Fethullah Gülen – quem é o intelectual n° 1 do mundo?

16 07 2008
Fethulah Gülen

Fethulah Gülen

Este é o primeiro da série de perfis das pessoas votadas como os maiores pensadores do mundo de hoje em pesquisa feita pelas revistas Prospect da Inglaterra e Foreign Policy dos EUA no primeiro semestre deste ano. 

O primeiro colocado foi o filósofo e líder religioso Fethullah Gülen. 

 Fethullah Gülen nasceu na Turquia. É um líder islamita que desde 1999 mora no estado da Pensilvânia, nos EUA, onde sua permanência até meados deste ano poderia ter sido considerada como um asilo político, já que, até então, encontrava-se acusado pelo Tribunal de Segurança da Turquia, por supostamente estabelecer uma organização cujo objetivo seria corromper a estrutura secular do governo e estabelecer uma sólida base corânica no país.  Mas, no dia 24 de junho de 2008, a Suprema Corte de Apelações rejeitou a objeção da Procuradoria Geral da Turquia à absolvição do intelectual.  Assim, absolvido, Fetullah Gülen poderá voltar à Turquia e ser recepcionado por seus muitos seguidores não só para comemorar a decisão da Suprema Corte, mas também a votação na pesquisa mencionada acima.

Não é de hoje que Gülen se tornou uma das mais influentes mentes muçulmanas no mundo, com milhões de seguidores, não só na sua terra natal, como em todos os países muçulmanos da Ásia Central à Indochina; da Indonésia à África.   Suas posições que levaram ao chamado Movimento Gülen, são baseadas em três dogmas: a advocacia da tolerância; a crença no diálogo e a procura sistemática da reconciliação entre os povos.  Sua incessante requisição para diálogo, tem-se tornado ainda mais urgente à medida que as comunicações internacionais se ampliam e o mundo torna-se a grande aldeia prevista pelo filósofo canadense Marshall McLuhan.   De acordo com Gülen os muçulmanos não podem, nem devem, construir uma identidade baseada em qualquer valor destrutivo, como o conflito e a confrontação.  Estes não estariam de acordo com os valores humanos e universais do Islã.

  

 
 

 

Freqüentemente mal compreendido, este movimento não se considera um movimento político ou ideológico.  Trabalha principalmente na ação social, próxima da filosofia sufi, e, como tal, é bastante diferente de todos os outros movimentos islâmicos.  Muito moderno, não faz parte de nenhuma ordem religiosa — numa definição, mais restrita, mais histórica da palavra — não é uma fraternidade e nem mesmo uma ordem sufi (uma tarica).  É um movimento que demonstra uma capacidade imensa de organização e um dinamismo em geral não associados ao Islã.  Estas características já germinaram respostas entusiasmadas no campo cultural e social.  Tolerância e relações amistosas entre diferentes comunidades são a demonstração, para muitos, de que o movimento Gülen pode ter sucesso.   Pregando a abnegação e o altruísmo, que na visão sufi de Gülen, fazem a essência da religião muçulmana, sua filosofia prega idéias bastante democráticas, considerando que os povos devem escolher seus governantes, ao invés de serem governados por uma autoridade superior.  Para Gülen, o indivíduo tem prioridade sobre a comunidade e cada ser humano deve ser livre para escolher seu próprio estilo de vida.

 

 

 

Mas este individualismo não é para ser levado a extremos.  O ser humano tem melhor qualidade de vida no seio de uma sociedade e para isto precisa adaptar seus desejos e sua liberdade aos critérios da vida social do grupo a que pertence.  Então aquele que quiser reformar o mundo deve primeiramente olhar para si próprio e se reformar, se remodelar.  É seu dever mostrar aos outros o caminho para um mundo melhor.

Rodopio Dervixe, de Maria Taurus, Unesco

Rodopio Dervixe, de Maria Taurus, Unesco

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Gülen diz que um dos problemas de se falar, hoje em dia, em cultura islâmica, vem da associação que muitos fazem do Islã a um sistema político. Quem vê o Islã como um sistema político, é quem precisa admitir que o que o leva a agir é uma raiva pessoal, até social, uma hostilidade, incompatível com o verdadeiro Islã.  Porque esta é uma religião que tem o ardor da verdadeira crença, uma forte essência espiritual e valores morais profundamente enraizados.  Estas qualidades que dão aos muçulmanos grande retidão de caráter permitem que eles possam absorver a supremacia científica, tecnológica, econômica e militar do ocidente, sem que estas os corrompam. O Islã, ele defende, trata da alma das pessoas, do que é sentida por dentro, como conseqüência, as vantagens materiais desenvolvidas pelo ocidente não poderiam corromper a verdadeira alma muçulmana.   Mas, alguns muçulmanos e políticos ao invés de verem o Islã como uma religião, fazem dele uma ideologia política, sociológica e econômica.  Esquecendo-se de que o muçulmano é aquele protege os outros contra o mal; de que é o verdadeiro representante da paz e da segurança. 

