Mulher lendo
Gilles Sacksick (França, 1942)
Acabo de ler Segredo de Justiça, a nova coletânea de crônicas da juíza Andréa Pachá. Gostei tanto deste volume quanto do anterior. Esse também é de fácil leitura, grande entretenimento e como no primeiro volume virei a última página e fiquei com uma sensação de otimismo pelo futuro, coisa rara cá pelas minhas bandas.
Após a leitura do primeiro livro, A vida não é justa [Nova Fronteira: 2012] há dois anos, lembro-me de ter-me surpreendido com a criatividade das soluções encontradas no dia a dia pelos brasileiros comuns, antes mesmo dessas soluções serem testadas pelo sistema judiciário. Nessa segunda coletânea, há a mesma exuberância de soluções para o que nos aflige no cotidiano, mas minha reação foi diferente: fiquei estranhamente absorta, entregue à reflexão, considerando a disparidade entre os sonhos que trazemos conosco e possibilidade de suas realizações. Como na publicação anterior, essa coletânea de casos da vara de família mostra os seres humanos em momentos de grande fragilidade, e pelos olhos considerados da juíza, conseguimos aceitar comportamentos que, não fosse a maneira como são retratados, provavelmente não imaginaríamos aceitá-los tão prontamente. Andréa Pachá habilmente mostra a seus leitores um espelho, onde podemos ver de maneira nítida a reflexão dos nossos próprios preconceitos.
O sucessivo desfilar dos casos nessa coletânea me levou a alguns dias de recolhimento, à reconsideração de experiências minhas, de familiares e amigos próximos, aos divórcios, casamentos longevos, heranças, divisão de bens, orfandade, morte súbita e demais acontecimentos não programados, que presenciei em família ou através de amigos. Todos os casos são únicos e peculiares porque os participantes são indivíduos. E é nesses momentos que se vê as verdadeiras feições de cada um dos envolvidos e os princípios respeitados pelos familiares. Acabei dedicando algumas horas a repensar as soluções de que participei em horas críticas, por ocasião de luto, de divórcios, separações ou nascimentos fora do casamento, paternidade ou maternidade inesperadas, enfim, um leque inteiro de vivências inevitáveis no convívio de uma família e na pluralidade das soluções encontradas por aqueles que conheço. Dessa vez as crônicas de Andréa Pachá me pegaram em um momento diferente, produzindo muita reflexão, sobre o passado e trazendo um pouco mais de compaixão para os meus amigos, familiares e conhecidos, protagonistas desses eventos. Não há solução genérica, ideal e feliz, que agrade a todos os envolvidos em um divórcio, em uma guarda de menores ou de idosos, ou de qualquer outra crise familiar. Existe apenas “o melhor que se pode fazer naquelas circunstâncias”. Olhei com carinho e compaixão para os divórcios, heranças, e soluções encontradas após mortes súbitas na família. Nem sempre essas soluções foram do agrado de todos, mas certamente foram o que de melhor poderia ter sido feito em cada ocasião. Dar-se esse perdão, ter-se essa compreensão das águas passadas, não tem preço!
Andréa Pachá, foto: Fábio Seixo.
Recomendo a leitura dessas crônicas. Elas mostram o Brasil e os brasileiros de maneira diferente da que vemos na televisão e nos romances. Outra coisa que fazem, e muito bem, é mostrar um pouco de como a nossa justiça funciona. Diga-se que é estranho que através de filmes e de programas na televisão estejamos frequentemente mais familiarizados com o processo judicial americano do que com o brasileiro. São obras como esta que nos ensinam a função das decisões judiciais e como elas ocorrem por aqui. Uma verdadeira aula de civilidade dada de forma leve, divertida e ponderada.