TERMINEI A LEITURA!
Marcel Proust
1° volume: Em busca do tempo perdido!!!
São sete volumes. Considerada a obra de ficção mais importante do século XX. Você já leu?
TERMINEI A LEITURA!
Marcel Proust
1° volume: Em busca do tempo perdido!!!
São sete volumes. Considerada a obra de ficção mais importante do século XX. Você já leu?

Natureza morta com violino, flauta doce, partituras e frutas, 1725
Jean-Baptiste Oudry (França, 1686-1755)
óleo sobre tela, 63 x 77 cm
Coleção Particular
“Há no violino — quando não se vê o instrumento e não se pode ligar o que se ouve à sua imagem, coisa que modifica a sonoridade — acentos que lhe são tão comuns com certas vozes de contralto, que se tem a ilusão de que uma cantora veio juntar-se ao concerto. Erguemos os olhos e só vemos as caixas dos violinos, preciosas como estojos chineses, mas, por um momento, ainda nos iludimos com o enganoso apelo da sereia; às vezes também se julga ouvir um gênio cativo que se debate no fundo da sábia caixa, enfeitiçada e fremente, como um diabo numa pia d’água benta; ou então é no ar que o sentimos, como um ser sobrenatural e puro que passasse desenrolando a sua invisível mensagem.”
Marcel Proust, em: No caminho de Swann, volume I da obra Em busca do tempo perdido, Marcel Proust, tradução de Mário Quintana.
O homem com monóculo, 1918
Amedeo Modigliani (Itália, 1884-1920)
óleo sobre tela, 45 x 29 cm
Coleção Particular
“O monóculo do marquês de Forestelle era minúsculo, não tinha aro e, obrigando a uma crispação incessante e dolorosa o olho onde se incrustava como uma cartilagem supérflua cuja presença é inexplicável e a matéria rara, dava ao rosto do marquês uma delicadeza melancólica e fazia com que as mulheres o julgassem capaz de grandes penas de amor. Mas o do sr. de Saint-Candé, cercado de um gigantesco anel, como Saturno, era o centro de gravidade de um rosto que se ordenava a todo instante em relação a ele, cujo nariz fremente e rubro e o lábio carnudo e sarcástico procuravam, com os seus trejeitos, pôr-se à altura dos mutáveis reflexos de espírito com que fulgurava o disco de vidro, e era preferido aos mais belos olhares do mundo por mulheres esnobes e depravadas, a quem fazia sonhar com encantos artificiais e refinadas volúpias; enquanto, atrás do seu monóculo, o sr. de Palancy que, com a sua grossa cabeça de carpa, de olhos redondos, se deslocava lentamente no meio da festa, descerrando de instante a instante as mandíbulas como para procurar orientação, tinha o ar de apenas transportar consigo um fragmento acidental, e talvez puramente simbólico, do vidro do seu aquário, parte destinada a figurar o todo, que lembrou a Swann, grande admirador dos Vícios e das Virtudes de Giotto em Pádua, aquele Injusto ao lado do qual um ramo folhudo evoca as florestas onde se oculta o seu covil.
Em: No caminho de Swann, volume I da obra Em busca do tempo perdido, Marcel Proust, tradução de Mário Quintana.
Mesa de jantar, 1897
Henri Matisse (França, 1869-1954)
óleo sobre tela, 100 x 131 cm
Coleção Particular
Mas (sobretudo a partir do instante em que o bom tempo se instalava em Combray) muito depois que a hora altiva do meio-dia, descida da torre de Santo Hilário que ela armoriava com os doces florões momentâneos de sua coroa sonora, vibrava em torno de nossa mesa, junto ao pão bento, também chegado familiarmente da igreja, nós ainda nos deixávamos ficar sentados diante dos pratos das Mil e Uma Noites, adormentados pelo calor e principalmente pela refeição. Pois, ao fundo permanente de ovos, de costeletas, de batatas, de compotas, de biscoitos, que nem sequer nos anunciava mais, Françoise acrescentava — de acordo com os trabalhos dos campos e pomares, o fruto da pesca, as surpresas do comércio, as amabilidades dos vizinhos e seu próprio gênio inventivo, e de tal forma que nosso cardápio, como essas quatro-folhas que esculpiam no século XIII à entrada das catedrais, refletia de certo modo o ritmo das estações e os episódios da vida — um rodovalho, porque a peixeira lhe garantira que estava fresco, um peru, porque descobrira um esplêndido no mercado de Roussainville-le-Pin, alcachofras com tutano, porque ainda não as preparara dessa maneira, uma perna de carneiro assada, porque o ar livre dá apetite e teria tempo de “baixar” dentro de sete horas, espinafres para variar, damascos, porque constituíam ainda uma raridade, groselhas, porque dali a quinze dias não haveria mais, framboesas, porque o sr. Swann as trouxera expressamente, cerejas, por serem as primeiras que dava a cerejeira do quintal depois de dois anos de esterilidade, o requeijão de que eu tanto gostava outrora, um doce de amêndoas, porque o encomendara na véspera, um brioche, porque era nossa vez de “oferecê-lo”. Depois de tudo, feito expressamente para nós, mas dedicado em particular a meu pai, era-nos oferecido um creme de chocolate, inspiração e atenção pessoal de Françoise, fugaz e leve como uma obra de circunstância onde ela pusera todo o seu talento. Aquele que se recusasse a provar, dizendo: “Já terminei, não tenho mais fome”, ter-se-ia imediatamente rebaixado ao nível desses grosseiros que, até no presente que lhe faz um artista de uma obra sua, examinam o peso e o material, quando o que vale é a intenção e a assinatura. Deixar no prato uma gota que fosse, denotaria a mesma impolidez que se levantar a gente diante do próprio compositor, antes de terminada a audição.”
