Sublinhando…

14 11 2022

Mulher

Armand Schönberger (Hungria, 1885-1974)

pastel sobre papel,  18 x 13 cm

 

“Como já mencionei, uma das teorias de minha mãe era que criança alguma deveria ter permissão de aprender a ler até os oito anos. Como essa teoria não foi cumprida por mim, tive licença de ler tanto quanto quis, e aproveitava todas as oportunidades para isso.  A sala de aulas,  como  era chamada , era um cômodo no último andar da casa, quase completamente forrado de livros.  Algumas das prateleiras eram dedicadas a literatura infantil: Alice in Wonderland [Alice no País das Maravilhas] e Through the Looking Glass [Através do Espelho]; os antigos, sentimentais contos vitorianos que já mencionei, tais como Our Little Violet [Nossa Pequena Violeta]; os livros de Charlotte Young, incluindo The Daisy Chain [A Corrente de Margaridas]; uma coleção completa, creio, de Henry, e, além disso, numerosos livros de estudo, romances, e outros tipos.  Eu lia indiscriminadamente, escolhendo qualquer livro que me interessasse, lendo, portanto, muita coisa que não entendia, mas que retivera minha atenção.”

 

Em: Autobiografia, Agatha Christiie, tradução de Maria Helena Trigueiros, Rio de Janeiro, Nova Fronteira:1979, pp. 97-8.





“Garden-parties” antes da Primeira Guerra Mundial, texto Agatha Christie

15 08 2022

Leitura de verão

John Michael Carter (EUA, 1950)

óleo sobre tela

 

 

“Os garden-parties antes de 1914 eram algo que merecia ser recordado. Todo mundo se vestia com muita elegância, de sapatos de salto alto, vestidos de musselina com faixas, grandes chapéus de palha italiana com rosas pendentes. Os sorvetes  eram deliciosos- de morango, de baunilha, de pistache, de laranja e de framboesa, à escolha — além de várias espécies de doces e de creme de leite, sanduíches, uvas moscatel, e de uma variedade de pêssegos sem penugem.  Desses pormenores deduzo que os garden-parties eram quase sempre dados no mês de agosto.  Não me recordo de servirem morangos com creme de leite.  É claro que não era fácil chegar ao porto.  Os que não dispunham de carruagem, se eram idosos ou inválidos, alugavam uma; a gente moça, porém, caminhava uma milha e meia ou duas milhas e vinha de diferentes pontos de Torquay; alguns tinham a sorte de morar perto, outros moravam bastante afastados, porque Torquay é construída sobre sete colinas. Não há dúvida de que caminhar por uma colina em cima de saltos altos, segurando a longa saia na mão esquerda, o chapéu de sol na direita, era uma provação.  Mas valia a pena ir ao Garden party.”

 

Em: Autobiografia, Agatha Christie, tradução de Maria Helena Trigueiros,  Rio de Janeiro, Nova Fronteira: 1979, p. 112

 

Uma festa de jardim, na França, c. 1900




Sublinhando…

8 08 2022

Leitura

Louis-Emile Adan (França, 1839-1937)

óleo sobre tela, 34 x 24 cm

 

 “As cozinheiras menos jovens eram  sempre tratadas por “senhora”. As outras empregadas deveriam ter nomes apropriados, tais como Jane, Mary, Edith, etc. Nomes como Violet, Muriel, Rosamund não eram considerados próprios, e então dizia-se firmemente a essas jovens: “Enquanto você estiver a meu serviço seu nome será Mary.” As empregadas quando de certa idade eram quase sempre tratadas pelo sobrenome.”

 

Em: Autobiografia, Agatha Christiie,, tradução de Maria Helena Trigueiros, Rio de Janeiro, Nova Fronteira:1979, p.32

 





Curiosidade literária

30 05 2022

Moça lendo, 1938

Pablo Picasso (Espanha, 1881- 1973)

óleo sobre tela, 69 x 55 cm

Detroit Institute of the Arts

Agatha Christie se inspirava e anotava detalhes de seus livros de mistério, enquanto comia maçãs na banheira de casa.





