Pensando sobre imigração e emigração *

25 07 2008

 

 

Neste ano em que comemoramos o centenário da chegada dos imigrantes japoneses no Brasil é interessante ver o que está acontecendo no Japão de hoje, em termos de crescimento populacional.  Para que isto não pareça só um caso do Japão vou primeiro mencionar cinco tendências demográficas mundiais, que não podemos deixar de reconhecer.  Elas certamente afetarão as nossas vidas, mesmo aqui no Brasil, nem que indiretamente.  Vale lembrar: estima-se que atualmente a população do nosso planeta esteja por volta de 6.200.000.000 (seis bilhões e duzentos milhões).

Monobloco em Copacabana, 2007.

Monobloco em Copacabana, 2007.

 

 

 

 

Cinco tendências demográficas mundiais.

 

A migração de povos de um continente para o outro só deve aumentar nos próximos 50 anos.   Há 5 tendências demográficas mundiais que colocarão em cheque todas as medidas contra e a favor da migração de certos povos para longe de suas terras natais, assim como, colocarão maior pressão numa educação de qualidade para qualquer família, estado ou país  que queira que seus cidadãos tenham a chance, a possibilidade de melhorarem relativamente de status social.  As pressões se farão sentir também no meio ambiente, na medicina mundial, na produção de alimentos. 

 

Vejamos estas tendências:

 

1 – Europa e Ásia envelhecem: Itália, Espanha e Japão, por exemplo, têm taxas de natalidade baixas.  Itália e Espanha: 1,3 crianças por mulher;  o Japão, 1,2 .   Isto é muito abaixo dos 2,1 filhos por mulher considerados necessários para a manutenção de qualquer população, sem crescimento.  Em 2050, ou seja, em 40 anos, a população destes países acima dos 60 anos representará 39% na Itália e na Espanha e 44 % no Japão.    Estas mudanças são muito sérias e afetarão tanto o sistema de saúde como o de aposentadoria nestes países.

 

2 – A África continua com crescimento populacional sem limites.  Mulheres que vivem em países pobres e mulheres que não receberam muita educação têm a tendência de ter maior número de filhos.   De acordo com projeções das Nações Unidas, a Etiópia por exemplo, crescerá muito até 2030 e a Uganda terá mais habitantes em 2040 do que toda a população da Alemanhade hoje.  A fome deve aparecer ainda mais violenta nestes países e no continente africano em geral.  O crescimento populacional desordenado está concentrado principalmente na Nigéria, Congo e Eritréia.  Além destes países, Burkina-Faso, Angola, Uganda, Somália, Libéria terão suas populações triplicadas até meados deste século, ou seja nos próximos 40 anos.  

 

3 – A AIDS acabará com 9% da população em idade de trabalho na região do Sub-Saara.  São 23 países africanos que devem perder entre 9 e 10% de suas populações em idade produtiva.  Infelizmente esta tragédia, é o único freio populacional efetivo nas populações africanas. [ World Population Prospects – The 2002 Revision, 2/ 2003]

 

4 – Faltam mulheres na Ásia.  Por uma preferência cultural por filhos homens, a China e a Índia, sofrerão ainda mais do que sofrem hoje com um desequilíbrio populacional extremamente preocupante: China: 18 homens para cada mulher.  Índia: 12 homens para cada mulher.   Em 2020, ou seja, daqui a 12 anos, haverá 30 milhões de homens em idade produtiva sem poderem se casar.  Na Ásia, os países cujas populações mais crescem são:  Índia, Paquistão, China, Indonésia.

 

5 – O sul emigra para o norte.  As populações mais pobres do norte e do sul da África migrarão para os países mais ricos, ao norte do Equador:  Estados Unidos e países da Europa serão seus alvos.   Note-se que a população hispânica nos EUA, se continuar a crescer nos níveis em que cresce hoje, deve representar 24% da população em 2050.

 

As conseqüências óbvias destes problemas são: maior pobreza – nível de vida baixando nestes países de grande crescimento populacional, maior índice de analfabetismo.  Faltará alimentos e faltará água.  Não haverá como manter um nível mínimo de saúde publica sem intervenção de fora.  Problemas ambientais, já em níveis perigosos só aumentarão. 

