A caminho do casamento, Carlos Drummond de Andrade, trecho.

28 06 2025

Casamento na roça

Fulvio Pennacchi (Itália-Brasil, 1905-1992)

 

 

 

“A moça ficou noiva do primo — foi há tanto tempo. Casamento, depois de festa de igreja, era a maior festa, na cidade casmurra, de ferro e tédio. O noivo seguia para a casa da noiva, à frente de um cortejo. Cavalheiros e damas aos pares, de braço dado, em fila, subindo e descendo, descendo e subindo ruas ladeirentas. Meninos na retaguarda, é claro, naquele tempo criança não tinha vez. Solenidade de procissão, sem padre e cantoria. Janelas ficavam mais abertas para espiar. Só uma casa se mantinha rigorosamente alheia, como vazia. É que morava lá a antiga namorada do noivo – o gênio dos dois não combinava, tinham chegado a compromisso, logo desfeito. Murmurava-se que à passagem do cortejo em frente àquela casa, o noivo seria agravado. Não houve nada: silêncio, portas e janelas cerradas, apenas. E o cortejo seguia brilhante, levando o noivo filho de “coronel” fazendeiro, gente de muita circunstância, rumo à casa do doutor juiz, gente de igual altura. A casa era “o sobrado”, assim a chamavam por sua imponência de massa e requinte: escadaria de pedra em dois lanços, amplo frontispício abrindo em sacadas, sob a cimalha a estatueta de louça-da-china – espetáculo.”

 

Em: Caminhos de João Brandão, Carlos Drummond de Andrade, Rio de Janeiro, José Olympio: 1976, 2ª edição, “Entre a orquídea e o presépio” p. 98





Trova do casamento

2 02 2017

 

soneca-6Dona Maria Cebolácia Carneiro Menezes “Dona Cebola” e Seu Cebolácio Cogumélio da Silva “Seu Cebola” dormindo, © Maurício de Sousa.

 

 

 

– Casamento é mesmo o fim!

diz ela, no seu enfado,

– Quem suspirava por mim

agora ronca ao meu lado!…

 

 

 

(Arlindo Tadeu Hagen)

 

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Noiva, poesia de Gonçalves Crespo

30 10 2015

 

Gabriel_Charles Deneux_The_WeddingGabriel Charles Deneux - Gabriel Charles Deneux The Wedding Painting

O cortejo nupcial, 1920

Gabriel Charles Deneux (França, 1856-1926)

óleo sobre tela, 139 x 177 cm

Coleção Particular

 

 

A noiva

 

Gonçalves Crespo

 

A noiva passa rindo

De rosas coroada,

Como um botão surgindo

À luz da madrugada.

 

Na fronte imaculada

O véu lhe desce lindo,

E a brisa enamorada

Lhe furta um beijo infindo…

 

Ante o altar se inclina

A noiva, e purpurina

Murmura a medo: “Sim”.

 

Agora é noite; a lua

No céu azul flutua,

E o noivo diz: “Enfim!”

 

(1870)

 

Em: Obras Completas, Gonçalves Crespo, Livros de Portugal, s/d, Rio de Janeiro, p. 75.





As noivas de branco…Desde quando?

12 06 2015

 

 

Casamento russo 3Casamento na Rússia, década de 1960. Ignoro a autoria dessa ilustração.

 

“Até meados do século XVII, as noivas usavam vestidos coloridos, com pedrarias e bordados. Tons vermelhos e dourados  eram os mais comuns. Foi a rainha Vitória, da Inglaterra, que inaugurou o visual da noiva mais usado até hoje — ao se casar de branco com seu primo, o príncipe Albert. Ela também acrescentou ao seu traje nupcial um véu — detalhe, na época era proibido para rainhas que, para provarem sua identidade e soberania, nunca deveriam cobrir o rosto. O mais curioso é que ela o pediu em casamento, pois não se permitia fazer esse pedido diretamente à rainha. Com a chegada da burguesia, o vestido branco ganhou outro significado: o da virgindade.”

 

Em: Sempre, às vezes, nunca – etiqueta e comportamento, Fábio Arruda, São Paulo, Arx: 2003, 8ª edição, p: 44.





Lua de mel, uma tradição das tribos germânicas

16 03 2015

 

 

noiva, bradshaw crandell_cosmo36julNoiva, ilustração de Bradshaw Crandell, Cosmopolitan, 1936.