Amor Towles sobre Agatha Christie

9 05 2019

 

 

 

Ethel Porter Bailey (GB,1872-1944 ) - Reflection, ost

Reflexões, 1921

Ethel Porter Bailey (GB, 1872-1944)

óleo sobre tela

 

 

“Pode-se dizer o que quiser sobre a nuance psicológica de Proust ou sobre a extensão da narrativa em Tólstoi, mas não se pode negar o prazer que a Sra. Christie proporciona. Seus livros são tremendamente gratificantes.

Sim, eles são formalistas. No entanto, essa é uma das razões pelas quais eles são gratificantes. Com cada personagem, cada aposento, cada arma do crime dando a impressão de ser ao mesmo tempo algo novo e familiarmente rotineiro (o papel do tio pós-imperialista chegado da Índia sendo desempenhado aqui pela solteirona de Gales do Sul, e os suportes de livro que não combinam no lugar do vidro de veneno na última prateleira do barracão de ferramentas do jardim), a Sra. Christie distribui suas pequenas surpresas com o ritmo cuidadosamente calibrado de uma babá distribuindo balas para as crianças sob seus cuidados.

Mas acho que existe outro motivo para eles agradarem tanto – um motivo que é pelo menos tão importante, se não mais, que é o fato de que no universo de Agatha Christie todo mundo, no fim, recebe o que merece.

Riqueza ou pobreza, amor ou perda, uma pancada na cabeça ou a corda do enforcado, nas páginas dos livros dela, homens e mulheres, não importa sua idade, não importa seu nível social, são colocados cara a cara com o destino condizente. Poirot e Marple não são na verdade personagens centrais no sentido tradicional. Eles são simplesmente os agentes  de um complicado equilíbrio moral que foi estabelecido pelo Todo Poderoso no início dos tempos.”

 

Em: Regras de Cortesia, Amor Towles, tradução de Léa Viveiros de Castro, Rio de Janeiro, Rocco: 2012, p. 239.

 

NOTA: Nesta tradução,  de Léa Viveiros de Castro, logo na primeira frase do segundo parágrafo mostra a palavra “formulaic”  traduzida por formalista, quando na verdade, a melhor tradução teria sido formulaico, que vem de fórmula e não formalista cuja conotação é de seguir regras estritas.  Deve haver alguma razão para esta tradução, já que esta é uma das mais conhecidas tradutoras do inglês.  Noto isto porque li originalmente o texto em inglês e o anotei porque havia a rotulação das obras de Agatha Christie seguirem uma fórmula e me surpreendi com a tradução quando procurei essa passagem na edição brasileira.

 





O escritor no museu: Agatha Christie

17 12 2018

 

 

Agatha Miller as a Young Woman in Pink by Nathaniel Hughes John BairdAgatha Miller  [Agatha Christie] jovem

Nathaniel Hughes John Baird (GB, 1865 – 1936)

Óleo sobre tela

National Trust, Greenway House

 





Resenha: “Autobiografia”, Agatha Christie

21 11 2018

 

 

 

Bryce Cameron Liston, An Enchanting Tale, 2013, ost, 50 x 40 cmHistória fascinante, 2013

Bryce Cameron Liston (EUA, 1965)

óleo sobre tela, 50 x 40 cm

 

 

Muito me surpreendi com a Autobiografia da Agatha Christie.  Boa surpresa.  Esta é uma leitura feita por uma profissional da escrita: fácil de ler, interessante, repleta de informações pessoais, culturais e sobre hábitos da época.  Foram quase 600 páginas que me deixaram com gosto de quero mais.  Não é qualquer um  que consegue isso. Na virada de 2018 tomei decisão de ler mais livros de outros segmentos além de ficção/romance.  Ando interessada em memórias.  Gosto daquelas que colocam a vida do autor no contexto da época.  Esta é uma delas.

Neste livro, aprendi sobre costumes da época (virada do século XIX para o XX) que são interessantes de pontuar. Hábitos e maneira de pensar eram diferentes.  Uma das surpresas foi saber da existência de uma tal “carroça de banho de mar” que as mulheres na primeira década do século XX usavam.  Era realmente uma carroça, com rodas, e uma tendinha de madeira em cima para a troca de roupas.  Elas eram puxadas para um lugar mais fundo do mar para mulheres poderem nadar. Veja foto abaixo.  Eu já conhecia regras que circunscreviam os banhos de mar para mulheres, mas essa foi a primeira vez que soube desses carrinhos.

