Resenha: O jovem, de Annie Ernaux

13 02 2025

Le quai des brumes

Francine van Hove (França, 1942)

óleo sobre  tela

 

 

Fazer resenha de alguns parágrafos sobre o livro O jovem de Annie Ernaux, com tradução de Marília Garcia [Fósforo: 2022] é mostrar que apesar de poucas páginas — um conto? — há pelo menos algo de mais sólido a ser observado sobre essa leitura.  Estou aos poucos cobrindo a obra de Annie Ernaux, volume por volume.  Não porque ela tenha sido recipiente do Nobel de Literatura 2022.  Não tenho o hábito de ler toda a obra de quem ganha o Nobel.  Mas sua prosa é de grande sensibilidade e a forma de autobiografia ficcionalizada,– sempre considero que qualquer biografia é ficção –, tem me atraído nos últimos tempos, também pela interação de história com memória. 

A linha narrativa deste minúsculo volume é simples: uma mulher de uma certa idade, tem um parceiro amoroso muito mais jovem do que ela.  O rapaz tem idade para ser seu filho.  Nas últimas décadas esse parece ser um acontecimento mais comum, menos escondido.  Vemos na mídia, com alguma frequência, senhoras envolvidas amorosamente com rapazes jovens.  Tinha impressão de que essa desigualdade de idades, com o perfil desse casal, fosse corriqueiro na França, mas, pelo visto, na época de Annie Ernaux, esse não era o caso.

 

 

O que me surpreendeu nessa história  foi perceber que a mulher, pelo menos nesse caso, acaba com atitudes e posicionamentos que vemos na descrição de homens mais velhos que mantêm relacionamentos com mulheres que, pela idade, poderiam ser suas filhas.  Não sei porque, eu achava que seria diferente: estava errada.  Nesse conto, a mulher (Annie) se sente superior ao rapaz e fada madrinha, dando ao jovem acompanhante oportunidade de viagens por diferentes cidades europeias, estadias e refeições em lugares luxuosos, ao mesmo tempo observando para si mesma e muitas vezes de maneira crítica,, gestos e maneirismos que lhe desagradam.  Ao mesmo tempo, sua exposição à penúria da vida do estudante, e aos métodos que ele usa para combater a falta de dinheiro, trazem para a narradora memórias de sua própria juventude.  Mas não há afeto.  É um estranho passeio sem emoção pela juventude da própria autora.

 

Annie Ernaux

A conclusão sobre o comportamento da mulher nessa memória fica a cargo do leitor.  Apesar de ser uma parte independente das outras obras de Annie Ernaux dessa volumosa autobiografia, acho um gesto de marketing fazer essa publicação em separado.  Talvez traga o benefício de apresentar a autora a um publico maior, que não queira investir tempo na leitura.  Mas suas outras obras, publicadas pela mesma editora podem muito bem preencher essas demandas, pois são livros de rápida leitura e poucas páginas. 

 

NOTA: este blog não está associado a qualquer editora ou livraria, não recebe livros nem incentivos para a promoção de livros.





Minutos de sabedoria: T. S. Eliot

30 04 2019

 

 

 

 

Corregio St Catherine Reading (c.1530-2). Antonio Allegri Correggio (Italian, 1489-1534). Oil on canvas. The Royal CollectionSanta Catarina lendo, c. 1530-32

Antonio Allegri Correggio (Itália, 1489-1534)

Óleo sobre tela

The Royal Collection, Grã Bretanha

 

 

“Só os que se arriscam a ir longe demais são capazes de descobrir o quão longe se pode ir.”

