Xilogravura poli-cromada japonesa, por Utagawa Hiroshige.
Os anos entram e saem,
o tempo leva-os a fio,
como essas folhas que caem
na correnteza do rio…
(Gomes Leite)
Os anos entram e saem,
o tempo leva-os a fio,
como essas folhas que caem
na correnteza do rio…
(Gomes Leite)
Em teus braços aninhada,
tenho, ao alcance da mão,
toda uma noite estrelada,
todo o sol no coração.
(Colombina)
Antonio Gedeão
Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala
à semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa,
e o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio
a que se chama poesia,
e a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade,
e o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro
que se olham obliquamente,
arrepiados de medo,
todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.
Oh janelas do meu quarto,
quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar.
António Gedeão, Obra Poética, Edições João Sá da Costa, Lisboa, 2001
Ruth Rocha
Cantador canta tristeza,
canta alegria também.
É de sua natureza
cantar o mal e o bem.
Pois ele tem dentro dele
o canto que o canto tem…
Por isso, se o mar secar,
se cobra comprar sapato,
se cachorro virar gato,
se o mudo puder falar,
Se a chuva chover pra cima,
se barata for grã-fina,
Quando o embaixador for em cima,
Cantador vai se calar.
O destino nos ensina
mensagens que são verdades:
– Quem só enfrenta neblina
fraqueja nas tempestades !…
(José Valdez de Castro Moura)

Vale do Sertig no outono, 1925
Ernst Ludwig Kirchner (Alemanha, 1880-1938)
óleo sobre tela, 136 x 200 cm
Kirchner Museum, Davos, Suíça
Álvaro Moreyra
Ah! como eu sinto o Outono
nesses crepúsculos dispersos,
de solidão e de abandono…
nessas nuvens longínquas, agoureiras,
que têm a cor que um dia houve em meus versos
e nas tuas olheiras…
Tomba uma sombra roxa sobre a Terra…
A mesma nuança, em torno, tudo encerra
nuns tons fanados de ametista…
Paisagem morta, evocativa, doce…
como se o Ocaso fosse
um pintor simbolista…
Caem violetas…
Canta uma voz, distante…
E a luz vai a fugir, esfacelando
em trêmulas silhuetas
os troncos da alameda agonizante…
O Outono é uma elegia
que as folhas plangem, pelo vento, em bando…
E o Outono me endolora e anestesia
com a saudade remota do silêncio…
Silêncio vesperal das ressonâncias
esquecidas
que o Ângelus lento deixa sempre no ar…
Silêncio
irmão das covas, das ermidas…
incenso das distâncias…
onde a memória fica a ouvir perdidas
palavras que morreram sem falar…
E do silêncio em névoas esgarçado,
a cuja extrema sugestão me abrigo,
tu te evolas, dolente,
tal uma hora feliz de tempo alado
que às vezes brota de repente
de um velho aroma ou de acorde antigo…
Em: Legenda da luz e da vida, Álvaro Moreyra, 1911
Almir Correia
Homem de palha
coração de capim
vai embora
aos pouquinhos
no bico dos passarinhos
e fim.

Vinho branco ou vinho tinto
depende do que acompanha;
em bodas sempre é distinto
o espumante ou champanha.
(Paulo Pereira Lima)