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![Boris Kustodiyev_bolshevik](https://peregrinacultural.com/wp-content/uploads/2012/01/boris-kustodiyev_bolshevik.jpg?w=510&h=370)
O bolchevista, 1920
Boris Kustodiev (Rússia, 1878-1927)
Óleo sobre tela, 101 x 141 cm
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Estou lendo as memórias de Irene Popow, publicadas em 2011 pela Editora Objetiva, que levam o título Adeus Stalin!. Ainda não terminei a leitura — tenho o hábito de ler 4 a 5 livros ao mesmo tempo — mas ressalto aqui uma passagem interessantíssima, com o objetivo de contrabalançar a atual discussão sobre o legado de Luís Carlos Prestes, cuja controvérsia sobre a doação de seus bens a família parece até fomentar para que o líder comunista não caia no esquecimento. Resolvi citar essa passagem de Irene Popow por achá-la necessária para contextualizar, em perspectiva histórica, um período importante na nossa história.
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“Tenho um sentimento misto de admiração e inveja cada vez que ouço ou leio que, durante o nazismo de Hitler, 6 milhões de judeus foram mortos. Admiração porque os judeus conseguem manter viva a lembrança das atrocidades nazistas através de filmes, livros, artigos, palestras, exposições. Não deixam ninguém esquecer. Todos, na ponta da língua, sabem: 6 milhões de judeus morreram por ordem de Hitler. Inveja porque os russos e os ucranianos não o fazem: não divulgam que 30 milhões de conterrâneos morreram vítimas do comunismo de Stalin. Raríssimas vezes se fala ou se escreve a respeito.
Dez milhões de ucranianos morreram durante a Segunda Guerra, e cerca de 2,3 milhões foram levados para campos de trabalho forçado na Alemanha (dois terços de todos os eslavos deportados). Com o fim do conflito, muitos não quiseram voltar para a União Soviética e emigraram para vários países. Minha família veio para o Brasil, mas a maioria seguiu para o Canadá e os Estados Unidos. O Ukranian Canadian Research & Documentation Center, com sede em Toronto, lamenta que, dos 300 mil imigrantes ucranianos, apenas dois gravaram depoimentos em vídeo sobre os campos de concentração de trabalhos forçados Ostarbeiterlager (Campo de Trabalhadores do Leste), na Polônia, e nenhum sobre o Holodomor.
No entanto, existem dezenas de milhares de relatos feitos por judeus sobre suas vivências nos campos de extermínio. Jorge Mautner, que nasceu no Brasil, deu um intrigante título ao seu livro autobiográfico O Filho do Holocausto.
É ou não para ter admiração e inveja?
Ao mesmo tempo, fico irritada com a crescente glorificação de Olga Benário e Luís Carlos Prestes, que aumentou após o livro de Fernando Morais e o filme de Jayme Monjardim. Ambos são muito bons. Porém, uma obra com qualidade estética considerável sobre Hitler ou Stalin não justifica o enaltecimento desses líderes.
Olga, judia alemã e filiada ao Partido Comunista, revolta-se contra o nazismo e a perseguição ao seu povo, foge para a Rússia e abraça o comunismo de Stalin. Mas ela ignora – o talvez apoie – a perseguição do dirigente soviético aos milhões de inimigos do povo. Prestes, que mora em Moscou desde 1931, é treinado com Olga para liderar uma revolução armada no Brasil.
Não acredito que os dois estivessem alheios ao que acontecia na União Soviética. Posteriormente, devido à Cortina de Ferro e ao isolamento absoluto, foi possível esconder a existência do muro de Berlim. Entretanto, era quase inconcebível ignorar os milhões de mortos pelo Holodomor e pelos expurgos de Stalin, que era de conhecimento de toda a população soviética. O mesmo comunismo que Olga e Prestes queriam implantar no Brasil. Eles então chegam ao Brasil em 1934, fiéis ao lema “Os fins justificam os meios”. A tentativa fracassa e os dois são presos.
Porém, nada justifica a decisão da ditadura de Getúlio Vargas de entregar Olga, grávida, à morte nos campos de Hitler. Nada faz dela uma heroína tampouco. A glorificação do casal é bem diferente da de Anne Frank, judia alemã também morta num campo nazista. Seu diário foi traduzido para dezenas de línguas. A casa em Amsterdã, onde se escondeu com os parentes durante a guerra e na qual registrou suas anotações, virou merecidamente um museu.”