 

“A origem da lua-de-mel vem de captura. Entre as tribos germânicas muitas vezes o homem capturava a sua amada e a mantinha cativa desde a lua cheia até a seguinte, tomando uma mistura afrodisíaca, adoçada com mel, para que a amada se rendesse aos seus encantos. Com o tempo os germânicos já não raptavam suas futuras esposas e celebravam seu casamento na lua nova, servindo uma bebida à base de água e mel para garantir boa sorte.”

 

Em: Sempre, às vezes, nunca – etiqueta e comportamento, Fábio Arruda, São Paulo, Arx: 2003, 8ª edição, p: 43.





O amor do cavaleiro medieval, texto de Georges Duby

24 11 2014

 

 

Leighton-God_Speed!Deus o abençoe, 1900

Edmund Blair Leighton (Inglaterra, 1853-1922)

óleo sobre tela, 160 x 116 cm

Coleção Particular

 

 

“… Na época carolíngea, o palácio do rei era uma escola de boas maneiras. As obras compostas pelos escritores à sua disposição tinham, assim, uma função pedagógica. Ensinavam os usos que distinguem o homem bem-educado, o homem de corte, o “cortês”, do “plebeu”, do grosseiro, do rústico. Ensinavam em particular os guerreiros a tratar segundo as conveniências as mulheres das quais se aproximavam no círculo dos príncipes.

Enfim, sentiam-se responsáveis pela ordem. O Todo-Poderoso dignava-se lhes delegar seu poder. Esperava que mantivessem a paz. Uma de suas preocupações mais aflitivas era conter a turbulência desses guerreiros que, mesmo se estivessem avançados na idade, eram chamados “jovens” porque não eram casados. Muito numerosos, pois a autoridade familiar, a fim de evitar a divisão dos patrimônios, velava para que os rapazes mais jovens não gerassem herdeiro legítimo e obrigava-os ao celibato. Todos esses homens sem esposa, ciumentos de um irmão mais velho que toda noite ia ao encontro da sua, alimentavam a discórdia na sociedade cortês. Lançavam-se sobre o patrão, reclamavam que lhes dessem por mulher uma prima, uma sobrinha, uma jovem viúva de um vassalo defunto. O patrão não podia casá-los todos. A maior parte permanecia ali, errante, instável, à espreita, prestes a apanhar alguma presa. Por certo, não tomá-la à força, raptá-la como se fazia no século IX. Ao rapto sucedera a sedução. Os “jovens” procuravam, enganando as famílias, captar os favores das moças casadouras ou então, enganando os esposos, os das damas. Muito disponíveis, a crer em Etiènne de Fourgères. E isso era, como diz o mesmo Etiènne, “semente de guerra”.

Para esses cavaleiros, a bela aventura, a façanha de que se vangloriavam tanto ou mais do que ter conquistado o prêmio na noite de um torneio, não era a proeza sexual, essa mirabolante aptidão para o jogo amoroso, exaltada por certas canções do conde de Poitiers. Era atrair para seus braços a fada, uma dessas estranhas e fugazes sílfides que os contemporâneos de Burchard de Worms esperavam encontrar um dia na orla de um bosque, era, sobretudo,apoderar-se da mais severamente proibida de todas as mulheres, ou seja, desafiando os terríveis castigos prometidos ao adúltero e ao traidor, arrebatar a dama, a esposa do senhor. Duplo delito, por certo. Mas brilhante demonstração de audácia, o mais invejado dos títulos de glória.”

 

Em: As damas do século XII, George Duby, São Paulo, Cia das Letras: 2013, edição de bolso [Companhia de Bolso], pp: 339-340





Casamento, uma celebração!

12 07 2014

 

 

CARLOS BASTOS,Noivos,1977,óleo s tela, 50 x 80 cm

Noivos, 1977

Carlos Bastos (Brasil, 1925-2004)

óleo s tela, 50 x 80 cm

 

 

Meus pais, se estivessem vivos, fariam anos de casados, hoje, dia 12 de julho…  Há dois anos postei uma série de quadros representando casamentos para a comemoração do Dia de Santo Antônio, e fiquei devendo ao meu amigo Ricardo Antonio Alves do blog Abencerragem mais imagens de casamentos  na arte.  Não me esqueci da promessa que lhe fiz, mas demorei para pagar… Então aqui estão outras imagens de casamentos.

