Pescaria, história para crianças de Wilson W. Rodrigues

2 06 2015

 

menina na rede, willcox smithMenina na rede, ilustração de Jessie Willcox Smith.

 

 

Pescaria

Wilson W. Rodrigues

 

 

— Sai daí moleque, deixa eu arrumar a rede para Sinhazinha.

Pai João menino afastou-se da mucama e veio para a escada da varanda onde, sentado num dos degraus, Coco Velho preparava o cigarro de palha.

O moleque indagou:

— Por que Sinhazinha gosta tanto de ficar deitada na rede?

Coco Velho sorriu, deu uma baforada e explicou:

— Óia, menino, a vida tem duas redes. Uma pra pescar peixe…

— E a outra para dormir, não é Coco Velho?

— Não, moleque. A outra é pra pescar sonho.

 

 

Em: Pai João menino, Wilson W. Rodrigues, Coleção Mãe Maria, vol. 2, Rio de Janeiro, Editora Publicitan: 1949, p.71





Um poema — para todos — de Miguel Torga

26 05 2015

 

 

leitura, distração, georges lepape, vogueDistração, gravura George Lepape.

 

 

Um poema

Miguel Torga


Não tenhas medo, ouve:
É um poema
Um misto de oração e de feitiço…
Sem qualquer compromisso,
Ouve-o atentamente,
De coração lavado.
Poderás decorá-lo
E rezá-lo
Ao deitar
Ao levantar,
Ou nas restantes horas de tristeza.
Na segura certeza
De que mal não te faz.
E pode acontecer que te dê paz…


Miguel Torga, Diário XIII





Sonatina lunar, poema para crianças de Mário Quintana

19 05 2015

 

 

noite, Yan Nascimbene casaNoite, ilustração de Yan Nascimbene.

 

Sonatina lunar

 

Mário Quintana

 

Os padeiros da lua
Derrubam farinha
Na noite retinta.
Quem ganha? É o chão
Que se pinta e repinta
De giz e carvão.
Rendilha de aranha
Na face encantada,
Moedinha de prata
Escondida na mão,
Minh’alma menina
Fugiu para a mata.
Meu coração
bate sozinho
no velho moinho
da solidão.
Até eu me fujo…
Eu sou o corujo,
Olhar enorme
Que nunca dorme.
Nana, nana
Nina, nina,
Alma menina…
E sonha comigo
Como eu era dantes!
Os padeiros da lua
Derrubam farinha…
O chão se repinta
De giz e carvão…
Sonha, Menina,
Na mata assombrada
Enquanto o moinho
Vai rangendo em vão.

 

Em: Apontamentos de história sobrenatural, Mário Quintana, Rio de Janeiro, Objetiva:2012





Quadrinha do pescador

12 05 2015

 

???????????????????????????????Bolinha e os meninos vão pescar.

 

Bem cedinho, o pescador,

No rio, foi apanhar

Esse peixe apetitoso

Que eu vou comer no jantar.

 

 

Em: 1001 Quadrinhas Escolares, Walter Nieble de Freitas, São Paulo, Difusora Cultural:1965

 





Quadrinha do andar na rua

8 04 2015

 

rua, Patópolis, calçada, homem lendo, crianças brincando,Rua de Patópolis, ilustração Walt Disney.

 

 

Quem atravessa a rua,

Lendo revista ou jornal,

Quando não encontra a morte,

Vai parar no hospital.

 

 

Em: 1001 Quadrinhas Escolares, Walter Nieble de Freitas, São Paulo, Difusora Cultural:1965





Quadrinha do Descobrimento

11 03 2015

 

caravelas portuguesas ao marCaravelas portuguesas ao mar, ilustração sem designação de autoria.

