Flash!

23 09 2024

Que coleção de amigos!

Da esquerda para a direita: Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, Manuel Bandeira, Mario Quintana e Paulo Mendes Campos.





Trova do Don Juan

17 09 2024
Ilustração Arthur Sanoff.

 

 

“Don Juan” de última laia,

o meu amigo Amaral

namora até minissaia

pendurada no varal…

 

 

(Calixto de Magalhães)





Soneto LXXII, de Paula Brito

16 09 2024
Ilustração de Walter Crane, 1878

 

 

Soneto LXXII

 

Paula Brito

 

“Quem pode ver-te sem querer amar-te!
Quem pode amar-te sem morrer de amores!…
(Maciel Monteiro)

 

 

Amo-te… e de te amar não me arrependo,

Bem que seja este amor, amor perdido!

Oh! se nunca te houve conhecido,

No fogo, em que ardo, não vivera ardendo!

 

Vejo o que fazes, e estou nisso vendo

Rasgos de amor de um coração ferido!

Também amei, também tenho sofrido,

Amo também,  também estou sofrendo!…

 

Não me queixo de ti, não, certamente;

O teu futuro, por teu mal, te obriga

Ao penoso martírio do presente!

 

Aqui tens a razão que a ti me liga:

“Se te sigo, me pedes que me ausente;

Se me ausento, me pedes que te siga!…”

 

 

Em: Poesias, Francisco de Paula Brito, Rio de Janeiro, 1863, edição digitalizada, Biblioteca Nacional.

PS: atualizei ao máximo a ortografia que já mudou muito nestes últimos 150 anos.





Voltando para casa de ônibus, texto de Oscar Nakasato

16 09 2024
Anúncio dos pneus GoodYear Airfoam, 1944.

 

 

 

“No ônibus, Satoshi tentava esvaziar a mente para buscar o sono. Quando percebeu que não conseguiria dormir, retornou a poltrona para uma posição com menor inclinação, abriu uma fresta da cortina e passou quase todo o trajeto , de pouco mais de nove horas, observando o que era possível na madrugada de quase lua cheia. Com a cabeça reclinada no encosto da poltrona, via a paisagem noturna obliquamente. Os morros distantes eram manchas escuras, e deles se viam apenas os contornos delineados em função do firmamento clareado pela lua. As árvores mais próximas surgiam e desapareciam na velocidade controlada pelo pé do motorista. As imagens imediatas eram mais visíveis, mas a cada instante eram consumidas pelo movimento do ônibus e do tempo, enquanto a paisagem distante, teimava em suas retinas insistindo em ficar.” […]

 

 

Em: Ojiichan, Oscar Nakasato, São Paulo: Fósforo, 2024.





Ernest Hemingway recomenda…

11 09 2024

Em 1934, depois de ler uma história de Ernest Hemingway na revista Cosmopolitan intitulada One Trip Across, mais tarde publicado no livro To have and to have not — publicado em português e traduzido por Luiz Peazê comoTer e Não ter — o jovem Arnold Samuelson, recém formado jornalista americano, viajou mais de três mil quilômetros para se encontrar com o autor do conto que tanto lhe impressionara.

Não foi um encontro fácil para o jovem viajante.  Mas valeu-lhe a espera de dois dias até ser recebido na varanda de Hemingway para um bate-papo.  Samuelson depois de conversar com o escritor por algum tempo, explicando de sua dificuldade em realizar o sonho de escrever ficção, Hemingway finalmente o aconselhou a evitar os escritores contemporâneos.  Ele deveria, no entanto.  competir, com os que já haviam morrido e se mirar nas obras que tivessem sobrevivido ao teste do tempo. Ou seja, às obras que ainda eram significativas. E  finalmente Samuelson saiu da visita em Key West, com a lista cuja fotografia vemos aqui.  Para facilitar a leitura, aqui estão os livros recomendados por Hemingway.

Stephen Crane

The Blue Hotel   [não achei tradução no Brasil]

The Open Boat  [não achei tradução no Brasil]

Gustave Flaubert

Madame Bovary

James Joyce

Dubliners  — Dublinenses (português)

Stendhal

The Red and the BlackO vermelho e o negro (português)

Somerset Maugham

Of Human Bondage Servidão humana (português)

Tolstói

Anna Karenina  — Anna Karenina (português)

War and Peace Guerra e Paz (português)

Thomas Mann

BuddenbrooksOs Buddenbrook (português)

George Moore – G. E. Moore

Hail and Farewell [não achei tradução no Brasil]

Dostoiévski

Tolstói

Anna Karenina  — Anna Karenina (português)

War and Peace Guerra e Paz (português)

Thomas Mann

BuddenbrooksOs Buddenbrook (português)

George Moore – G. E. Moore

Hail and Farewell  [não achei tradução no Brasil]

Dostoiévski

Brothers KaramazovOs irmãos Karamazov (português)

 Diversos poetas

The Oxford Book of English Verse

E. E. Cummings*

The Enormous RoomA cela enorme (português)

* Interessante que E.E.Cummings é muito mais conhecido com poeta, e Hemingway o escolhe por sua prosa.