 

Denis_Maurice_Wedding_procession1Procissão do casamento, 1892

Maurice Denis (França, 1870-1943)

óleo sobre tela

 

edmund_blair_leighton_-_wedding_march_thumbA marcha nupcial, 1919

Edmund Blair Leighton (Inglaterra, 1853-1922)

óleo sobre tela

 

The Village Wedding by Sir Samuel Luke Fildes, 1883 -O casamento na aldeia, 1883

Sir Samuel Luke Fildes (Inglaterra, 1843-1927)

óleo sobre tela, 151 x 255 cm

 

 

Trocando de casa,1862,  George Elgar Hicks, ost, 151x89m Geffrye Museum, Londres Victorian english paintingTrocando de casa, 1862

George Elgar Hicks (Inglaterra, 1824-1914)

óleo sobre tela, 151 x 89 cm

Geffrye Museum, Londres

 

 

williamfrederickyeames_thumbO caminho das rosas, 1873

William Frederick Yeames (Inglaterra, 1835-1918)

óleo sobre tela, 50 x 87 cm

 

 

William_Hahn_The_Village_WeddingCasamento na aldeira, 1859

William Hahn (Alemanha, 1829 – EUA, 1887)

óleo sobre tela

Coleção Particular

 

 

Theodor_Schuz_Reception_of_the_wedding_coupleRecepção aos recém-casados

Theodore Schuz (Alemanha,1830-1900)

óleo sobre tela 55 x 73 cm

 

 

Stanhope Alexander Forbes (Irlanda, 1857-1947) The Health of the Bride, ostÀ saúde da noiva, 1889

Alexander Forbes Stanhope (Irlanda, 1857-1947)

óleo sobre tela, 152 x 200 cm

Tate Gallery, Londres

 

 

The Wedding, 1885O casamento, 1885

Giulio Rosati (Itália, 1857-1917)

óleo sobre tela, 60 x 111 cm

 





O casamento de Aurélia: “Senhora” de José de Alencar

11 06 2014

Gari_Melchers_Marriage1Casamento, 1893

Gari Melchers (EUA, 1860-1932)

óleo sobre tela, 82 x 60 cm

Minneapolis Institute of Arts

 

 

“Reunira-se na casa das Laranjeiras, a convite de Aurélia, uma sociedade escolhida e não muito numerosa para assistir ao casamento.

A moça não aceitou a idéia de dar um baile por esse motivo; mas entendeu que devia cercar o ato da solenidade precisa, para tornar bem notória a espontaneidade de sua escolha e o prazer que sentia com esse enlace.

Não faltaram amigos e conhecidos, que sugerissem a Aurélia a lembrança de fazer o casamento à moda européia, com o romantismo da viagem logo depois da cerimônia, a lua-de-mel campestre, e o baile de estrondo na volta à Corte.

Ela, porém, recusou todos esses alvitres; resolveu casar-se ao costume da terra, à noite, em oratório particular, na presença de algumas senhoras e cavalheiros, que lhe fariam, a ela órfã e só no mundo, as vezes da família que não tinha.
Celebrara-se a cerimônia às oito horas. Lemos conseguira um barão para servir de contrapeso ao Ribeiro e um monsenhor para oficiar.

Quanto à madrinha, Aurélia escolhera D. Margarida Ferreira, respeitável senhora, que lhe mostraradesinteressada amizade, desde a primeira vez que a encontrou na sociedade.

No momento de ajoelhar aos pés do celebrante, e de pronunciar o voto perpétuo que a ligava ao destino do homem por ela escolhido, Aurélia com o decoro que revestia seus menores gestos e movimentos, curvara a fronte, envolvendo-se pudicamente nas sombras diáfanas dos cândidos véus de noiva.

Mau grado seu, porém, o contentamento que lhe enchia o coração e estava a borbotar nos olhos cintilantes e nos lábios aljofrados de sorriso, erigia-lhe aquela fronte gentil, cingida nesse instante por uma auréola de júbilo.

No altivo realce da cabeça e no enlevo das feições cuja formosura se toucava de lumes esplêndidos, estava-se debuxando a soberba expressão do triunfo, que exalta a mulher quando consegue a realidade de um desejo férvido e longamente ansiado.
Os convidados, que antes lhe admiravam a graça peregrina, essa noite a achavam deslumbrante, e compreendiam que o amor tinha colorido com as tintas de sua palheta inimitável, a já tão feiticeira beleza, envolvendo-a de irresistível fascinação.

– Como ela é feliz! diziam os homens.

– E tem razão! acrescentaram as senhoras volvendo os olhos ao noivo.