Em: No caminho de Swann, Marcel Proust, tradução de Mário Quintana.
Começaram hoje os encontros para leitura em grupo da obra de Marcel Proust Em busca do tempo perdido. Abrimos a leitura com o primeiro livro: No caminho de Swann. São sete volumes! Cobrimos as primeiras 15 páginas. Ou melhor chegamos à página 19. Estamos usando a tradução de Mário Quintana. E indo a fundo, parando para conhecer as referências que desconhecemos. Chegamos à conclusão que as sete pessoas (só cinco puderam participar hoje) ficarão amigas para o resto da vida. Porque nos encontraremos centenas de vezes para cobrir essa leitura. Mas que assim seja. Foi muito agradável. O entusiasmo foi grande. Somos de todo Brasil, estados do Maranhão, Pernambuco, Rio de Janeiro e Paraná.
Tapeçaria francesa pintada à mão.
“A meia altura de uma árvore indeterminada, um pássaro invisível empenhava-se em que fosse breve o dia, explorando com uma nota prolongada a solidão circundante, mas recebia desta uma réplica tão unânime, um contragolpe tão reduplicado de silêncio e imobilidade que dir-se-ia que ele acabava de parar para sempre o instante que procurava fazer passar mais depressa.”
Em: Em busca do tempo perdido, No Caminho de Swann, volume I, Marcel Proust, tradução de Mário Quintana, Rio de Janeiro, Editora Globo: 1981, 7ª edição, página 120
Combray, À procura do tempo perdido, por Stéphane Heuet. 1998
“Combray, de longe, por dez léguas ao redor, vista do trem, quando chegávamos na semana anterior à Páscoa, não era mais que uma igreja que resumia a cidade, representava-a, falava dela e por ela às distâncias, e, quando nos aproximávamos, mantinha aconchegados em torno de sua grande capa sombria, em pleno campo, contra o vento, como uma pastora às suas ovelhas, os lombos lanosos e cinzentos das casas reunidas que um resto de muralhas da Idade Média cingia aqui e ali num traço tão perfeitamente circular como uma cidadezinha num quadro de primitivos. Para morar, Combray era um pouco triste, como eram tristes as suas ruas, cujas casas, edificadas com as pedras escuras da região, precedidas de degraus exteriores e com seus telhados de beirais salientes que faziam sombra, eram tão escuras que, mal começava a declinar o dia, já era preciso erguer as cortinas nas “salas”; ruas de graves nomes de santos (vários dos quais se ligavam à história dos primeiros senhores de Combray), rua de Santo Hilário, rua de S. Tiago, onde ficava a casa de minha tia, rua de Santa Hildegarda, para onde davam as grades, e a rua do Espírito Santo, para onde se abria o portãozinho lateral de seu jardim; e essas ruas de Combray existem num local tão recôndito da minha memória, pintado a cores tão diferentes das que agora revestem para mim o mundo,que na verdade me parecem todas, bem como a igreja que as dominava na praça, ainda mais irreais que as projeções da lanterna mágica; e em certos momentos me parece que poder atravessar ainda a rua de Santo Hilário, poder alugar um quarto na rua do Pássaro — a velha hospedaria do Pássaro Ferido, de cujos suspiros saiam um cheiro de cozinha, que intermitente e cálido, ainda sobe por momentos em minha lembrança — seria entrar em contato com o Além de um modo mais maravilhosamente sobrenatural do que se me fosse dado conhecer a Golo e a conversar com Genoveva de Brabante.”
Em: Em busca do tempo perdido, No Caminho de Swann, volume I, Marcel Proust, tradução de Mário Quintana, Rio de Janeiro, Editora Globo: 1981, 7ª edição, página 48