O cachorrinho REBELDE, pivô de protestos extremistas?

7 07 2008

Hoje passei um pouquinho de tempo procurando informações sobre a população muçulmana no Brasil.  É difícil achar números concretos.  De acordo com o governo brasileiro, o censo de 2000 encontrou 27.239 seguidores de Alá.   Para os muçulmanos brasileiros estes números são muito baixos, muito aquém do 1.500.000 [um milhão e meio] de muçulmanos, mantido pela Federação Islâmica Brasileira.  
Ai que sono!

Ai que sono!

 

Mas de qualquer forma, com a população brasileira em volta dos 200.000.000  [duzentos milhões]  a proporção de muçulmanos no Brasil não chega a 1%.  Isto nos deixa bastante acomodados quando vemos tumultos na Europa entre muçulmanos e não-muçulmanos, quer seja na Alemanha, Rússia, França ou Inglaterra.  Por temperamento nós brasileiros somos bastante acomodados.  E não esquentamos muito nossas cabeças com diferenças de crença.  Todo mundo aqui é da PAZ.  Mas acredito que temos que nos conscientizar sobre alguns problemas que andam pululando na Europa e que levam a atitudes difíceis de entender.  

 

Este preâmbulo é simplesmente para colocar em contexto o porquê da minha atenção a um caso pequenino na Escócia que manteve os jornais britânicos com repetidas manchetes, nesta primeira semana de julho.  À primeira vista, tudo parece se desenvolver numa realidade paralela.  Se não, vejamos:

 

A polícia da cidade de Dundee na Escócia queria popularizar um novo número de telefone para casos que não fossem de emergência.   Mandou imprimir um cartão postal, reproduzido aqui abaixo, em que um cachorrinho de seis meses de idade, um filhote de pastor alemão, batizado de REBELDE numa visita que a polícia levou o mascote à uma escola local para as crianças escolherem seu nome,  aparece sentado sobre um quepe policial, ao  lado de um bem tradicional telefone amarelo.  Este postal foi  mandado pelos Correios para todas as residências da cidade.  REBELDE imediatamente se tornou um líder de atenção no site da polícia na internet.  A cidade de   Dundee, quarta maior cidade da Escócia, não é muito grande.  Tem uma população de aproximadamente 150.000 pessoas dentro dos limites da cidade e mais 380.000 no condado de Tayside. 

 

 

Cartão postal da Pol�cia de Tayside, Escócia.

Cartão postal da Polícia de Tayside, Escócia.

 

Qual não foi a surpresa da polícia de Tayside ao se saber o centro de uma grande controvérsia por causa deste postal.  Os muçulmanos de Dundee, estão para a população local mais ou menos na mesma proporção que os cidadãos brasileiros seguidores de Alá estão para a população brasileira não islâmica.  Ou seja, aproximadamente 7.500 pessoas ou 0,5% da população local.  Eles podem ser uma minoria mas se formos seguir o que os jornais nos contam conseguiram fazer muito barulho, rejeitando o cartão postal anunciando o novo telefone.  No final da semana, a polícia de Dundee se retratou publicamente perante a população.

 

Antes de se pensar em: por quê?  É importante lembrar em que país isto acontece.  Em que canto do mundo há esta revolta contra a imagem de um cachorrinho?  Onde mesmo este evento está sendo levado tão a sério?   A Escócia.

 

Cachorrinho Feliz!

Cachorrinho Feliz!

 

 

 

 

Já morei num país de maioria muçulmana.  Confesso, no entanto, que minha estadia na Argélia, não me ensinou que cachorros são animais impuros e nunca tive a sensação ou a indicação de que os muçulmanos que conheci detestavam cachorros.  E nem que  a imagem deles não poderia entrar em suas casas.   Estou surpresa.   Muito surpresa!  Mas, reconheço que são muitas as proibições corânicas e, mais importante ainda,  que nem todos os muçulmanos são iguais.  Para citar um exemplo: a família saudita Wahabi tem criação dos cachorros Saluki ou Galgo Persa, que não só estão entre os mais antigos cachorros do mundo — a raça parece ter aproximadamente 7.000 anos — mas há 2.500 anos fazem parte da vida diária dos beduínos, que também o conhecem como uma “dádiva de Alá”.

 

Ao que tudo indica a consideração de que cachorros são impuros é uma novidade para os jornais britânicos que sem mencionarem em maior detalhe as restrições aos animais impostas pelo Corão, acreditam que tanto os muçulmanos Suni quanto os Xiita consideram o cachorro um animal impuro e obedecem cegamente às seguintes regras:

 

 a)      Um cão pode ser usado para a caça.  É importante lembrar que para os muçulmanos a caça só é válida para ser consumida.  A caça pelo prazer da caça não é permitida pelo Corão assim como não é permitido matar, abusar ou retirar qualquer animal de seu habitat. 