Também a fisionomia de Seixas se iluminava com o sorriso da felicidade. O orgulho de ser o escolhido daquela encantadora mulher ainda mais lhe ornava o aspecto já de si nobre e gentil. Efetivamente, no marido de Aurélia podia-se apreciar essa fina flor da suprema distinção, que não se anda assoalhando nos gestos pretensiosos e nos ademanes artísticos; mas reverte do íntimo com uma fragrância que a modéstia busca recatar, e não obstante exala-se dos seios d’alma.

Depois da cerimônia começaram os parabéns que é de estilo dirigir aos noivos e a seus parentes. Só então reparou-se na presença de uma senhora de idade, que ali estava desde o princípio da noite.

Era D. Camila, mãe de Seixas, que saíra de sua obscuridade para assistir ao casamento do seu Fernando, e sentindo-se deslocada no meio daquela sociedade, retirou-se com as filhas logo depois de concluído o ato.

Para animar a reunião as moças improvisaram quadrilhas, no intervalo das quais um insigne pianista, que fora mestre de Aurélia, executava os melhores trechos de óperas então em voga.

Por volta das dez horas despediram-se as famílias convidadas.”

Em: Senhora, José de Alencar, originalmente publicado em Capítulo XII, páginas 35-36, versão PDF, Biblioteca Nacional. Em domínio público.





Os hábitos de antigamente

29 10 2013

F1.medium

Menino com ganso, século II da EC [Era Comum]

Mármore, cópia romana de bronze grego do sec III AEC.

Turquia

Há poucos dias postei uma poesia da Baronesa de Mamanguape, senhora conhecida pelos saraus de música e poesia no Rio de Janeiro do final do século XIX.  Aproveitei para divulgar  sua biografia numa pequeníssima nota vinda do Dicionário crítico de escritoras brasileiras 1711-2001.  [Nelly Novaes Coelho, São Paulo, Editora Escrituras: 2002.]  Mas me surpreendi ao ver que a Sra. Baronesa havia se casado aos 13 anos.  Hoje consideramos 13 anos uma idade de formação e não olhamos com bons olhos a família que permite o casamento de uma criança…  Só porque o hábito de casar a jovem menina na época de sua maturidade física é antigo, não quer dizer que está certo. É para isso que evoluímos e que descobrimos o melhor momento, tanto físico quanto emocional, para um casamento. E vemos como quase barbárie culturas que,  ainda hoje,  permitem e aprovam esse comportamento, justificado para que o marido tenha certeza da inexperiência sexual da menina em questão.

Como um dos meus passatempos é ler sobre a civilização romana, lembrei-me que na Roma antiga também se casava meninas aos 13 ou 14 anos, quando nem bem tinham deixado os brinquedos de lado. Sim, as crianças romanas, como as de hoje, brincavam bastante.  As meninas tinham bonecas, muitas delas até com membros articulados. Apesar de Roma ter sido uma grande civilização da qual herdamos muitos dos nossos valores, das nossas casas, dos nossos hábitos de higiene, das nossas cidades, não gostaríamos, tenho certeza, de repetir as experiências de uma jovem romana, digamos do século I da Era Comum. Era uma vida muito difícil.  A mulher, e consequentemente a mãe, era menos importante que o pai. Este por sua vez tinha o poder de vida ou morte sobre qualquer membro da família. Quando um bebê nascia era colocado aos pés do pai.  Se este pegasse o bebê no colo, o bebê tinha a permissão implícita de viver. Mas se fosse ignorado pelo pai, não teria a sorte de continuar vivendo.

Às mulheres cabia a organização do lar, as refeições eram feitas por elas ou a seu encargo se a família tivesse meios financeiros de manter um escravo. Elas também eram responsáveis pela educação das crianças.  Muitos casamentos aconteciam quando as meninas faziam 14 anos e eram arranjados pela família de acordo com o melhor  ajuste financeiro ou político para os pais. O amar, o gostar, a escolha da jovem, nada disso era levado em consideração.  E ainda,  os homens podiam se divorciar de uma mulher se esta não lhes desse pelo menos um filho homem. Muitas mulheres morriam jovens também (às vezes antes dos 30 anos) muitas vezes porque dar a luz a um bebê poderia ser uma atividade perigosa, nem sempre havia meios de se assistir a um parto com complicações e morriam mãe e bebê.  Doenças também eram mais comuns do que hoje. 

Não acho que não trocaríamos a vida de hoje pela de ontem.  Ainda bem que aprendemos com as lições do passado.  Essa é uma boa razão para estudarmos a história.