 

Veneza, Itália.  Praça deserta.  Foto Marilynn.

Veneza, Itália. Praça deserta. Foto Marilynn.

 

O curioso caso do Japão mostra o que os países com decréscimo populacional enfrentarão.   O declínio demográfico do Japão já estava previsto há tempos.   A curiosidade é que ele já é o país com a maior população acima de 65 anos: 20%.   Simultaneamente, tem a menor população jovem do mundo, só 14% de japoneses estão com idade abaixo de 15 anos.  Seu índice de reprodução é um dos mais baixos do  mundo: 1,3 por mulher em idade fértil.  Hoje com 127.700.000 de habitantes, espera-se que tenha 121.100.100 em 2025, ou seja uma diminuição de 8.000.000 em 17 anos.   Desde 2005 que o Japão tem mais mortes do que nascimentos.

 

O ministério da Saúde do Japão desde 2005 não deixa de alertar aos japoneses as drásticas conseqüências econômicas para o país destes números:  o crescimento econômico ficará parado; o peso das aposentadorias apoiado na população ativa causará uma baixa nos salários para poder financiar as aposentadorias.  

 

As causas destes números de esvaziamento populacional são muitas, mas entre elas estão as mulheres se casando cada vez mais tarde, as mulheres se recusando ao antigo modelo familiar de permanecer em casa sem o privilégio de uma carreira e o custo de uma família numerosa ser muito elevado alem de precários meios de apoio à guarda das crianças quando as mães trabalham fora de casa.  Outra curiosa conseqüência do esvaziamento populacional é o aumento de emprego para pessoas acima de 60 anos.  Há empresas como, por exemplo, a Mystar 60, que não emprega ninguém com menos de 60 anos de idade.

 

Há dois caminhos para o Japão e outros países com a Itália e a Espanha que provavelmente serão usados simultaneamente:  1) criarem uma melhor condição de apoio às mulheres que trabalham fora, para assim poderem aumentar de novo a população nativa. Esta é uma solução  2) abrir as portas para a imigração: esta solução seria a maneira mais rápida de contornar os problemas imediatos.  Esta solução, no entanto, nem sempre é bem-vinda.  Não necessariamente por preconceito.  Mas porque para que a Europa possa manter o nível de crescimento populacional em simples reposição, ou seja, 2,1 filhos por mulher, seria necessário que sua população fosse aumentada de pelo menos 500.000.000 de pessoas.  Ou seja, os nativos, os espanhóis, italianos, irlandeses e outros seriam minorias em seus próprios rincões.

 

Financial Times

Milhões de chineses parados na volta das férias. Foto: Financial Times

 

Será que ainda mais brasileiros estarão migrando para o Japão?  A emigração brasileira continuará e provavelmente aumentará.  Principalmente se não educarmos melhor os nossos cidadãos, se não providenciarmos meios de boa sustentabilidade de empregos.  Infelizmente, o que espera a maioria dos brasileiros lá fora, não só hoje, mas no futuro, são de fato os pequenos trabalhos, os trabalhos manuais, serviçais, de baixo conhecimento, de baixo nível intelectual.  Estaremos exportando, como muitos países da África e do Oriente mão de obra não qualificada.  Esta realidade não é muito atraente, ainda mais quando levamos em consideração que para mão de obra não qualificada, competimos com orientais, africanos e outros latino-americanos que trabalham e trabalharão felizes por muito menos dinheiro que nós.   Este é um problema sério a ser enfrentado hoje.  Não amanhã, ou no futuro.  Suas conseqüências são muito mais imediatas do que imaginamos.

 

* os dados mencionados aqui vieram das ONU, da pesquisa feita pela revista americana, Foreign Policy, em setembro de 2007 e  pelo IBGE.   Todos dados de livre acesso online.





Dia do Imigrante: 25 de junho

26 06 2008

Domingos Eduardo Lopes, cerca 1910

            Domingos Eduardo Lopes, cerca 1915.

