Trova da chuva

4 04 2025
Ilustração, cartão postal, de Sergio Bompard.

 

Do cair da noite à aurora,
 
a chuva, em suave rumor,
 
fez toda a trilha sonora
 
das nossas noites de amor.
 
 
 
(Almerinda Liporage)
 

 





Poesia… e poesias…

3 04 2025
Ilustração, Théophile-Alexandre Steinlen (França, 1859-1923)

 

 

 

Recentemente me perguntaram como vejo a influência dos mais de trinta anos, passados fora do Brasil.  Influenciaram minha escrita?  Estávamos num podcast e eu não havia me preparado para essa pergunta.  Não soube responder de pronto, principalmente porque eu nunca havia considerado a questão. 

A poesia me acompanha desde criança.  Para mim, ler poesia é um prazer, mas não leio livros inteiros.  Leio um poema aqui,  outro acolá.  Sou leitora promíscua e constante.  Tenho poetas preferidos.  Nos Estados Unidos, depois que me casei com um professor universitário de literatura americana, fui me familiarizando com a poesia do país, e em paralelo com os poetas ingleses, para além dos grandes nomes.  Tive sorte de também conhecer dezenas  de poetas vivos, contemporâneos., com quem convivi em encontros de escritores.  Nos EUA, morei fora do eixo cultural centralizado em Nova York —  mas sempre na costa leste, que por sua própria história mantém mais elos culturais com a Grã-Bretanha do que o resto do país. E a vida cultural no RTP [Research Triangle Park] foi rica, graças às várias e respeitáveis universidades ali concentradas [N.C. State, North Carolina, Duke, Wake Forest, Shaw, Saint Augustine, William Peace, Campbell e outras].

 

 

 

A carta de amor, 1911

George Lawrence Bulleid (Inglaterra,1858-1933)

aquarela sobre papel

 

 

 

Nunca pensei que meu primeiro livro fosse de poemas.  O que me atrai nessa escrita?  Ser sucinta, expressar pensamentos, estados d’alma, ponderações. Aquilo que me intriga e fascina.  Isso é poesia para mim.  Seu valor está na brevidade, chamando o leitor ou o ouvinte para reflexão.  E tem que ter cadência, ritmo.  Rimas ocasionalmente bem-vindas, mas não necessárias.  

Desde que retornei ao Brasil, ampliei meu contato com os nossos poetas, com a poesia contemporânea. Desconhecia muitos.  O que herdei do meu contato com a poesia anglo-americana, talvez seja a preferência pela ordem direta, pela simplicidade da imagem. Guardo, sim, sinais das dezenas de anos de imersão total no inglês. Anos sem uma palavra em português: lendo e escrevendo nessa língua.  Publicando nos jornais.  Sinto falta às vezes da precisão da língua inglesa.  Mantenho a escrita intimista, típica de muitos dos meus poetas favoritos. No inglês são, de fato, os líricos, tanto antigos quanto os da segunda metade do século XX, que mais me tocam: Frost, St. Vincent Milay, Sexton, Lowell, T. Hughes, W.C. Williams, Wallace Stevens, Dunbar. No Brasil, ah, são muitos,  conhecidos e não tão conhecidos: Drummond, Bandeira, Quintana, Murilo Mendes, Meireles.

Somos o resultado das nossas preferências; esponjas absorvendo sempre aquilo que nos fascina, agrada, intriga.  Como não ter um influência estrangeira nessas circunstâncias?  Mas é de perspectiva.  A língua em uso é bem brasileira, culta, mas brasileira.

 

 

©Ladyce West, Rio de Janeiro, 2025

 

 

Para quem não conhece, acima meu primeiro livro À meia voz. em breve Casa Vazia estará nas livrarias, ainda sem data.  Mas À meia voz, o livro com que me lancei com poesias variadas, está na Amazon tanto em papel quanto em ebook.  Será um prazer conversar com você sobre a obra.





Resenha: Nas pegadas da alemoa, de Ilko Minev

28 03 2025
Autoria não determinada.

 

 

 

Minha amiga Regina Porto do blog Livro Errante indicou Nas pegadas da alemoa, de Ilko Minev [Buzz Editora: 2021] para leitura.  Marcamos de conversar sobre o livro no último dia do mês, mas já vou colocar aqui minhas impressões.  Foi uma ótima surpresa. Gostei da leitura principalmente porque aprendi muito sobre o norte do Brasil, sobre a Amazônia, sobre o Amapá.  É uma região do Brasil que não conheço, mas que atrai o olhar do mundo todo, que está nas manchetes há anos e que nós brasileiros aqui do sudeste em geral não conhecemos bem.