Há observações sobre o comportamento das mulheres que quero ressaltar. Em 1919, Agatha Christie teve um filha. Quando Rosalind está com dois anos e pouco, em 1922, Archie Christie, seu marido, tem oportunidade de trabalhar viajando por um ano de navio, através dos países que faziam parte da Commonwealth Britânica. Agatha não se estressa.  Deixa a filha com a mãe e a irmã e uma babá e vai viajar pelo mundo por um ano inteiro, por todas as colônias inglesas. Hoje, em pleno século XXI, a mesma classe média alta, pelo menos aqui no Brasil, ou até mesmo nos EUA, acharia estranha essa decisão.  Como?  Não ver sua única filhinha, tão pequenina por um ano inteiro?  Num mundo sem SKYPE, sem Whatsap, sem internet, sem a facilidade de telefonemas internacionais?

 

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Também é interessante notar que Agatha Christie é capaz de viajar sozinha através de muitos países.  Estamos falando de viagens antes da Segunda Guerra Mundial.  Sozinha.  Por que?  Porque quase todos os países por que passa são protetorados ingleses.  As leis inglesas protegiam essa mulher, que na Inglaterra da época já tinha bastante mais liberdade do que em outros cantos do mundo.  Se formos comparar com o presente, 2018, praticamente 100 anos depois das aventuras de Agatha Christie, nós mulheres, não podemos viajar sozinhas, como turistas, mala em punho, pela maioria dos países por onde ela passou no Oriente Médio.  Essa é uma diferença enorme.  Depois da independência desses países leis que restringem deslocamento de mulheres, baseadas no Alcorão ou em costumes locais,  deixaram de dar apoio a essa liberdade feminina.

O leitor tem também a oportunidade de descobrir que Agatha gostava bastante de esportes e com seu primeiro marido, esteve entre os primeiros europeus a praticar surfe em pé na prancha, quando nesta mesma viagem de 1922/23 estiveram no Havaí.  E numa época em que carros eram raros, ela já dirigia seu próprio.  No fundo, o que mais me surpreendeu nesta autobiografia foi perceber como ela foi uma mulher moderna.  Muito moderna. E com seu sucesso literário tomou para si o poder, o poder de decidir o que queria, de fazer o que queria, quando queria, sem dar satisfações.

 

young-agatha-christie-1926Agatha Christie, 1926

É claro que para os fãs de Agatha Christie ler sua autobiografia será interessante para conhecer que ideias apareceram em seus livros como resultado da própria vivência da escritora.  Curioso saber da surpresa dela com o próprio sucesso, e que, com o tempo, ela não se acanhava de fazer bom uso do dinheiro que lhe veio às mãos, comprando imóveis e remodelando-os.  Quando precisava de uma renda maior, para ajudar nas obras, para colocar mais uma viagem na agenda, Agatha Christie admite, sem pudor, que se sentava à mesa, para escrever um conto ou um romance que lhe trouxesse dinheiro.  Talvez seja por isso que conta mais de 80 títulos de sua autoria.

Outro aspecto que esquecemos quando falamos da Dama do Mistério é que ela também se sobressaiu na dramaturgia.  São dela as duas peças de teatro de maior sucesso no mundo, no século XX.  A ratoeira [The Mouse Trap], foi encenada, ininterruptamente desde 1952 até hoje. Testemunha de acusação [Witness for the prosecution] de 1953.

É difícil resenhar uma vida tão completa da escritora que mais vendeu livros no mundo, ficando em terceiro lugar, depois da Bíblia e Shakespeare. Calcula-se em 4 bilhões de exemplares.  Agatha Christie teve uma vida repleta.  Viveu bem e intensamente.  Deixou  80 livros policiais e de contos, 19 peças de teatro e 6 romances usando o pseudônimo Mary Westmoreland.  Suspeita-se que ainda haja outras obras com outra identidade.

 

bathing11Carroça de banho.

 

NOTA: este blog não está associado a qualquer editora ou livraria, não recebe livros nem incentivos para a promoção de livros.





