Trova do tempo

23 06 2025
Xilogravura poli-cromada japonesa, por Utagawa Hiroshige.

 

Os anos entram e saem,

o tempo leva-os a fio,

como essas folhas que caem

na correnteza do rio…

 

(Gomes Leite)





Trova dos namorados

12 06 2025
Ilustração anos 50

 

 

Em teus braços aninhada,

tenho, ao alcance da mão,

toda uma noite estrelada,

todo o sol no coração.

 

(Colombina)

 





Aurora Boreal, poema de Antonio Gedeão

10 06 2025
Ilustração, Thomas Crane

 

 

Aurora boreal

 

Antonio Gedeão

 

Tenho quarenta janelas

nas paredes do meu quarto.

Sem vidros nem bambinelas

posso ver através delas

o mundo em que me reparto.

Por uma entra a luz do Sol,

por outra a luz do luar,

por outra a luz das estrelas

que andam no céu a rolar.

Por esta entra a Via Láctea

como um vapor de algodão,

por aquela a luz dos homens,

pela outra a escuridão.

Pela maior entra o espanto,

pela menor a certeza,

pela da frente a beleza

que inunda de canto a canto.

Pela quadrada entra a esperança

de quatro lados iguais,

quatro arestas, quatro vértices,

quatro pontos cardeais.

Pela redonda entra o sonho,

que as vigias são redondas,

e o sonho afaga e embala

à semelhança das ondas.

Por além entra a tristeza,

por aquela entra a saudade,

e o desejo, e a humildade,

e o silêncio, e a surpresa,

e o amor dos homens, e o tédio,

e o medo, e a melancolia,

e essa fome sem remédio

a que se chama poesia,

e a inocência, e a bondade,

e a dor própria, e a dor alheia,

e a paixão que se incendeia,

e a viuvez, e a piedade,

e o grande pássaro branco,

e o grande pássaro negro

que se olham obliquamente,

arrepiados de medo,

todos os risos e choros,

todas as fomes e sedes,

tudo alonga a sua sombra

nas minhas quatro paredes.

 

Oh janelas do meu quarto,

quem vos pudesse rasgar!

Com tanta janela aberta

falta-me a luz e o ar.

 

 

 

António Gedeão, Obra Poética, Edições João Sá da Costa, Lisboa, 2001





Todo mundo lê!

6 06 2025
A mãe Guji lê para os filhos (gansos e um jacaré) de Chih-Yuan-Chen.




Ladyce, poesia de Gessner Pompêo de Barros

5 06 2025
Ilustração de Maud Tousey Fangel.
 
 
Ladyce *

 

Gessner Pompêo de Barros

 

Pediu-me sua Mãe que, em versos, dedicasse 

este Álbum a você, minha querida,

onde o seu progredir se registrasse,

ou se fotografasse,

mês a mês, ano a ano, toda vida.

.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 

Pediu-me versos ternos a um bebê…

Mas dois bebês eu vejo: ela e você!

Isto porque, 

entre a filha e a netinha há pouca diferença 

— não há distância imensa…

Bem pouca distinção entre ambas faz

o coração dos seus avós e pais.

.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 

Ela é também bebê, que já cresceu,

que já sofreu, 

Que agora é Mãe e assim, vai realizando

o sublime destino da Mulher!

Você, novo bebê, que está iniciando, 

os passos para idêntico mister…

                   * * *

Você há de ter na vida o doce encanto

que ela oferece às nobres criaturas:

— o riso alegre, que afugenta o pranto,

— a graça com que Deus, lá das alturas,

— bênção divina —

o caminho dos bons sempre ilumina…

 

 

Em: Revista O Malho, volume XI, página 7

  • Poema escrito por meu avô materno, Gessner Pompêo de Barros. Vovô era advogado, mas também exerceu a profissão de escritor. Teve por algum tempo, não sei quanto tempo, uma coluna semanal no antigo jornal Última Hora, coluna sindicalizada que aparecia em muitos jornais do interior do país. Sendo mato-grossense, da época em que aquele era um só estado, suas colunas certamente ficaram conhecidas por lá. Minha sobrinha, que recentemente descobriu que seu bisavô era, como ela, advogado, hoje me mandou a foto da página da revista em que esse poema aparece. O poema eu tenho no meu álbum de bebê. Na primeira página.