 

b)       Um cão pode ser treinado como cão-guia.  Uma pessoa cega,  por exemplo, depende de um cachorro para a sobrevivência.  É recomendado que o animal durma fora de casa.

 

c)      Um cão pode ser usado para serviços policiais.

 

d)     Um cão pode ser usado como cão-guarda, protetor de casa e propriedade.

 

e)      Um cão pode ser usado por pastores para manter o gado restrito.

 

 Mas um cão não pode ser um animal de estimação, porque não é um animal limpo.  Esta restrição é baseada no fato de cães serem animais que se lambem, que colocam suas bocas em qualquer lugar.  Porque a maior proibição está ligada à saliva destes animais.

 

No Corão, Maomé foi explicito quanto à proibição de contato com a saliva dos cães.  Caso um muçulmano venha a ter contato com esta saliva, é importante que o lugar do corpo afetado seja lavado sete vezes, a primeira das quais deve ser com areia ou terra.  Nos dias de hoje é possível substituir a primeira lavagem por sabão antibactericida.  Ou seja, não se pode manter um cãozinho dentro de casa como um animal de estimação.   Mas ainda há um elemento de irrealidade nesta confusão toda, pelo menos na repercussão nos jornais.

 

Não me cabe debater ou interpretar leis religiosas de quem quer que seja.   Mas com as restrições acima mencionadas – que reconheço estarem simplificadas – fica a dúvida: o que queria esta população muçulmana na Grã-Bretanha?  O que esperava atingir?  Por que fazer este protesto? 

 

Os muçulmanos na Grã-Bretanha são em grande parte imigrantes das antigas colônias britânicas.  Estas famílias poderiam até ser recém-chegadas – o que não é o caso —  mas, já saberiam as diretrizes culturais da Escócia antes de se estabelecerem lá.  Sabem que por lá o cachorro é considerado “o melhor amigo do homem”.  Seria muita ingenuidade imaginar que estivessem tentando mudar a sociedade em que vivem.  Ou, ainda mais mirabolante, convertê-la ao islamismo. 

 

Alguns comentaristas britânicos acreditam que é simplesmente uma demonstração de poder de uma minoria que se diz cada vez mais sem voz, sem presença na sociedade.  Sendo constantemente apontada como suspeita de provável crime de terrorismo só por seguir a religião de Maomé.   Mas a maioria dos muçulmanos em Dundee é de comerciantes, donos de pequenos negócios, vindos do Paquistão e de Bengladesh.  Estes povos são conhecidos por não gostarem de cachorros.  Até certo ponto têm justa causa, dadas as condições sanitárias existentes no interior destes países.  

 

Então temos que considerar se este noticiário não faz parte do estado emocional do povo britânico que parece encontrar em qualquer imigrante o perigo do terrorismo.  Há também a necessidade que cada cidadão parece sentir de dar a sua contribuição para a solução do terrorismo no país e no mundo.  Isto tudo adicionado a um verão sem grandes eventos e à necessidade de manchetes que vendam jornais: temos as condições ideais para súbito histerismo cultural.  

 

Porque, à medida que lemos o noticiário, tudo o que parece ter sido feito foi a simples recusa dos comerciantes muçulmanos de colocarem os cartões avisando do novo número da polícia à mostra para sua clientela.  E daí, que eles se recusem a mostrar o postal com o cachorrinho?  Qual é o problema?  Como diz Paul Jackson no seu blogue BLOVIATOR, estes comerciantes são donos de seus armazéns, podem colocar ou não nas paredes o que quiserem.  

 

Cachorrinho faminto.  Ilustração de Paula Becker.

Cachorrinho faminto. Ilustração de Paula Becker.

 

 

 

 

A polícia por sua vez já pediu desculpas, o que provavelmente não teria feito caso os jornais não tivessem aumentado fora de proporções o “ultraje” muçulmano.

 

Na verdade há noticias de que muitos muçulmanos de Dundee só ficaram sabendo da rejeição ao postal da polícia, através dos jornais.  E estão tão chocados com este caso quanto outros cidadãos britânicos não-muçulmanos.  Então, por que exagerar a importância do protesto dos poucos muçulmanos que se recusaram a expor a foto de REBELDE aos seus clientes?

 

A conseqüência desta semana de disparates sobre o cãozinho REBELDE será maior distanciamento dos muçulmanos.  Suas crianças certamente enfrentarão problemas nas escolas publicas.  Mais vizinhos desconfiarão de seus vizinhos com sotaques estrangeiros.  A imprensa só conseguiu exacerbar a polarização racial e religiosa na Escócia.  Todos perdem.

