O encantador de serpentes
Josef Wind (Alemanha, 1864- 1898)
Mármore e bronze dourado, altura 83 cm
Coleção Particular

DETALHE
O encantador de serpentes
Josef Wind (Alemanha, 1864- 1898)
Mármore e bronze dourado, altura 83 cm
Coleção Particular
O encantador de serpentes
Josef Wind (Alemanha, 1864- 1898)
Mármore e bronze dourado, altura 83 cm
Coleção Particular

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O encantador de serpentes
Josef Wind (Alemanha, 1864- 1898)
Mármore e bronze dourado, altura 83 cm
Coleção Particular

Estátua equestre, século IX
Alemanha
Bronze com resquícios de folha de ouro, 25 cm de altura
Louvre, Paris
Karl Albert Buehr (Alemanha/EUA, 1866-1952)
óleo sobre tela colada em placa, 100 x 82 cm
Coleção Particular
Christian Arnold (Alemanha, 1889-1960)
Aquarela
Niceto Alcalà Zamora
Niceto Alcalà Zamora (1877-1949)
Leonid Afremov (Bielorússia/Israel, 1955)
óleo sobre tela
Coleção Particular
Acabo de ler o novo livro de Ronaldo Wrobel, O romance inacabado de Sofia Stern. Foi grande o prazer de reconhecer aqui o escritor que me encantara com Traduzindo Hannah há cinco anos. É reconfortante constatar que um autor de que gostamos inicialmente continua a produzir obras da qualidade e do interesse que percebemos anteriormente.
Sofia Stern é obra bem mais complexa e dinâmica. É narrada como um thriller. Ao final de cada capítulo uma questão, uma curiosa mudança de rumo, uma observação intrigante nos leva ao capítulo seguinte com ansiedade. Trata-se de uma aventura, iniciada no Brasil, por um brasileiro, morador de Copacabana que, esperançoso de ser recipiente de uma fortuna de milhões de euros, viaja com a avó nonagenária, imigrante de guerra, de volta à Alemanha, a fim de apresentar documentação para que ela seja considerada herdeira legal da cobiçada fortuna. No meio do caminho, conturbado e repleto de reviravoltas, como Ronaldo Wrobel já mostrou ser seu estilo narrativo, aprendemos muito sobre ele, ela, a família e a Alemanha de Hitler.
A Segunda Guerra Mundial é o tema mais importante e modelador das artes do século passado. Direta ou indiretamente ela molda até hoje a produção literária e artística mundial. Não haverá ficção literária, em número ou natureza, que possa transmitir a nós, gerações pós-apocalipse, o que foi uma guerra em que morreram quase sessenta milhões de pessoas, um pouco mais de 3% população mundial em 1940. Ronaldo Wrobel se encarrega, junto a outros, de nos lembrar disso. Precisamos saber para não esquecer, e jamais repeti-la. Mas talvez por estar duas gerações removidas da hecatombe, ele toma a liberdade de encará-la por ângulo diferente. Em seus livros, Hannah e Sofia Stern, Wrobel se concentra na vida dos que sobreviveram. Seu foco está nas histórias dos que tiveram vidas modificadas como consequência da guerra e nas estratégias que usaram para tornar suas vidas relevantes em outras circunstâncias. É o sobreviver que o atrai, que o fascina. Com fino humor, afiada observação do comportamento humano e muita pesquisa Ronaldo Wrobel tem feito, aos poucos, uma pequena revolução literária no país, abrindo a porta outrora fechada do bolorento recinto onde escritores brasileiros se abrigam. Ventilando o ambiente, ele se separa dos autores dedicados a publicações autorreferenciais e herméticas, escravas de modismos intelectuais, acorrentadas por programas político-sociais que passam por literatura.
Aqui não. Temos um texto ágil, inteligente, informativo, divertido que dá prazer de ser degustado. Até pouco tempo essas eram características inexistentes nas prateleiras das estantes nativas. A prova é que nossos leitores se debruçam mais sobre obras em tradução, concebidas no exterior, do que sobre as publicações nacionais que raramente consideram a existência de um público leitor inteligente, curioso e ávido por uma boa história. Ronaldo Wrobel nos dá exatamente o que faltava no horizonte literário brasileiro.
Ronaldo Wrobel
A produção literária de Wrobel o coloca num contexto maior do que a Segunda Guerra Mundial. Há, subjacente nos dois livros mais recentes do autor, temática sutil e relevante: a questão da identidade. Esse é um tópico explorado nos meios literários, amiúde, a partir da segunda metade do século XIX, quando a fome e a pobreza na Europa levaram milhares de imigrantes italianos, irlandeses, alemães e outros às terras do Novo Mundo. Mais tarde depois de cada uma das grandes guerras, um maior número de pessoas deslocadas habita novas terras, refazendo vidas. A identidade que desenvolvem é um tema de relevância que precisa ser aventado, hoje, quando multidões atravessam fronteiras impacientes para forjar nova vida em melhores circunstâncias.
Imediatamente após a imigração segue-se a questão de identidade. Todos os imigrantes passam por essa experiência e Wrobel não é alheio a isso. Escritores, ensaístas, como André Aciman e Amin Maalouf entre outros dedicaram-se a essa complexa questão. Não se trata só da língua, do país ou da cultura que se deixou para trás cair no esquecimento. Hábitos de aldeias que não mais se sustentam em novas realidades deixam um tremendo vazio na alma. Mas há, sobretudo, a necessidade de pertencimento ao país que abraçou o imigrante. O que o imigrante faz para se integrar ao novo mundo? E quais são, afinal, os sacrifícios para que os sonhos num novo horizonte se construam? Sem necessariamente abordar essa questão diretamente, Ronaldo Wrobel descreve para o leitor as diversas artimanhas que envolvem a nova vida. Lição importante para os dias de hoje.