Emily Brontë*

Wuthering HeightsO morro dos ventos uivantes (português)

* ùnica mulher. Mas afinal a lista é de Hemingway… era de se esperar…

W. H. Hudson

Far Away and Long Ago  [não achei tradução no Brasil]

Henry James

The American — [não achei tradução no Brasil]

E você, quais desses você já leu?  Concorda com Hemingway?





Trova da vida

3 09 2024

Olhando a vida vivida,

esta pergunta passou:

-fui eu que fiz minha vida,

ou fez-me a vida o que sou?

 

(Baptista Nunes)





Chuva no Nordeste, texto de Graça Aranha

2 09 2024

 

 

 

“Uma manhã lá no Cajapió (Joca lembrava-se como se fora na véspera), acordara depois duma grande tormenta no fim do verão. A madrugada estava orvalhada, mas serena, e ele se erguera da sua rede para ver o tempo. Um grande tapete de verdura fresca e úmida parecia ter descido do céu e coberto como um manto misterioso o campo… Os olhos perdiam-se na campina alegre; o gado festejava o rebentar da vida na terra e comia a erva tenra; um bando de marrecas passava grasnando, pousava aqui , levantava o voo acolá, buscava mais longe a região dos eternos lagos… Dias inteiros de chuvas; o pasto agora era farto, a água porfiava em vencê-lo, e quando mais tarde o dilúvio se interrompia, viam-se na vasta savana verdes pontos claros que eram o refrigério dos olhos. Eram os primeiros lagos. Em volta deles uma multidão de aves aquáticas brincavam descuidosas  e ostentavam as penas de cores vivas e quentes. Vinham pássaros de toda a parte; pernaltas com o seu bico de colher, marrecas em algazarra, jaçanãs leves e tímidas; e à tarde, quando o céu se vestia de nuvens cinzentas, notava-se desfilar, ora o bando marcial e rubro dos guarás, pra a ala virgínia e branca das garças… No fundo dos lagos multidão de peixes borbulhavam por encanto. E em tudo o mesmo milagre de ressurreição, de rejuvenescimento, de expansão e de vida.”

 

Em: Canaã, Graça Aranha, 1902, em domínio público.

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Esta é uma das mais belas descrições de uma multitude de ações, de dezenas de animais, tudo acontecendo num momento, em um único parágrafo.





Minutos de sabedoria: George Sand

31 08 2024

O que ela lê, 2001

Francine Van Hove (França 1942)

óleo sobre tela

“A satisfação de uma paixão absolutamente pessoal é embriaguez ou prazer: não é felicidade.

A felicidade é algo duradouro e indestrutível; caso contrário, não seria felicidade. Aqueles que gostariam de perpetuar a embriaguez e de incluir nela a felicidade, andam atrás do impossível. O êxtase é um estado excepcional cuja permanência nos mataria, e a natureza inteira depressa se eclipsaria sob a influência desse estado delirante.”

 

George Sand

 

 

George Sand (1804-1876)





Falando com ancestrais, texto de Muriel Barbery

29 08 2024

Campo de trigo com corvos, 1890

Vincent van Gogh  (Holanda, 1853–1890)

óleo sobre tela, 50 x 103 cm

Museu Van Gogh, Amsterdam

 

 

 

“— Que barulho é esse que você carrega atrás de si? — Qual barulho? — perguntou Haru. O corvo grasnou. — Não sei — respondeu o sacerdote —, mas o ouvimos. Conversaram sobre várias coisas mas logo Haru teve a sensação de ouvir palavras e sons do mundo como se eles se produzissem em outro lugar. Estava sozinho num território desconhecido varrido por um rumor límpido e, logo ao lado, se desenrolava o curso das coisas reais. Ele perdeu o fio da conversa do velho sacerdote, ergueu o nariz para o céu que escurecia — céu de neve, mas não estou sozinho, pensou. Então, riu e, cortando a palavra do homem de fé, disse-lhe: — O barulho, sabe? São meus ancestrais. — Ah! — disse o outro. — Eu bem que sabia! E virando-se para o corvo: — São os ancestrais dele. Depois disso ele traduziu amavelmente a conversa para a língua dos corvos.”

 

Em: Uma hora de fervor, Muriel Barbery, Rio de Janeiro, Companhia das Letras: 2024





Trova do rio

28 08 2024
Ilustração Nilva, 1980

 

Nem ouro, nem pedra rara,

nada que vem do garimpo,

vale um fio de água clara

no leito de um rio limpo…

 

(Aloísio Alves da Costa)