Casamentos na pintura: homenagem a Sto Antônio, o santo casamenteiro

13 06 2012

Casamento, 1968

Marysia Portinari (Brasil, 1937)

óleo sobre madeira, 50 x 40 cm

Relativamente falando há poucos casamentos registrados na pintura.  Minha coleção de imagens de telas de casamentos, contém um pouco mais do que 400 telas.  Não  que eu conheça tudo que foi pintado no assunto.  Não sou nenhuma especialista em iconografia do casamento.  Mas a história da arte não entrou na minha vida ontem.  Já vi muita coisa.

O casamento, 1997

Bo Bartlett (EUA, 1955)

óleo sobre tela, 210 x 275 cm

E-

Há alguns casamentos específicos como aqueles que uniam famílias nobres, reis, telas comissionadas a  artistas para captar o momento solene da união de famílias cuja aliança se fazia necessária para manutenção de fronteiras, além de outros interesses econômicos.

O casamento de Alfonso XIII e Victoria Eugênia, na Igreja de São Jerônimo, em Madri, 1906

Juan Comba y Garcia (Espanha, 1852-1924)

óleo sobre tela

Sala Afonso XII, Palácio Real, Madri

Curiosamente, talvez o mais famoso casamento na pintura, A boda dos Arnolfini, 1434 de Jan Van Eyck, [ilustrado abaixo] não retrata um casamento como a tradição do título sugere.  Trata-se de fato do retrato do rico comerciante Giovanni do Nicolao Arnolfini e sua esposa, em casa, na cidade de Bruges, hoje na Bélgica.  [E antes de passar para o próximo casamento, deixe-me clarificar, que não, a Sra. Arnolfini não está grávida.  A exuberante e luxuosa roupa da época é típicamente longa e ela simplesmente segura a saia rodada para poder se movimentar. Vale notar também que a região era conhecida por seus tecidos luxuosos e que a abundância textil no retrato só enriquece a posição social do casal].

A boda dos Arnolfini, 1434

Jan Van Eyck (Bélgica, 1345-1441)

óleo sobre madeira [carvalho], 82 x 60 cm

National Gallery, Londres

Enquanto o mundo dos banqueiros, de outros comerciantes bem sucedidos no século XVII na Holanda quase não é representado em casamentos, é desse período A noiva judia de Rembrandt.

A noiva judia, 1665-1669

Rembrandt van Rijn (Holanda, 1606-1669)

óleo sobre tela, 121 x 166 cm

Museu Rijks, Amsterdam

O casamento mais representado, acredito eu, nas artes antes do aparecimento da classe mercantilista na Europa do Norte, nos séculos XV e XVI, talvez seja sem dúvida As Bodas de Canaã.  Uma das representações mais antigas, na pintura, desse milagre é a de Giotto, reproduzida abaixo.

As bodas de Canaã, 1304-1306

Giotto di Bondone ( c. 1267 – 1337)

afresco

Capela Arena, Pádua

Depois de As Bodas de Canaã, talvez a mais popular representação de casamentos seja O casamento da Virgem.  Sua mais famosa representação — a de Rafael di Sanzio, na Pinacoteca de Brera em Milão — foi certamente inspirada pela tela, menos fluida, menos sofisticada, talvez, do mesmo tema de Pietro Perugino que reproduzo abaixo, pintada aproximadamente um anos antes da de Rafael de Sanzio, O casamento da Virgem 1504, óleo sobre madeira, 170 x 118cm, Pinacoteca de Brera, Milão.

O casamento da Virgem, 1503

Pietro Perugino (Umbria, Itáia, 1448-1523)

óleo sobre madeira, 234 x 185cm

Museu de Belas Artes de Caen, França.

[Click aqui para ver a versão de Rafael]

O Casamento da Virgem, tema representado muitas vezes no século XVI, certamente serviu de base para a representação do casamento de Maria de Médici com Henrique IV.

Casamento por procuração de Maria de Médici com Henrique IV, representado por Ferdinando I, Grão-duque da Toscana, 1600

Jacopo di Chimenti da Empoli (Florença, 1551-1640)

óleo sobre tela, 242 x 242cm

Galeria dos Uffizi, Florença

[há outras versões desse quadro]

É só mesmo depois da revolução industrial, em pleno século XIX, quando a classe mercantil se estabelece mais solidamente nas sociedades européias e industriais, que temos um muito maior número de casamentos em telas.  Mas o interessante é que não são retratos das famílias mais abastadas que vemos na pintura, ao contrário, são os casamentos anônimos.  É o ato do casamento que se eterniza.