 

 





Você conhece os 10 mais importantes intelectuais de 2008?

2 07 2008

 

A revista inglesa Prospect, fundada em 1995, tem feito jus ao seu slogan: “a conversa inteligente da Grã-Bretanha”.  Sempre apresenta uma faceta diferente da visão mundial e gosto de seguir suas reportagens.  Junto com a revista Foreign Policy, a Prospect  faz de tempos em tempos uma enquête para descobrir quem seus leitores consideram ser os 100 maiores pensadores da atualidade.  A última tomada de pulso foi em 2005 quando Noam Chomsky, professor de Linguística  no MIT, foi o primeiro colocado.  Seguido de Umberto Eco, escritor, crítico e professor de semiótica em segundo lugar e por Richard Dawkins, eminente zoólogo, professor da Universidade de Oxford.  Seguiram-se Vaclav Havel, escritor e dramaturgo, Christopher Hitchens,  jornalista e crítico literário, Paul Krugman, economista e jornalista,  Jürgen Habermas, filósofo e sociólogo,  Amartya Sen, economista laureado com o Nobel, Jared Diamond,  biólogo evolucionário, fisiologista, biogeógrafo e Salman Rushdie, escritor.  Estes foram os dez primeiros colocados há três anos. 

 

Quando a revista fez a mesma enquête este ano, ficou surpresa ao receber mais de meio milhão de votos, e mais ainda com o resultado da pesquisa.  A lista publicada agora, no mês de julho, mostra que os nomes dos 10 mais votados são todos de intelectuais muçulmanos.   Os organizadores logo procuraram saber se havia um hacker atrás da votação, e que tipo de campanhas haviam sido montadas e para que nomes.   E é claro que o vencedor deste ano, Fethullah Güllen, escritor, pensador e filósofo Suni, teve uma grande campanha por votos dentro da Turquia, a partir de maio quando Zaman o jornal de maior circulação no país e associado ao movimento de Güllen, publicou que havia esta competição para pensadores influentes.   Como explica Tom Nuttal em uns dos artigos deste mês na revista, antes de publicarem a lista, Prospect e Foreign Policy se certificaram da validade dos votos e das campanhas existentes.

 

 

  

 

 

 

 

 

 

Fethullah Güllen

Veja: 

https://peregrinacultural.wordpress.com/2008/07/16/fethullah-gulen-%E2%80%93-quem-e-o-intelectual-n%C2%B0-1-do-mundo/

 

https://peregrinacultural.wordpress.com/2008/08/12/muhammad-yunus-quem-e-segundo-mais-votado-intelectual/

 

  

 

Houve campanhas a favor de Mario Vargas Llosa, de Al Gore, Gary Gasparov, para dar alguns nomes, mas nenhuma delas vingou.  Provavelmente porque nenhuma destas campanhas teve a disciplina entre seus seguidores de manter o interesse pela votação vivo e a disciplina de arrecadar votos, que os seguidores de Güllen tiveram.  Cada eleitor poderia sugerir 5 nomes.  Mesmo assim, como é amplamente explicado em considerações sobre a lista, nenhuma campanha, poderia justificar o posicionamento de 10 muçulmanos entre os maiores e mais influentes pensadores do momento. 

 

O que estamos testemunhando, como diz Tom Nuttal, é a emergência de um novo tipo de intelectual, aquele que tem uma grande corrente de amigos e seguidores, que podem ser facilmente mobilizados.  Entre os nomes que apareceram entre os 10 mais votados estão também Yusuf al-Qaradawi, Amr Khaled .  Yusuf al-Qaradawi que já tinha aparecido na lista em 2005, subindo da posição 56 para a 3ª colocação e  Amr Khaled religioso muçulmano e produtor de programas televisos, que entrou na lista este ano, obtendo a 6ª posição.  Ambos seguidores próximos de Güllen com campanhas angariando votos, bem organizadas no Facebook.  Muhammad Yunus, economista e banqueiro em Bangladesh e Shirin Ebadi, advogada e ativista sobre direitos humanos no Iran, foram ambos agraciados com o Nobel da Paz e também tiveram bastante sucesso.

 

Os outros nomes entre os 10 mais votados em 2008 são: o escritor Orhan Pamuk;  Aitzaz Ahsan, advogado, membro da Suprema Corte do Paquistão e ativista em direitos humanos;  Abdolkarim Soroush o filósofo,  Rumi estudioso; Tariq Ramadan professor universitário e pensador muçulmano e Mahmood Mamdani, antropólogo e sociólogo,

 

A lista completa dos 100 mais votados se encontra aqui.  Em parênteses a colocação de cada um na enquête de 2005.  Asterisco significa que esta é a primeira vez que esta pessoa está sendo citada. 

 

 

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