Ruminações de Ercília, texto de Ondina Ferreira

11 11 2014

 

Murman KutchavaRepouso, 2003

Murman Kutchava (Geórgia, 1962)

óleo sobre tela

 

“Ercília estendeu as mãos para sentir na pele a mordida lenta do sol. Mas o sol naquela manhã de inverno, oferecia mais luz que calor. Sem aquecer, ele avivava as cores, multiplicava reflexos, recortava sombras. Ercíllia enfiou as mãos nos bolsos do roupão e recolheu dentro dos olhos um pouco da paisagem colorida: o azul do céu, o verde violento de uma carrosseria, lá embaixo, o vermelho que transbordava de um caminhão carregado de terra. Depois aspirou com força o ar que, de tão fino e tão leve, parecia nunca ter atravessado outros pulmões… Os melhores momentos de sua vida eram esses, quando em nada pensava, entregue a uma sensação puramente física de bem-estar. Momentos breves e raros. Bem depressa, a roda do pensamento recomeçava a trabalhar, moendo lembranças, preocupações e rancores. “Berenice, Nelson, indiretas do chefe, faturas, mexericos de auxiliares, Nelson, Berenice”. Mas ela viera ao terraço cuidar de suas begônias. Fora Berenice quem a presenteara com aquelas plantas: “São para você começar um jardim suspenso”. Até agora, porém, o jardim suspenso resumira-se a dois vasos de cerâmica. “Sei lá se vou continuar aqui!” Endireitou uma haste florida, cortou algumas folhas secas. Um impulso irrefletido fê-la enterrar os dedos na terra fofa e úmida. E a mó do pensamento triturou uma farinha diferente: “Que bom se eu tivesse nascido numa fazenda!” Por um momento, imóvel, ela escutou o chamado da terra. Veio-lhe um desejo quase doloroso, de contato maior com a natureza.  “O cheiro do capim gordura, o canto das cigarras! Alimentar-se de sol, como as plantas! Ah! se pudesse trocar aquele fundo comprimido de cidade por horizonte mais aberto e nele purificar seus olhos, olhos que tinham visto tanta coisa triste, tanta coisa feia… ” Pressentiu, porém, os passos de Berenice e retirou precipitadamente as mãos para escondê-las contra o corpo. Não queria ser surpreendida em pleno devaneio e quebrar o sortilégio que a tornava incomunicável.”

Em: Navio Ancorado, Ondina Ferreira, São Paulo, Edição Saraiva, 1948,pp: 120-121.





Trova da confissão

11 11 2014

 

 

padreIlustração de Maurício de Sousa.

 

Para ter com quem falar

a velhinha sem ninguém

vai ao padre confessar

os pecados que não tem…

 

(José Carlos de L. G.)





Imagem de leitura — Ernst Liebermann

11 11 2014

 

 

Ernst Liebermann (Alemanha 1869-1960) Jovem com livro,osm, 70x59

Jovem com livro

Ernst Liebermann (Alemanha 1869-1960)

óleo sobre madeira, 70 x 59 cm