Até que a morte separe, 1878

Edmund Blair Leighton (Inglaterra, 1853-1922)

Óleo sobre tela,

Coleção da Revista Forbes

E as preocupações de época começam a aparecer, assim como na literatura do final do século XIX vemos em autores como Victor Hugo e Charles Dickens o retrato das diversas classes sociais, dos costumes da cidade em contraste com os costumes do campo, o tema também é abordado na pintura de gênero.

Um casamento no campo, 1904-1905

Henri Rousseau, Le Douanier

Óleo sobre tela, 163 x 114 cm

Museu  de l’Orangerie, Paris.

O cortejo nupcial, 1878

Theodore Robinson (EUA, 1852 – 1896)

Óleo sobre tela, 57 x 67cm

Terra Foundation for American Art, Daniel J. Terra Collection

É essa vertente, a vertente que mostra o casamento no campo, no interior, na cidadezinha pequena que eventualmente se torna popular no Brasil, sobretudo por causa das festas juninas.  Há aqui no nosso imaginário uma justaposição do casamento de interior ( que pode acontecer a qualquer momento) e do casamento junino.  O exemplo na abertura desse texto, com a tela de Marysia Portinari pode ser  colocado em qualquer data, mas  outras representações do casamento na pintura brasileira invariavelmente associam a representação às festas juninas. Um exemplo abaixo:

Casamento na roça, s/d

Cândido Portinari (Brasil, 1903-1962)

óleo sobre tela, 98 x 79 cm

Os noivos, s/d

Fé Córdula [Francisco de Assis Córdula] (Brasil, 1933)

óleo sobre tela, 30 x 40 cm

Mas a representação das bodas nupciais no século dezenove não se limita às diferenças entre o campo e a cidade, também muito bem representado na literatura, por exemplo por Eça de Queirós.  Os pintores parecem sensíveis também aos sentimentos das noivas que no até as primeiras décadas do século XX  muitas vezes não se casavam com quem queriam mas com quem era conveniente.  Tal é o caso em:

Um casamento desigual, 1862

Vasiliy Pukirev (Rússia, 1832–1890)

Óleo sobre tela

Galeria Tretya kov, Moscou

Além desses temas há também a curiosidade pelo pitoresco, pelo outro, pela diferença, pela maneira como os outros se comportam, que permeou tanto da cultura européia do século XIX.  Esse interesse pelo OUTRO levou a temas pertinentes à representação de cenas do Oriente Médio, do Extremo Oriente, entre outros. É assim que temos representações de casamentos árabes, turcos, judeus, russos, aqueles em que a vestimenta, os hábitos, as cerimônias não se assemelhassem às conhecidas festas da Europa Ocidental.

Um casamento judeu no Marrocos, 1841

Eugênio Delacroix(França, 1798-1863)

óleo sobre tela, 105 × 140 cm

Museu do Louvre, Paris

O casamento judeu, 1903

Josef Israels (Holanda, 1824-1911)

óleo sobre tela, 137 x 148cm

Museu Rijks, Amsterdam

E ainda mais uma tendência no século XIX, pertinente também à literatura —  podemos citar Alexandre Herculano, Sir Walter Scott, Charles Reade, Mark Twain entre outros  — é a volta ao passado, à época medieval, aos costumes da renascentistas.  Temas tais como os casamentos na Idade Média, na Renascença, tornaram-se  mais frequentes, dentro desse nicho.

Depois da cerimônia,1882

Adrien Moreau (França, 1843-1906)

óleo sobre tela,  61 x 81cm

Christie’s Leilão de 2007, Nova York

O chamado da guerra, 1888

Edmund Blair Leighton (Inglaterra, 1853-1922)

óleo sobre tela, 91 x 61 cm

Coleção Particular

No século XX, entre muitos outros, Mark Chagall, dedicou-se a muitas representações de casamentos, muitos deles com noivos flutuando no céu.

O casamento, 1910

Marc Chagall (Rússia/França, 1887-1985)

óleo sobre tela

E as representações de Chagall  podem ter influenciado Cícero Dias, como vemos na tela abaixo.

Recife lírica, década de 1930

Cícero Dias ( Brasil, 1907-2003)

óleo sobre tela, 140 x 260 cm

Coleção Sylvia Dias, Paris

O século XX tem um outro comportamento na representação de casamentos.  Levarei esse tema adiante amanhã e ainda talvez nos dias que se seguem. A observação por tema da história cultural e da história da arte pode trazer esclarecimentos importantes para o entendimento dos valores de época.  Até a próxima!