Viajar, texto de Agatha Christie

11 08 2018

 

 

57c3db05b5c6338468f318c3d2b144f0Cartaz de viagens à América Central, década de 1920.

 

 

” A vida, na verdade,  assemelha-se a um navio — isto é, ao interior de um navio, com seus compartimentos estanques. Emergimos de um deles, selamos e trancamos as portas, e nos encontramos dentro de outro. Minha vida, desde que deixamos Southampton até o dia em que regressamos à Inglaterra, foi um desses compartimentos. Desde então sinto  sempre a mesma coisa em relação a viagens. Passamos de uma maneira de viver a outra. Decerto, continuamos os mesmos mas somos ao mesmo tempo diferentes. A nova personalidade desembaraçou-se das centenas de teias de aranha e fios que nos envolvem como um casulo na vida do dia a dia doméstico: cartas a escrever, contas a pagar, tarefas a cumprir, amigos que queremos visitar, fotografias para revelar, roupas para cerzir, nurses, e empregadas a aplacar, vendedores e lavanderias a censurar! A vida em viagem é da essência do sonho. É algo fora do normal e, no entanto, faz parte da nossa vida. Está povoada de pessoas que jamais havíamos visto e que, segundo todas as probabilidades, jamais veremos de novo. Pode acontecer, eventualmente, em viagem, algo aborrecido, tal como o enjoo e a solidão, a saudade de alguém a quem amamos muito, (…).  Mas nos sentimos como os vikings ou os mestres marinheiros da era elisabetana, que entraram num mundo de aventura,  e o lar só é lar quando regressamos.”

 

Em: Autobiografia, Agatha Christie, tradução de Maria Helena Trigueiros,  Rio de Janeiro, Nova Fronteira: 1979, p. 321.





Sobre a memória, Agatha Christie

9 08 2018

 

 

 

Fernand Toussaint - Profondément dans la penséeEm pensamento profundo

Fernand Toussaint (Bélgica, 1873-1956)

óleo sobre tela

 

 

“Que fatores governam a escolha das nossas recordações? Viver é como estar sentado num cinema. Clic! Aqui estou eu, criança ainda, comendo doces de creme no dia do meu aniversário. Clic!

. . . . . . .

São apenas momentos que nos chegam do passado — e entre eles imensos espaços vazios, de meses ou até de anos. Onde estamos então? Isso nos leva à pergunta de Peer Gynt: “Onde estava eu, eu próprio, o homem total, o homem verdadeiro?”

Jamais conhecemos o ser total, embora às vezes, com a rapidez do relâmpago, possamos conhecer o ser verdadeiro. Acho que a nossa memória nos apresenta momentos desses que, apesar de parecerem insignificantes, representam, no entanto, o verdadeiro ser interior e a pessoa como ela é em sua realidade.”

 

Em: Autobiografia, Agatha Christie, tradução de Maria Helena Trigueiros,  Rio de Janeiro, Nova Fronteira: 1979, página 13.

 

NOTA DA PEREGRINA: Peer Gynt é um personagem de Ibsen da peça musical em 5 atos, do mesmo nome, apresentada pela primeira vez em 1876 e musicada por Edvard Grieg.

Como fica claro em suas memórias, Agatha Christie é fã incondicional do teatro.

 

 

 





Lendo: “Autobiografia” de Agatha Christie

8 08 2018

 

 

DSC03893Autobiografia

Agatha Christie

Rio de Janeiro, Editora Globo: 1979, 560 páginas

 

SINOPSE:

O mundo inteiro conhece o virtuosismo literário de Agatha Christie. Sua extraordinária habilidade em desvendar os segredos ocultos da alma humana produziu oitenta e seis livros que continuam encantando gerações e gerações de leitores em todo o mundo. Qual o segredo de Dame Agatha? Que mistérios cercavam a personalidade daquela pacata dona de casa que, ao escrever, transformava-se na diabólica Rainha do Crime? Essa resposta você encontra na Autobiografia que narra, com absoluta honestidade e lucidez, todos os pormenores de sua vida, desde a infância na pequena cidade de Torquay até os devaneios de sua mais remota vida amorosa.

 

NOTA:

Estou lendo este livro em inglês, no Kindle.  E me encantei tanto com ele que comprei um volume em português, para poder colocar algumas passagens no blog.