânico, Londres.
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No início deste mês tive o prazer de ler O peixe de Amarna, de Cícero Sandroni, que vou recomendar aqui, com bastante ênfase, para aqueles que procuram alguma coisa brasileira, que interesse a leitores adolescentes. Esta é a história de Juca, um jovem carioca, de 18 anos, pobre, que arruma seu primeiro bom emprego, com carteira assinada, trabalhando como motorista de um professor do Centro Multidisciplinar de uma universidade. Juca se surpreende logo, desde o início, quando percebe que a vida de motorista de professores, trabalhando com tecnologia de ponta, pode ser muito mais arriscada do que pensava, a princípio. Não tinha conhecimento de que havia no Brasil tanto conhecimento científico de qualidade, e queira ou não queira seu emprego se mostra mais complexo pois a técnica desenvolvida pelos professores que Juca leva e trás para diversos pontos do Rio de Janeiro, está sob a mira dos espiões industriais.
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Esta é uma história cheira de peripécias, diárias, tanto no cotidiano do trabalho desse motorista no Rio de Janeiro, quanto nas viagens a lugares que Juca nunca havia pensado em conhecer. É por aí, com um bocado de espionagem industrial, com um bocado de briga e garra, nesse misto de suspense, ação, golpes de judô e disfarces que aparecem uma surpresa atrás da outra, uma ação a cada virar de página. Juca acaba indo ao Egito como motorista, guarda-costas, logo ele, que como todo bom carioca, poderia ter feito parte do time do Deixa-disso. Com um linguajar atualizado, e uma maneira de escrever correta e realista, Cícero Sandroni nos mostra Juca desejando a todo momento que tivesse prestado mais atenção às aulas de história — em que costumava dormir — para poder entender melhor por que seus empregadores eram alvo de tanta confusão. Nosso herói viaja. Com ele damos uma passadinha no Louvre, em Paris, mas também vamos ao Egito. O Egito de hoje, moderno se torna menos importante do que o outro Egito, dos faraós. Juca viaja e nos leva com ele através da história para o Antigo Egito, de 3500 anos atrás. Lá, ele se familiariza com o faraó Aquenaton, marido de Nefertite, jovem famosa por sua beleza. Aquenaton foi não só o fundador da cidade de Aquenaton, hoje Amarna, como também um faraó que lutou , com o culto de Aton, para que a civilização do Antigo Egito se tornasse monoteísta.

Garrafa na forma de peixe, Antigo Egito
18ª Dinastia, Reina do de Akhenateon ( c. 1390-1336 aC)
Vidro policromado, 14,5 cm
Museu Britânico, Londres
Cícero Sandroni consegue, com essa aventura de espionagem, não só mostrar um pouco da história do antigo Egito, como também situar com exatidão a importância das pesquisas científicas feitas no Brasil, que podem e são frequnetemente alvos de espionagem industrial e estrangeira. Raramente vemos nos livros para adolescentes a colocação do real valor do trabalho e das pesquisas dos professores e pesquisadores universitários no país. O livro tem a vantagem também de abrir um horizonte maior, mais versátil, de possíveis profissões, apontando para as muitas escolhas que podem ser feitas, mesmo por um jovem pobre, para uma vida repleta de excitação, aventura e conhecimento. Escolhas que não se apoiam no tradicional triângulo do esporte, da música e do circo. A cabeça, o pensar, o estudo aparecem como uma bela opção para uma vida cheia de aventuras. E tem mais uma coisa importante: o texto não é dogmático, não dá lição de moral. Muito, muito bom.
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Cícero Sandroni
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Cícero Augusto Ribeiro Sandroni (São Paulo, 1935) jornalista e escritor brasileiro. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1946, com a família. Formou-se em jornalismo, PUC-Rio. Nessa profissão trabalhou para a Tribuna da Imprensa, o Correio da Manhã e o Jornal do Brasil. Em 1958 foi para o jornal O Globo, e mais tarde para o Diário de Notícias. Em 1961 mudou-se para Brasília. Em 1974 ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo. Membro da Academia Brasileira de Letras.
Obras:
O Diabo só Chega ao Meio-dia, contos, 1985.
O Vidro no Brasil, ensaio histórico, 1989.
Austregésilo de Athayde: o Século de um Liberal, 1998.
Cosme Velho, ensaio literário sobre o bairro do Cosme Velho (Rio de Janeiro), 1999.
50 anos de O Dia, história do jornal, 2002
O peixe de Amarna, romance, 2003