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A New York Review of Books de domingo passado trouxe um artigo de James Gleick [Wikipedia’s Women Problem] sobre o sistemático desaparecimento dos nomes femininos das listas de escritores americanos, na Wikipedia. Melhor explicando: alguém, ou mais de uma pessoa, estava editando a Wikipedia, retirando cuidadosamente os nomes de mulheres das listas de escritores americanos em geral e passando esses mesmos nomes para uma lista específica de ‘Escritoras Americanas Mulheres’. Ou seja, as escritoras do sexo feminino não seriam encontradas na lista titulada ‘Escritores Americanos’, mas unicamente na lista ‘Escritoras Mulheres Americanas’, como se uma nota em separado, como se houvesse dois pesos e duas medidas. Haveria então um “teto de vidro” ou uma separação de qualidade nas listas encontradas na Wikipedia? Aparentemente sim. Houve é claro uma grande reação a respeito do assunto.
Esse incidente traz ao debate a questão se em algumas áreas ainda se faz necessária a separação das conquistas femininas daquelas feitas por homens. A discriminação contra o sexo feminino se fez por quase toda a história da humanidade. O estudo em separado das conquistas femininas foi essencial para descobrirmos valores esquecidos, para dar às mulheres exemplos dignos de serem seguidos, nas carreiras profissionais que escolhem. A introdução da mulher educada no mercado de trabalho, característica do século XX, quando a mulher ganhou também o controle da natalidade, abriu uma enormidade de questões relacionadas à identidade e a auto-estima para mais da metade da população mundial. Essas novas circunstâncias que trouxeram poder de controle para cada mulher sobre como gostaria de construir sua vida, fizeram necessária uma total reconsideração da história e reavalições direcionadas exclusivamente às mulheres.
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Foi justamente por causa desses estudos femininos que pudemos descobrir pintoras como Artemisia Gentileschi e Lavínia Fontana; escritoras como Charlotte Perkins Gilman e Kate Chopin [ é interessante lembrar que ainda no século XIX, mulheres de talento se sentiam na obrigação de se esconder sob cognomes masculinos para poderem ser publicadas, como aconteceu com George Sand ( Amandine Aurore Lucile Dupin) e George Elliot — (Mary Ann Evans)]. Por que seria importante descobrirmos esses valores? Porque as novas gerações, de mulheres, essas que tomam conta de suas próprias vidas, como qualquer outro ser humano, precisam de exemplos em que se mirar, de sentir que fazem parte de um todo, de uma comunidade, de uma continuidade. Deixar obscuro o passado de pessoas exatamente como elas seria roubá-las de um contexto histórico universal.
Mas recentemente, quando foi anunciada a lista dos livros finalistas para o prêmio Woman Prize for Fiction [ex-Orange Prize] a restrição, a ênfase no gênero dos escritores concorrentes, me pareceu anacrônica. Seria ainda necessária tal segmentação na literatura? Parecia, na minha opinião, que já estávamos alguns passos além dessa questão. Dei uma olhadela rápida nos premiados dos últimos 25 anos do Man Booker Prize e encontrei 9 prêmios para escritoras, sendo que desde 2000 as mulheres ganharam 4 vezes (Hilary Mantel levando o prêmio duas vezes). O resultado é pobre. Sim, ainda precisamos dar estímulo às mulheres. Porque somos mais da metade da população mundial. Se considerarmos todos os autores finalistas para o mesmo prêmio as estatísticas mudam. Um pouco. As mulheres ainda não chegam a ser metade dos autores finalistas. A cada ano são seis autores finalistas. De 2000 para 2012 então tivemos 72 nomeações, das quais só 24 autoras diferentes sendo que quatro delas Hilary Mantel (2), Sarah Waters (3) Ali Smith (2) e Margaret Atwood (2) foram nomeadas mais de uma vez. Mas estamos progredindo.
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É um erro comum vermos a Wikipedia como autoridade máxima do saber, atribuir a ela a mesma correção de dados que assumimos haver numa Enciclopédia Britânica ou num Larousse. Não é. É diferente. É um conquista, sem dúvida. Se eu não acreditasse nela, não seria uma contribuinte ocasional para o seu conteúdo. Gosto de saber que ela democratiza o conhecimento, fato importante para países como o Brasil em que a educação formal é precária mesmo nos grandes centros urbanos. Ela democratiza porque a educação, o conhecimento, é uma barreira à ascensão social. Mas aconselho a todos que a consultem de verificar por outros meios a veracidade dos fatos lá listados, pois há erros. Não poucos. Alguns significantes. E há também preconceitos.
Por exemplo, a Wikipedia em português com entradas no Brasil tem um viés de esquerda na escolha de verbetes comum nos meios universitários locais. Basta, por exemplo, vermos o verbete sobre Fidel Castro onde apesar de uma substancial página com diversas informações, em nenhum local, em absolutamente nenhum parágrafo, descreve-se o sistema de governo implantado em Cuba e não se faz referência à falta de eleições no país. E se clicamos no link Anticastrismo, vemos pérolas tais como “Segundo os anticastristas, Castro converteu Cuba numa ditadura, onde as liberdades fundamentais são negadas (inclusive o direito de associação e expressão).” Yoani Sánchez, a blogueira que nos visitou recentemente, cubana, moradora da ilha, educada pelo regime Castrista teria grande dificuldade em reconciliar o verbete sobre Fidel Castro com o que sabe ser a realidade de seu país; assim como a dúvida gerada na descrição do anticastrismo da falta de liberdade de expressão em Cuba, inferindo a existência de um preconceito, essa mesma blogueira teria dificuldade em aceitar tendo tido sua liberdade posta em risco, mais de uma vez, justamente por tentar exercer esse direito.
Assim, usar as informações da Wikipedia deve ser feito com cautela. Como no resto do mundo digital, fica o aviso: todo cuidado é pouco. Examine, procure outras fontes.