Também neste álbum aparece um poema que meu pai, um cientista, químico industrial e professor de física, escreveu na mesma ocasião. Conta a lenda que enciumado pela poesia de vovô, ele também resolveu meter as mãos na poesia, para não ficar para trás. Papai não era um mau escritor. Tenho alguns de seus escritos publicados nos jornais das escolas que frequentou. Ele cresceu na época em que se decorava Os Lusíadas na escola (que ele frequentemente, chegada a hora apropriada, declamava — para embaraço total dessa filha, rs…) Um dia acho nas caixas que deixarei para os sobrinhos destrincharem, o álbum em questão e passo para o blog, e para o julgamento de vocês, meus leitores, a resposta do genro enciumado. Rs…rs…

Uma nota sobre meu nome: Ladyce (pronunciado Lêidice) é um nome americano, parece até que mamãe havia vislumbrado meu destino para assim me chamar, já que passei a maior parte de minha vida adulta nos Estados Unidos, eventualmente casando com um americano. Nunca foi um nome comum. É um nome antigo, e mais comum no final do século XIX e início do século XX. Mamãe tirou-o de um romance. E bateu o pé para que eu assim me chamasse, porque papai insistia que eu levasse o nome de sua avó materna, um nome de que minha mãe não gostava: Leopoldina.





Baile no sereno, poesia infantil, Ruth Rocha

2 06 2025
 
 
Baile no sereno

Ruth Rocha

 

Cantador canta tristeza,

canta alegria também.

É de sua natureza

cantar o mal e o bem.

Pois ele tem dentro dele

o canto que o canto tem…

Por isso, se o mar secar,

se cobra comprar sapato,

se cachorro virar gato,

se o mudo puder falar,

Se a chuva chover pra cima,

se barata for grã-fina,

Quando o embaixador for em cima,

Cantador vai se calar.





Trova da tempestade

21 05 2025
Ilustração, Margaret C. Hoopes

 

 

O destino nos ensina

mensagens que são verdades:

– Quem só enfrenta neblina

fraqueja nas tempestades !…

 

(José Valdez de Castro Moura)





Do outono e do silêncio, poema de Álvaro Moreyra

19 05 2025

Vale do Sertig no outono, 1925

Ernst Ludwig Kirchner (Alemanha, 1880-1938)

óleo sobre tela, 136 x 200 cm

Kirchner Museum, Davos, Suíça

 

 

 

Do outono e do silêncio

 

Álvaro Moreyra

 

Ah! como eu sinto o Outono

nesses crepúsculos dispersos,

de solidão e de abandono…

nessas nuvens longínquas, agoureiras,

que têm a cor que um dia houve em meus versos

e nas tuas olheiras…

 

Tomba uma sombra roxa sobre a Terra…

A mesma nuança, em torno, tudo encerra

nuns tons fanados de ametista…

Paisagem morta, evocativa, doce…

como se o Ocaso fosse

um pintor simbolista…

 

Caem violetas…

 

Canta uma voz, distante…

 

E a luz vai a fugir, esfacelando

em trêmulas silhuetas

os troncos da alameda agonizante…

 

O Outono é uma elegia

que as folhas plangem, pelo vento, em bando…

E o Outono me endolora e anestesia

com a saudade remota do silêncio…

Silêncio vesperal das ressonâncias

esquecidas

que o Ângelus lento deixa sempre no ar…

Silêncio

irmão das covas, das ermidas…

incenso das distâncias…

onde a memória fica a ouvir perdidas

palavras que morreram sem falar…

 

E do silêncio em névoas esgarçado,

a cuja extrema sugestão me abrigo,

tu te evolas, dolente,

tal uma hora feliz de tempo alado

que às vezes brota de repente

de um velho aroma ou de acorde antigo…

                                                            

 

Em: Legenda da luz e da vida, Álvaro Moreyra, 1911

 

 





Espantalho, poesia infantil, Almir Correia

15 05 2025
 
Espantalho

 

Almir Correia

 

Homem de palha

coração de capim

vai embora

aos pouquinhos

no bico dos passarinhos

e fim.





Trova do vinho

12 05 2025

 

 

Vinho branco ou vinho tinto

depende do que acompanha;

em bodas sempre é distinto

o espumante ou champanha.

 

 

(Paulo Pereira Lima)