Eu classificaria essa obra como aventura, com informações históricas, tratadas com objetividade jornalística,  detalhando riquezas e perigos no meio ambiente, tudo isso com um leve toque de romance para suavizar a narrativa e não considerá-la exclusivamente texto instrutivo. O autor não escreveu esse romance para competir com Dostoiévski ou Gabriel Garcia Marquez.  Sua intenção é informar e divertir.  E consegue.  Dois de seus livros já se tornaram best-sellers no Brasil. Este, que ficou cinco semanas consecutivas na lista dos mais vendidos no país em 2022, e Na sombra do mundo perdido, que ainda não li, entre os mais vendidos em 2018.  Ilko Minev tem uma história pessoal interessante que o deixa ao mesmo tempo narrar como observador de fora e mostrar a vida amazônica no seu âmago.  Naturalizado brasileiro, nasceu na Bulgária, de onde emigrou, graças às restrições políticas do governo comunista na época.  Eventualmente veio para o Brasil, depois de uma parada na Bélgica.  Formado em economia, era para ter ficado por seis meses trabalhando no setor eletrônico, em 1972, mas foi ficando.  E ficou, para nossa alegria, orgulho e enriquecimento. Tornou-se um empreendedor de sucesso no Amazonas, fazendo parte da comunidade judaica de Manaus.  Quando se aposentou, dedicou-se a escrever histórias da Amazônia. 

 

 

 

 

 

 

O livro começa contando algo surpreendente: a Alemanha, antes da Segunda Guerra Mundial havia mandado uma expedição para exploração do território brasileiro, no Amapá.  Vieram com muito material.  Estavam ciumentos da França, da Inglaterra e da Holanda terem aqueles territórios ricos das guianas (que ainda não eram países independentes) e queriam explorar o Amapá para terem também sua “guiana”… Eu nunca tinha ouvido falar disso e fiquei surpresa.

“… em 1935, ainda antes da Segunda Guerra Mundial, realmente houve uma bem organizada e bastante sofisticada expedição alemã, munida de hidroavião e de outros recursos avançados para a época, que, com a ajuda do governo Vargas, passou um ano e sete meses conhecendo e mapeando aquela remota e completamente desconhecida região na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa. Pelo que pesquisei, os alemães colheram amostras, catalogaram boa parte da flora e da fauna e estabeleceram contato com as tribos indígenas antes mesmo de o Brasil marcar presença naquelas bandas.”

Ilko Minev

Assim como esse fato histórico é apresentado, detalhes da vida cotidiana no norte do país são apresentados com riqueza suficiente para deixar curiosidade e gosto de quero mais. Não só detalhes históricos do passado, descrições de pequenas cidades na Amazônia ou testemunhos do trabalho das ONGs ou até mesmo políticas do governo francês em relação à Guiana, mas também descrições das cachoeiras e plantas da região seduzem o leitor. Mas esse é o relato de uma aventura que deixa o leitor torcendo pelo sucesso da excursão planejada para procurar uma pessoa, conhecida como Alemoa, fruto de um casamento da época do expedição alemã ao Amapá. Mas sabendo de todo o planejamento que foi feito, torcemos com mais gosto ainda para um final feliz

Gostei muito do livro e recomendo a todos que queiram fazer um giro pelo norte do Brasil de hoje. A linguagem é clara, narrativa direta, um tantinho de romance para ligar a trama do início ao fim e muito, muito conhecimento generosamente oferecido.

NOTA: este blog não está associado a qualquer editora ou livraria, não recebe livros nem incentivos para a promoção de livros.





“Motivo” poesia de Cecília Meireles

26 03 2025

O manuscrito, 1921

Francis Ernest Jackson (Inglaterra, 1872 – 1945)

Ashmolean Museum, Oxford

 

Motivo

 

Cecília Meireles

 

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida está completa.

Não sou alegre nem sou triste:

sou poeta.

 

Irmão das coisas fugidias,

não sinto gozo nem tormento.

Atravesso noites e dias

no vento.

 

Se desmorono ou se edifico,

se permaneço ou me desfaço,

— não sei, não sei. Não sei se fico

ou passo.

 

Sei que canto. E a canção é tudo.

Tem sangue eterno a asa ritmada.

E um dia sei que estarei mudo:

— mais nada.

 

No livro Viagem (1939)

 





Resenha: “Antonio”, de Beatriz Bracher

24 03 2025
Leitora, 1952, autoria desconhecida.

 

 

Nos últimos tempos, o grupo de leitura Ao Pé da Letra tem votado um maior número de obras de literatura brasileira contemporânea para leitura mensal, sem, no entanto, se limitar ao nicho. A escolha de março foi Antonio da escritora paulista Beatriz Bracher [Editora 34: 2010 — minha edição foi eletrônica, kindle]. Essa foi uma obra intrigante, que deixou os leitores do grupo, anotando nomes de personagens, fazendo árvores genealógicas, passando-as para o WhatsApp do grupo, escrevendo suas dúvidas sobre o que liam — quem é quem? — à medida que a história era construída. Por que? Trata-se de narrativa indireta de um segredo de família, sem que o leitor saiba de antemão quem ocupa qual papel no emaranhado das relações familiares.

Três gerações são abordadas, para que a quarta possa saber de onde vem e estar, eventualmente, ciente dos segredos mantidos por essa tradicional família brasileira. Somos tragados no emaranhado de feitos e desfeitos de diferentes gerações, em capítulos narrados por alguns personagens, que só entendemos quem são com muita atenção ao texto. Como em toda família há pessoas que demonstram comportamentos esdrúxulos, fora de série, inusitados, ainda que tenham por base, a época em que vivem e suas razões. A história da família é o tema da obra, contada por três diferentes pontos de vista. Cada um deles como se estivéssemos em sua presença, numa tarde, num dia não especificado, contando causos. A narrativa é não linear com linguagem casual, imitando a maneira de falar comum. Por isso mesmo, os textos são cheios de idas e vindas nos detalhes trazendo um efeito circular na contação.

