A descoberta da América, 1959
Salvador Dali (Espanha, 1904-1989)
óleo sobre tela, 410 x 284 cm
Museu de Salvador Dali
São Petersburgo, Flórida, EUA
A descoberta da América, 1959
Salvador Dali (Espanha, 1904-1989)
óleo sobre tela, 410 x 284 cm
Museu de Salvador Dali
São Petersburgo, Flórida, EUA
Auto-retrato com “L’Humanité”, 1923
Salvador Dali (Espanha, 1904-1989)
Técnica mista sobre papelão, 105 x 75 cm
Dali Teatro-Museu, Figueres
© Fundação Gala-Salvador Dali
Guillaume Apollinaire
Caligrama
Quando se menciona a palavra surrealismo poucos, hoje, pensam na literatura ou na poesia. O que passa pela cabeça são os relógios derretidos de Salvador Dali ou os homens com chapéu coco e uma maçã no rosto de René Magritte. Vivemos em um mundo mais influenciado pela imagem gráfica do que pela palavra escrita. No entanto, o surrealismo foi um movimento estético primeiramente literário, fundado por André Breton, um romancista e pintor por surrealiadade e batizado pelo poeta Guillaume Apollinaire (1880-1918), pai da poesia concreta.
Lembrei-me da importância de Apollinaire durante a leitura de Nadando de volta para casa, de Deborah Levy, porque parte do poema do poeta francês Il pleut [Chove] (imagem acima) tem papel importante e simbólico na narrativa. O poema como podemos ver tenta imitar no papel, com as palavras de seu corpo, as gotas de chuva caindo.
[Chovem vozes de mulheres como se estivessem mortas mesmo na recordação
Chovem também encontros maravilhosos da minha vida ó gotículas
E estas nuvens empinadas começam a relinchar um universo de cidades mínimas
Escuta se chove enquanto a mágoa e o desdém choram uma música antiga
Escuta caírem os elos que te retém em cima e embaixo]
Guillaume Apollinaire, como o personagem do romance mencionado acima, era polonês, Wilhelm Albert Włodzimierz Apolinary Kostrowicki, e adotou o nome Guillaume (tradução para o francês de Wilhelm) Apollinaire (afrancesamento de um de seus sobrenomes). Nascido na Itália, imigrou para a França onde se tornou importante intelectual; inventou o termo surrealismo e, semelhante às sibilas da antiguidade, profetizou o uso da precisão na digitação de um texto, ou poema, pelos novos meios de reprodução: o cinema e o fonógrafo .
Apollinaire foi o primeiro a usar o termo surrealista publicamente em 1917 na sua peça teatral em dois atos e um prólogo, Les Mamelles de Tirésias, drame surréaliste [As tetas de Tiresias, drama surrealista]. O termo se tornou popular imediatamente. [Mais tarde, em 1947, com permissão de Mme Apollinaire, viúva do poeta, Francis Poulenc inaugurou a ópera-bufa do mesmo nome, com libreto de Apollinaire, e figurinos de Erté.]
Mas a maior influência de Apollinaire foi e é ainda na poesia concreta. Foi a publicação de Calligrammes, em 1918, que o levou a ser considerado o pai da poesia concreta moderna e a dar o nome a uma classificação inteira de poemas (caligramas) cujas palavras formam uma imagem com significado relativo ao seu conteúdo: Caligramas, Poemas de Paz e Guerra, 1913-1916.
O Caligrama [combinação de duas palavras: caligrafia e telegrama] é fruto da fascinação de Apollinaire com o telégrafo sem fio, sobretudo com contribuição do francês Émile Baudot, que em 1874, inventou uma máquina que transformava os sinais telegráficos de modo automático, em caracteres tipográficos. Apollinaire definiu seus caligramas como uma idealização do verso livre. Era poesia com precisão de digitação, usando novos meios de reprodução.
Guillaume Apollinaire foi ainda influente na gestação de outros movimentos das artes plásticas como o Futurismo, Cubismo e Orfismo. Mas nada que se comparasse ao poder de previsão que ele demonstrou em sua famosa palestra, “L’Esprit Nouveau et les Poétes,” [O novo espírito e os poetas] de novembro de 1917, quando incitou outros poetas a abraçarem a inovação e previu que a poesia do futuro seria inventiva e surpreendente. O dia chegaria em que poetas iriam brincar com seus versos, e teriam a habilidade de combinar palavras com imagens.
A título de curiosidade, em 1917, Apollinaire morava no bairro de Montparnasse em Paris e contava entre seus amigos e atendentes dessa palestra Pablo Picasso, Gertrude Stein, Marie Laurencin e Marcel Duchamp, todos ainda longe dos louros que receberiam mais tarde, como pensadores culturais da modernidade.