Por mais de 1400 anos o ocidente e os muçulmanos se combatem.  Agora, nesta aldeia global, é necessário que estes dois lados se entendam.  E que aceitem que o ocidente não conseguirá eliminar o Islã, assim como o Islã não conseguirá dominar o ocidente.   Ambos terão que fazer concessões.

 

 

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NOTA: O nome de Fethullah Gülen, também pode aparecer com dois “ll” como em Güllen.

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O cachorrinho REBELDE, pivô de protestos extremistas?

7 07 2008

Hoje passei um pouquinho de tempo procurando informações sobre a população muçulmana no Brasil.  É difícil achar números concretos.  De acordo com o governo brasileiro, o censo de 2000 encontrou 27.239 seguidores de Alá.   Para os muçulmanos brasileiros estes números são muito baixos, muito aquém do 1.500.000 [um milhão e meio] de muçulmanos, mantido pela Federação Islâmica Brasileira.  
Ai que sono!

Ai que sono!

 

Mas de qualquer forma, com a população brasileira em volta dos 200.000.000  [duzentos milhões]  a proporção de muçulmanos no Brasil não chega a 1%.  Isto nos deixa bastante acomodados quando vemos tumultos na Europa entre muçulmanos e não-muçulmanos, quer seja na Alemanha, Rússia, França ou Inglaterra.  Por temperamento nós brasileiros somos bastante acomodados.  E não esquentamos muito nossas cabeças com diferenças de crença.  Todo mundo aqui é da PAZ.  Mas acredito que temos que nos conscientizar sobre alguns problemas que andam pululando na Europa e que levam a atitudes difíceis de entender.  

 

Este preâmbulo é simplesmente para colocar em contexto o porquê da minha atenção a um caso pequenino na Escócia que manteve os jornais britânicos com repetidas manchetes, nesta primeira semana de julho.  À primeira vista, tudo parece se desenvolver numa realidade paralela.  Se não, vejamos:

 

A polícia da cidade de Dundee na Escócia queria popularizar um novo número de telefone para casos que não fossem de emergência.   Mandou imprimir um cartão postal, reproduzido aqui abaixo, em que um cachorrinho de seis meses de idade, um filhote de pastor alemão, batizado de REBELDE numa visita que a polícia levou o mascote à uma escola local para as crianças escolherem seu nome,  aparece sentado sobre um quepe policial, ao  lado de um bem tradicional telefone amarelo.  Este postal foi  mandado pelos Correios para todas as residências da cidade.  REBELDE imediatamente se tornou um líder de atenção no site da polícia na internet.  A cidade de   Dundee, quarta maior cidade da Escócia, não é muito grande.  Tem uma população de aproximadamente 150.000 pessoas dentro dos limites da cidade e mais 380.000 no condado de Tayside. 

 

 

Cartão postal da Pol�cia de Tayside, Escócia.

Cartão postal da Polícia de Tayside, Escócia.

 

Qual não foi a surpresa da polícia de Tayside ao se saber o centro de uma grande controvérsia por causa deste postal.  Os muçulmanos de Dundee, estão para a população local mais ou menos na mesma proporção que os cidadãos brasileiros seguidores de Alá estão para a população brasileira não islâmica.  Ou seja, aproximadamente 7.500 pessoas ou 0,5% da população local.  Eles podem ser uma minoria mas se formos seguir o que os jornais nos contam conseguiram fazer muito barulho, rejeitando o cartão postal anunciando o novo telefone.  No final da semana, a polícia de Dundee se retratou publicamente perante a população.

 

Antes de se pensar em: por quê?  É importante lembrar em que país isto acontece.  Em que canto do mundo há esta revolta contra a imagem de um cachorrinho?  Onde mesmo este evento está sendo levado tão a sério?   A Escócia.

 

Cachorrinho Feliz!

Cachorrinho Feliz!

 

 

 

 

Já morei num país de maioria muçulmana.  Confesso, no entanto, que minha estadia na Argélia, não me ensinou que cachorros são animais impuros e nunca tive a sensação ou a indicação de que os muçulmanos que conheci detestavam cachorros.  E nem que  a imagem deles não poderia entrar em suas casas.   Estou surpresa.   Muito surpresa!  Mas, reconheço que são muitas as proibições corânicas e, mais importante ainda,  que nem todos os muçulmanos são iguais.  Para citar um exemplo: a família saudita Wahabi tem criação dos cachorros Saluki ou Galgo Persa, que não só estão entre os mais antigos cachorros do mundo — a raça parece ter aproximadamente 7.000 anos — mas há 2.500 anos fazem parte da vida diária dos beduínos, que também o conhecem como uma “dádiva de Alá”.