A esquadra que descobriu

A nossa Terra Natal

Partiu do Porto do Tejo,

Comandada por Cabral

 

 

Em: 1001 Quadrinhas Escolares, Walter Nieble de Freitas, São Paulo, Difusora Cultural:1965





Campestre, poesia de Zalina Rolim

28 10 2014

Aldo Bonadei - Paisagem - Óleo sobre placa - 1964 - 29 x 39 cmPaisagem, 1964

Aldo Bonadei (Brasil, 1906-1974)

óleo sobre placa, 29 x 39 cm

 

Campestre

Zalina Rolim

Longe da estrada, à beira do riacho

que molha os pés revoltos da colina,

vejo-lhe o teto enegrecido e baixo

e a cancelinha baixa e pequenina.

Da chaminé desprende-se um penacho

de fumo branco… Levemente inclina

as verdes palmas sobre o louro cacho,

do coqueiro frondoso, a aragem fina…

Faísca o sol. Do terreirinho à frente

galinhas, patos, debicando o milho,

batem as asas preguiçosamente.

Nenhum rumor de pássaros palpita,

e a roceirinha, adormecendo o filho,

canta lá dentro uma canção bonita.

Em: Criança Brasileira: quarto livro de leitura, Theobaldo Miranda Santos, Rio de Janeiro, Agir:1949, pp, 73-4

 





Caboclo Espirituoso, história contada em versos

1 09 2014

 

 

péChico Bento tem um pensamento desagradável, ilustração de Maurício de Sousa.

 

Caboclo Espirituoso

[de uma história contada por meus avós]

 

 

Walter Nieble de Freitas

 

 

“Nhô” Vicente, certo dia,

Montando o lindo alazão,

Foi fazer uma visita

Ao compadre Sebastião.

 

Cavalgou horas e horas,

Chegou ao entardecer:

Sua barriga roncava

De vontade de comer!

 

Ao vê-lo abrir a porteira,

“Nhô” Sebastião diz contente:

— Até que um dia compadre,

Você se lembrou da gente!

 

Apeie, vamos chegar.

Não repare na palhoça.

Como é que vai a comadre?

Vá entrando que a casa é nossa!

 

Tenho muito o que contar,

Sente-se aí no banquinho.

Você sabe que morreu

A mulher do Vadozinho?…

 

Também, a sogra do Zeca,

A jararaca mordeu:

A velha não sentiu nada

E a pobre cobra morreu!…

 

Sem perceber que a visita,

De fome quase morria,

“Nhô” Sebastião, na conversa,

Longas horas consumia…

 

“Nhô” Vicente paciencioso,

Tudo ouvia sem falar;

Porém, a sua barriga

Não parava de roncar!

 

Notando que seu amigo

Parecia nada ouvir,

Sentiu, o dono da casa,

Que o melhor era dormir.

 

Nesta altura, perguntou-lhe

Numa rural cortesia:

— O compadre lava os pés?

Vou mandar vir a bacia.

 

Respondeu-lhe “Nhô” Vicente,

— Isso não! de modo algum!

Acho muito perigoso

Lavar os pés em jejum.

 

 

Em: Barquinhos de papel, poesias infantis de Walter Nieble de Freitas, São Paulo, Editora Difusora Cultural: 1961, pp: 75-78.





Milagres, poesia de Domingos Pellegrini

27 06 2014

Natureza morta, 2008

Florêncio [Carlos José dos Santos] (Brasil, 1947)

óleo sobre tela, 60 x 80 cm

Milagres

Domingos Pellegrini

O milagre da uva

virar vinho

e o vinho virar

vinagre

O milagre da flor

virar semente

e a semente virar

uma baita árvore

O milagre das pedras

sua lenta vida

rocha virando areia

E o milagre dos astros

o universo tecido

de órbitas e estrelas.

Em: Gaiola aberta: 1964-2004, Domingos Pellegrini, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil: 2005





As palavras, poesia de Eugênio de Andrade

21 05 2014

 

 

Leitura no jardim, Norman Price, St_ Nicholas 1917-05Leitura no jardim, ilustração de Norman Price, capa da revista St. Nicholas, maio de 1917.

 

 

As palavras

 

Eugênio de Andrade

São como cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?