
A cortina de renda, 2008
Márcio Melo ( Brasil)
Acrílica sobre tela, 61cm x 76 cm
—
Márcio Melo é um pintor brasileiro, morando em Québec. Radicado no Canadá desde 1987.

A cortina de renda, 2008
Márcio Melo ( Brasil)
Acrílica sobre tela, 61cm x 76 cm
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Márcio Melo é um pintor brasileiro, morando em Québec. Radicado no Canadá desde 1987.

Há dois meses, no final de 2008 li uma reportagem de Dana Goodyear na revista The New Yorker que me deixou ao mesmo tempo feliz e preocupada. O artigo chamado Carta do Japão: eu ♥ romances, considera que em 2007 quatro dos cinco romances mais vendidos no Japão haviam sido escritos em telefones celulares.
Dana Goodyear centralizou seu artigo na experiência de Mone uma jovem de 21 anos que em março de 2006, achando-se casada, sem muito o que fazer, começou a escrever um romance, em grande parte baseado nos seus próprios diários de adolescente. Na casa de sua mãe, à espera do marido completar um curso em Tóquio, Mone se acomodou em sua antiga cama e começou a escrever seu romance no telefone celular. Neste mesmo dia ela começou a postar o que escrevia num portal japonês chamado Maho i-Land ( A Ilha Mágica), sem nunca dar uma segunda olhadela no que havia escrito nem pensando num roteiro. No terceiro dia de postagem Mone começou a ter contato com leitores de sua prosa que já se encontravam intrigados com as aventuras de Saki, personagem que narra o romance em questão. O Sonho Eterno, nome que dera aos seus escritos, havia conquistado leitores que lhe pediam mais capítulos.

Em meados de abril Mone havia terminado seu primeiro romance, dezenove dias depois de ter iniciado o trabalho. Nesta altura, seu marido também acabara o curso e ela voltou a Tóquio. Eis que de repente ela se vê procurado por uma casa editorial que queria publicar seu romance como um livro comum. Em dezembro de 2006, o livro, O Sonho Eterno, com aproximadamente 300 páginas foi lançado e distribuído pela Tohan, transformando-se imediatamente num dos dez mais vendidos livros do Japão em 2007. No final daquele ano, romances escritos em telefones celulares haviam tomado 4 dos 5 primeiros lugares de mais vendidos em ficção. O romance Linha vermelha de Mei, vendeu 1.800.000 exemplares, e ficou em segundo lugar para o romance Céu de Amor, de autoria de Mike, conseguiu o primeiro lugar em vendas.
Estes escritores hoje em dia chamados de escritores de celulares conseguiram depois deste sucesso serem completamente reconhecidos como parte de um movimento cultural. Inicialmente houve um grande rebuliço nas letras japonesas. Muitos temiam que esta literatura, em grande parte direcionada a adolescentes viesse a acabar com a tradicional arte da escrita japonesa. Mas logo descobriram que este não é o caso.
Para jovens japoneses, e especialmente para meninas, os celulares são sofisticados, baratos e há mais de dez anos facilmente conectáveis com a internet. Na verdade, 82% dos japoneses entre 10 e 21 anos de idade usam telefone celular. Há uma geração inteira crescendo acostumada ao uso do celular como um mundo deles portátil, por onde eles compram, usam a internet, jogam videogames, vêem televisão em portais na web explicitamente dedicados aos celulares.

Este fenômeno daqui a pouco deixará de ser só japonês. Com os novos IPhone e com serviços de entrega de textos como Twitter, os hábitos americanos estão no momento se desenvolvendo paralelamente aos japoneses. Há nos EUA dois portais Quillpill e Textnovel, ambos ainda em beta, que oferecem modelos para a escrita e a leitura de ficção em celulares.
A indústria editorial japonesa que havia encolhido por mais de 20% nos últimos 11 anos, abraçou o fenômeno da ficção celular com gosto. Editoras já começam a contratar escritores para este tipo de ficção, e a distribuir capítulos dessas histórias por uma pequena taxa. É a volta dos seriados, tal qual muito livros do século XIX foram escritos, com a diferença de terem sido publicados nos jornais. Em 2007, 98 romances originalmente produzidos em celulares foram publicados em forma de livro. Mais uma vez a internet mostra também como o a rede de conhecimentos de uma pessoa pode servir de base para o apoio inicial e para o sucesso mais tarde de um membro da sociedade. Como Yoshida – um executivo em tecnologia – descreve, é um esforço coletivo. Seus fãs lhe dão apoio e o encorajam a continuar no seu processo criador, — eles ajudam na criação. Depois eles compram o livro para re-afirmar aquela conexão, aquela “amizade” que têm com o autor.

Sozinhas estas jovens adolescentes escritoras e leitoras de ficção no celular estão mudando os costumes tradicionais. Agora, para esta geração o sinal da tribo, é gostar de ler.
Com tanto sucesso em ficção, por que eu fiquei ao mesmo tempo feliz e preocupada? Feliz, porque acho que qualquer incentivo à leitura é positivo. A leitura expande os conhecimentos, a imaginação. Ela fertiliza o cérebro, ela nos mantem flexíveis nos modos de pensar, de ver e de calcular. Preocupada, bem, fiquei mais com a escala da diferença tecnológica brasileira. Por mais que tenhamos grandes cérebros trabalhando no Brasil em tecnologia, tenho a sensação de que o abismo entre as sociedades mais desenvolvidas tecnologicamente e nós se aprofunda. Contrariando muitas projeções de desenvolvimento e de capacitação. Isso é preocupante. E muito.

Neste último número da revista The Economist, há um artigo muito interessante sobre a evolução do ser humano. Nele o professor da Universidade de Harvard, Richard Wrangham considera a probabilidade dos seres humanos terem se desenvolvido em humanos principalmente pelo descobrimento e manutenção do hábito de se comer alimentos cozidos. Ou seja, depois que aprendemos a cozinhar os alimentos encontrados na natureza, depois que aprendemos a assar a carne dos animais que caçávamos, o desenvolvimento do ser humano se modificou muito e facilitou o crescimento dos nossos cérebros da maneira que conhecemos.
Cozinhar é universal para todos os seres humanos. Não há uma única cultura, um único grupo humano que não dependa da preparação da comida no fogo. E há ainda um outro detalhe de grande importância de acordo com a pesquisa de Wrangham: o consumo de uma refeição em que o alimento é cozido no início da noite, em grupo, com família e amigos, é padrão, é o normal em todas as sociedades conhecidas. E que sem cozinhar seu alimento o cérebro humano – que consome de 20 a 25% da energia do corpo – não poderia trabalhar o tempo todo. Ele ainda advoga que a humanidade e a comida cozida nasceram simultaneamente.
Com o cozimento dos alimentos há 3 grandes mudanças que favoreceram o desenvolvimento de seres humanos como os conhecemos: 1) moléculas nos alimentos são quebradas em fragmentos de mais fácil digestão. 2) As moléculas de proteína quando quebradas revelam cadeias de aminoácidos em que as enzimas digestivas podem ser mais facilmente processadas. 3) O calor amacia os alimentos. Isto os faz mais fáceis de digerir. Assim o corpo usa menos calorias para ingerir e digerir o alimento cozido do que o faz com o alimento cru.
Para a defesa de sua tese, Dr. Wrangham, usou de pesquisas em diversos outros campos. Para maior detalhamento do que ele fez, por favor, clique aqui: THE ECONOMIST. É importante, no entanto, lembrar que a contribuição que ele faz ao estudo da evolução do ser humano é a ligação entre a comida cozida e a humanidade.