 

Ao que tudo indica a consideração de que cachorros são impuros é uma novidade para os jornais britânicos que sem mencionarem em maior detalhe as restrições aos animais impostas pelo Corão, acreditam que tanto os muçulmanos Suni quanto os Xiita consideram o cachorro um animal impuro e obedecem cegamente às seguintes regras:

 

 a)      Um cão pode ser usado para a caça.  É importante lembrar que para os muçulmanos a caça só é válida para ser consumida.  A caça pelo prazer da caça não é permitida pelo Corão assim como não é permitido matar, abusar ou retirar qualquer animal de seu habitat. 

 

b)       Um cão pode ser treinado como cão-guia.  Uma pessoa cega,  por exemplo, depende de um cachorro para a sobrevivência.  É recomendado que o animal durma fora de casa.

 

c)      Um cão pode ser usado para serviços policiais.

 

d)     Um cão pode ser usado como cão-guarda, protetor de casa e propriedade.

 

e)      Um cão pode ser usado por pastores para manter o gado restrito.

 

 Mas um cão não pode ser um animal de estimação, porque não é um animal limpo.  Esta restrição é baseada no fato de cães serem animais que se lambem, que colocam suas bocas em qualquer lugar.  Porque a maior proibição está ligada à saliva destes animais.

 

No Corão, Maomé foi explicito quanto à proibição de contato com a saliva dos cães.  Caso um muçulmano venha a ter contato com esta saliva, é importante que o lugar do corpo afetado seja lavado sete vezes, a primeira das quais deve ser com areia ou terra.  Nos dias de hoje é possível substituir a primeira lavagem por sabão antibactericida.  Ou seja, não se pode manter um cãozinho dentro de casa como um animal de estimação.   Mas ainda há um elemento de irrealidade nesta confusão toda, pelo menos na repercussão nos jornais.

 

Não me cabe debater ou interpretar leis religiosas de quem quer que seja.   Mas com as restrições acima mencionadas – que reconheço estarem simplificadas – fica a dúvida: o que queria esta população muçulmana na Grã-Bretanha?  O que esperava atingir?  Por que fazer este protesto? 

 

Os muçulmanos na Grã-Bretanha são em grande parte imigrantes das antigas colônias britânicas.  Estas famílias poderiam até ser recém-chegadas – o que não é o caso —  mas, já saberiam as diretrizes culturais da Escócia antes de se estabelecerem lá.  Sabem que por lá o cachorro é considerado “o melhor amigo do homem”.  Seria muita ingenuidade imaginar que estivessem tentando mudar a sociedade em que vivem.  Ou, ainda mais mirabolante, convertê-la ao islamismo. 

 

Alguns comentaristas britânicos acreditam que é simplesmente uma demonstração de poder de uma minoria que se diz cada vez mais sem voz, sem presença na sociedade.  Sendo constantemente apontada como suspeita de provável crime de terrorismo só por seguir a religião de Maomé.   Mas a maioria dos muçulmanos em Dundee é de comerciantes, donos de pequenos negócios, vindos do Paquistão e de Bengladesh.  Estes povos são conhecidos por não gostarem de cachorros.  Até certo ponto têm justa causa, dadas as condições sanitárias existentes no interior destes países.  

 

Então temos que considerar se este noticiário não faz parte do estado emocional do povo britânico que parece encontrar em qualquer imigrante o perigo do terrorismo.  Há também a necessidade que cada cidadão parece sentir de dar a sua contribuição para a solução do terrorismo no país e no mundo.  Isto tudo adicionado a um verão sem grandes eventos e à necessidade de manchetes que vendam jornais: temos as condições ideais para súbito histerismo cultural.  

 

Porque, à medida que lemos o noticiário, tudo o que parece ter sido feito foi a simples recusa dos comerciantes muçulmanos de colocarem os cartões avisando do novo número da polícia à mostra para sua clientela.  E daí, que eles se recusem a mostrar o postal com o cachorrinho?  Qual é o problema?  Como diz Paul Jackson no seu blogue BLOVIATOR, estes comerciantes são donos de seus armazéns, podem colocar ou não nas paredes o que quiserem.  

 

Cachorrinho faminto.  Ilustração de Paula Becker.

Cachorrinho faminto. Ilustração de Paula Becker.

 

 

 

 

A polícia por sua vez já pediu desculpas, o que provavelmente não teria feito caso os jornais não tivessem aumentado fora de proporções o “ultraje” muçulmano.

 

Na verdade há noticias de que muitos muçulmanos de Dundee só ficaram sabendo da rejeição ao postal da polícia, através dos jornais.  E estão tão chocados com este caso quanto outros cidadãos britânicos não-muçulmanos.  Então, por que exagerar a importância do protesto dos poucos muçulmanos que se recusaram a expor a foto de REBELDE aos seus clientes?

 

A conseqüência desta semana de disparates sobre o cãozinho REBELDE será maior distanciamento dos muçulmanos.  Suas crianças certamente enfrentarão problemas nas escolas publicas.  Mais vizinhos desconfiarão de seus vizinhos com sotaques estrangeiros.  A imprensa só conseguiu exacerbar a polarização racial e religiosa na Escócia.  Todos perdem.