 

 

O resultado é uma escrita perfeitamente inteligível, registrada como falamos. Cada capítulo é um imenso monólogo, dando a aparência de ter sido registrado ipsis verbis. Mas para dar esse efeito tão natural, certamente a escritora submeteu o texto a inúmeras edições para, finalmente chegar a registro tão semelhante à língua falada. Parabéns para ela.  Realmente, cada um dos capítulos parece um relato de alguém sentado no sofá à nossa frente. 

Mas essa maneira de contar uma história se torna um jogo de gato e rato em que a escritora, com todo poder nas mãos, brinca com o leitor. É um quebra-cabeças para quem lê, que se vê em um labirinto tal qual os labirintos de jardins do século XVIII, que nos dão ânsias para descobrir a saída, mergulhando, a caminho da solução, numa espiral descendente até o fim.  A forma enigmática do livro Antonio trouxe à mente o livro As iniciais de Bernardo Carvalho que assim como esse precisa ser desvendado, ainda que de maneira totalmente diferente. 

 

 

Beatriz Bracher

 

Antonio foi a obra colocada em segundo lugar no Prêmio Portugal Telecom de Literatura e finalista do Prêmio São Paulo de Literatura. em 2009.  Recomendo?  Com restrições. Não sei até agora, e já li esse livro há duas semanas, se o final, se a resolução do enigma, vale o esforço e as horas de dedicação do leitor.  Mas, como tenho facilidade de deixar de lado livros por diversos motivos, não importa se grandes ou pequenas obras, de autores conhecidos ou não, ver que  Antonio me fez ir até o fim e  que a trama, me levou a apreciar o poderoso domínio narrativo de Beatriz Bracher tem que ser levado em consideração.  Há equilíbrio entre forma e conteúdo. Esse foi o primeiro livro da autora que leio.  Três estrelas de cinco.

NOTA1: tenho muitos leitores portugueses que certamente observarão algo diferente: Antonio aparece sem acento circunflexo através da obra.

NOTA2: este blog não está associado a qualquer editora ou livraria, não recebe livros nem incentivos para a promoção de livros.





Trova do beijo

21 03 2025
Ilustração em revista americana, 1953

 

 

Somente agora é que vejo

que tens razão, meu amor…

Quem paga beijo com beijo

tem sempre saldo a favor.


(Narciso Nery)





Outono: Luís Fernando Veríssimo

20 03 2025

 

 

“O outono é a única estação civilizada. A primavera é um descontrole glandular da Natureza. O inverno é o preço que a gente paga para ter o outono, e por isso está perdoado. O verão é uma indignidade. […] Clássicos ao pé do fogo, um vago cachorro e sherry seco contra o catarro. Um gentleman não deve suar, meu caro.”


Luis Fernando Verissimo, Em Algum Lugar Do Paraíso





Flash!

20 03 2025

Eça de Queiroz





Sobre o ciúme: José de Alencar

19 03 2025

Leitura, 2011

Reynaldo Fonseca (Brasil, 1925-2019)

óleo sobre tela

 

 

“O ciúme não nasce do amor, e sim do orgulho. O que dói neste sentimento, creia-me, não é a privação do prazer que outrem goza, quando também nós podemos gozá-lo e mais. É unicamente o desgosto de ver o rival possuir um bem que nos pertence ao cobiçarmos, ao qual nos julgamos com direito exclusivo, e em que não admitimos partilha. Há mais ardente ciúme do que o do avaro por seu ouro, do ministro por sua pasta, do ambicioso por sua glória? Pode-se ter ciúme de um amigo, como de um traste de estimação, ou de um animal favorito. Eu quando era criança tinha-o de minhas bonecas.”

 

José de Alencar, em Senhora, em domínio público.





A janela e o sol, soneto de Alberto de Oliveira

18 03 2025

O quarto dela, 1963

Andrew Wyeth (EUA, 1917 -2009)

têmpera sobre placa

Coleção Particular

 

 A janela e o sol

 

Alberto de Oliveira

 

“Deixa-me entrar, – dizia o sol – suspende

A cortina, soabre-te! Preciso

O íris trêmulo ver que o sonho acende

Em seu sereno virginal sorriso.

 

Dá-me uma fresta só do paraíso

Vedado, se o ser nele inteiro ofende…

E eu, como o eunuco, estúpido, indeciso,

Ver-lhe-ei o rosto que na sombra esplende.”

 

E, fechando-se mais, zelosa e firme,

Respondia a janela: “Tem-te, ousado!

Não te deixo passar! Eu, néscia, abrir-me!

 

E esta que dorme, sol, que não diria

Ao ver-te o olhar por trás do cortinado,

E ao ver-se a um tempo desnudada e fria?!”

                                   

Publicado em 1886. no livro Sonetos e poemas