Talvez por ter vivido muitos e muitos anos fora do Brasil, as questões relativas aos imigrantes são sempre de grande valor para mim.  Não importa de que terra você venha e para que terra você vá.  Há sempre alguns temas que são perpétuos: uma saudade imensa, um inexplicável vazio preso a um lugar que já não existe.  Um lugar que deixou de existir como o lembramos.  Diferente da morte de um familiar, o exílio, quer seja voluntário ou não, é a morte de um contexto, é a morte de uma identidade.  E, a não ser que o imigrante seja extremamente flexível, raramente voltará a ter um lar.  Não me refiro aqui a uma casa de alvenaria, mas ao sentimento de lar, de conforto íntimo, que é uma chama dentro de nós e que quando vivemos onde nascemos ela consegue se expressar, se refletir no nosso ambiente.  Para um imigrante, ela vive quase apagada, queimando devagarinho no peito.  Um imigrante sempre traz dentro de si um lugar intangível, dolorido, que contém uma essência daquilo que ele é e que jamais demonstra.

 

Sou a favor da imigração.  Acho por exemplo que o Brasil pode e deve receber mais imigrantes do que recebe.  E como vivi muitos anos nos EUA conheço de perto o enriquecimento cultural que os imigrantes trazem consigo.  É fenomenal.

 

Na procura de saber mais do único avô imigrante que tive, nos anos que morei em Portugal, procurei pela aldeia em que ele nasceu:  aldeia de Canavezes, na região de Valpaços.  Ele saiu de lá aos 11 anos, chegando ao Brasil, acompanhado de sua mãe viúva que vinha se encontrar com o único sobrinho, já radicado no Brasil. Chegaram aqui no ano da Proclamação da República, 1889.  Ainda tenho comigo todos os seus documentos.  Seu passaporte.  Nunca mudou de nacionalidade.  Nasceu português e assim morreu em 1946.  A ele vai esta homenagem hoje.  Não o conheci.  Nem ele me conheceu.  Mas tenho profundo orgulho deste menino que saiu de um lugar perdido no mundo, (porque se foi difícil chegar a sua aldeia em 1989, cem anos antes deveria realmente ter sido uma viagem inacreditável a saída de lá para o Brasil).    Eu me orgulho daqueles dois, mãe e filho, que vieram para o Brasil para uma vida melhor.

 

Quando visitei a igreja de Canavezes, eu, que nem posso me considerar uma pessoa religiosa, me ajoelhei e agradeci aos céus que protegeram minha bisavó Júlia e meu avô Domingos, naquela aventura da imigração.  Porque não tivessem eles saído de lá, que futuro seus filhos teriam tido?  Poderiam seus filhos ter-se tornado engenheiros, químicos industriais e físicos como o fizeram?  Não.  Eles não teriam tido esta oportunidade.  Lembro-me de ter-me emocionado muito neste vilarejo em 1989.  Foi um dos poucos lugares em Portugal onde tive contato direto com o analfabetismo adulto.  A procura de talvez algum parente ainda, bati em portas, aqui e ali. Um grupo de pessoas se lembrava de alguém com a combinação de nomes que tínhamos, pergunta lá e acolá, num instante a aldeia toda sabia da nossa existência.  Nisso um casal nos convidou para sua casa e lá, depois de termos chegado à conclusão de que os seus parentes não poderiam ser os nossos, pediram que lêssemos uma carta. Ela chegara há anos, mas há muito tempo não a ouviam de novo.   Foi uma lição.

 

Então fica aqui o meu testemunho, o meu orgulho e agradecimento a esta corajosa bisavó e a seu filho, este avô de Trás-os-montes,  este avô a quem devo os cabelos louro-escuros e talvez a pele clara dos celtas.  Talvez,  porque entre os meus bisavós, aí sim, ainda tenho mais imigrantes. De oito bisavós, seis são desta mesma região: norte de Portugal (Minho e Trás-os-montes) e Galícia.  Mas esta é uma outra história. 

 

Que os imigrantes sejam bem vindos!  Êta gente corajosa!