 

T. S. Eliot

 

 

MV5BNGY3MDY5MzMtMzY0ZS00YzIyLWEzYTEtOWY4NzZmMmQ2MGJiL2ltYWdlL2ltYWdlXkEyXkFqcGdeQXVyMTc4MzI2NQ@@._V1_UY317_CR17,0,214,317_AL_T. S. Eliot (1888 – 1965)

 





Sobre a cultura: Mário Vargas Llosa

12 12 2016

 

 

marita-pena-mora-peru-1968-mulher-lendo-com-pavao-ostMulher lendo com pavão

Marita Peña Mora (Peru, 1968)

óleo sobre tela

 

 

“A cultura pode ser experimentação e reflexão, pensamento e sonho, paixão e poesia e uma revisão crítica constante e profunda de todas as certezas, convicções, teorias e crenças. Mas não pode afastar-se da vida real, da vida verdadeira, da vida vivida, que nunca é a dos lugares-comuns, do artifício, do sofisma e da brincadeira, se  risco de se desintegrar. Posso parecer pessimista, mas minha impressão é de que, com uma irresponsabilidade tão grande como a nossa irreprimível vocação para a brincadeira e a diversão, fizemos da cultura um daqueles castelos de areia, vistosos mas frágeis, que se desmancham com a primeira ventania.”

 

 

Em: A civilização do espetáculo, Mário Vargas Llosa, Rio de Janeiro, Objetiva:2013, página 67.





Resenha: “A Casa das Belas Adormecidas”, Yasunari Kawabata

31 07 2015

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roario mangaRosario Mangá.

 

Meu grupo de leituras da internet abriu uma discussão sobre a obra do autor Yasunari Kawabata, ganhador do Nobel em 1968. Neste grupo discutimos autores.  Todas as obras. Cada um menciona aquela obra que conhece.  E a conversa rola, através das semanas. Eu havia lido dois livros de Kawabata, Mil Tsurus, em 2009 e Kioto não me lembro quando.  Havia gostado, mas não havia lido a obra que parece encantar a um número enorme de críticos: A Casa das Belas Adormecidas.  Por isso mesmo pouco participei da discussão. Ainda mais, que descobri que as Belas Adormecidas haviam inspirado Gabriel Garcia Marquez ao escrever Memórias de Minhas Putas Tristes, outro livro que nunca li. Senti-me portanto mais ou menos na obrigação de considerar a leitura dessa obra de Kawabata.

Contrária à opinião da maioria dos leitores, não gostei de A Casa das Belas Adormecidas. De fato, cheguei a me forçar a ler essa até a última página, tal foi o meu repúdio ao romance — que nada mais é do que um conto! Concordo com muitos que a linguagem, mesmo em tradução, é sensível.  Concordo também que o personagem principal, um senhor de 67 anos, que tem a oportunidade de divagar sobre a vida passada, relembra-a de maneira quase poética. Mas isso não foi suficiente para me agradar.

 

 

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O problema com a obra: ter que aceitar a mulher tratada como coisa, em um nível de sofisticação muito além do imaginável. A mulher objeto ainda mais desumanamente abusada: jovens de carne e osso que têm o papel de bonecas de borracha, existindo unicamente para dar prazer a homens velhos, impotentes. O abuso – são drogadas a tal ponto que dormem pesadamente a noite toda e não sabem o que acontece com seus corpos drogados – é de um requinte malicioso que me impediu de julgar serenamente o texto. Talvez à época de sua publicação, 1961, esse aspecto da trama não fosse tão censurável quanto hoje.  Mas hoje é impossível que esse, ou um ato semelhante, possa ser tratado de maneira tão banal, que seja aceito sem uma rigorosa e visceral rejeição.  Como não há um personagem que se oponha a esse abuso, e como as meninas não sabem o que lhes acontece e portanto não podem fugir, nem reclamar, o leitor se vê psicologicamente alinhado ao homem que desfrutará desse abuso, o leitor se vê como cúmplice de uma ação que despreza.

 

kawabataYasunari Kawabata

 

Reconheço que Yasunari Kawabata tinha em primeiro lugar a intenção de dissertar sobre masculinidade, sobre a impotência como consequência da velhice, sobre a frustração e a humilhação sofridas por aqueles que vivem muito além dos anos de fertilidade, dos anos de proezas sexuais.  Mas hoje, esses assuntos provavelmente seriam abordados de maneira diferente.  Não é uma questão de ser politicamente correto.  É que a moral mudou nos últimos cinquenta anos.  É isso.