Tema riquíssimo, o jogo de identidades desafia a compreensão de quem somos e de quem projetamos ser. Já no início do século XX Pirandello questionava a percepção da realidade em uma de suas mais conhecidas peças teatrais, Assim é se lhe parece (1917). Mas hoje, cidadãos de uma cultura global nos encontramos de hora em hora nos definindo e redefinindo, como fazem os astutos personagens de Hannah e de Sofia Stern. A cada avatar um novo nome, uma nova vida. Como disse Mia Couto: “A verdade é que nós somos sempre não uma mas várias pessoas e deveria ser norma que a nossa assinatura acabasse sempre por não conferir. Todos nós convivemos com diversos eus, diversas pessoas reclamando a nossa identidade.” [E se Obama fosse africano?: O planeta das peúgas rotas]. Assim segue O romance inacabado de Sofia Stern. Com uma variante que nos faz pensar ainda uma vez na questão de identidade, Ronaldo Wrobel se insere na narrativa ficcional. Ele é ao mesmo tempo personagem e narrador. Provavelmente só para mostrar que o jogo de identidades é universal. Este é um bom e sedutor livro que nos envia mais questões do que as levantadas aqui. Além de entretenimento de primeira ordem, o livro nos leva a considerar temas atuais sob uma nova perspectiva. Ronaldo Wrobel está de parabéns.
Recomendo a leitura sem quaisquer restrições.
As metamorfoses do dia, 1829, ilustração de Grandville.
No livro “Jokes and their relation to the unconscious”, Sigmund Freud explana sua teoria do humor como expressão do sublime. Sublime neste contexto tem o sentido de assombroso, supramundano, semelhante ao seu sentido na literatura gótica da virada do século XVIII para o XIX. Os surrealistas, quase cem anos atrás, usaram o conhecimento das teorias de Freud para justificar o que se convencionou chamar humor negro: a porta de entrada para o inconsciente. Um estudo sobre o surrealismo por Anna Balakian mostra que o humor negro era um canal para retratar uma realidade ou uma crise incompreensível. E é justamente assim, através de um humor de justaposições irracionais e de gosto duvidoso, que somos apresentados à realidade de Inge Lohmark, professora de biologia no Colégio Charles Darwin, na antiga Alemanha Oriental.
Inicialmente nos dobramos de rir ao perceber as comparações que Frau Lohmark faz entre o mundo animal e o comportamento de seus alunos. Baseando-se na teoria da evolução de Darwin, Inge Lohmark cativa a atenção do leitor, por explicar de modo claro, como o comportamento das crianças na sala de aula espelha aquele dos animais na eterna busca pela sobrevivência do mais forte. Aos poucos, no entanto, começamos a perceber o desequilíbrio emocional da mestra. A mudança é sutil. Só quando o leitor já se vê cansado das teorias de Lohmark sobre o mundo, ele percebe, de repente, que entrou no fluxo de pensamento dela, como se testemunhasse a escrita automática que André Breton e seus cúmplices do movimento surrealista advogavam.
O humor era entendido pelos surrealistas como uma crítica implícita aos mecanismos mentais convencionais. O conhecimento da obra de Freud lhes deu o ponto de partida para explorar o humor negro, ignorando a lógica como uma maneira de pensar, a fim de recuperar a verdade encontrada na percepção sensorial. Este parece ser mais ou menos o caminho escolhido por Judith Schalansky para levar avante esta obra da qual qualquer escritor que tivesse assinado o Manifesto Surrealista de 1924 se sentiria justificado. Humor, ironia, chiste são os recursos usados para que o véu que esconde a verdadeira natureza da professora de biologia seja levantado. E o que se encontra, pode não ser tão bonito assim.
Inge Lohmark é uma professora idosa, amarga, infeliz, que passa a narrativa ruminando sobre o sistema escolar na antiga Alemanha Oriental, lugar onde havia nascido, crescido e estudado. Suas ruminações são por vezes hilárias. Mas as mudanças vindas com a unificação do país se mostram difíceis de abraçar no âmbito profissional, político e pessoal. Sua interpretação baseada na sobrevivência das espécies que explica quase tudo à sua volta é inicialmente interessante, por ser inesperada, mas logo se torna cansativa. À medida que vislumbramos a solidão e amargura da professora, à medida que ela parece mais humana, a narrativa perde a força, ainda que se possa ver com maior claridade a inépcia de Frau Lohmark em se adaptar às mudanças que a vida requer. E o argumento, a crítica mordaz desencadeada pelas observações da mestra, perde força e claridade com o desenrolar da trama.
Judith Schalansky
Tenho a impressão de essa obra, essa crítica ao sistema escolar e ao ensino na Alemanha Oriental, pode ser repassada para outras escolas e sistemas de ensino em países diversos, mas não consigo deixar de sentir que esta narrativa é mais significativa para os alemães e talvez para alguns europeus. Há muito que se perde na mudança de uma cultura para a outra. É uma obra que qualquer escritor surrealista estaria feliz em ter assinado.
É um livro difícil de recomendar. Pode-se entender seu objetivo. Mas duvido da qualidade de sua mensagem para um público estrangeiro.