Cartão postal francês.
No instante que precisares
Uma rua atravessar,
Olha bem para os dois lados
Para depois avançar.
Em: 1001 Quadrinhas Escolares, Walter Nieble de Freitas, São Paulo, Difusora Cultural:1965
Cartão postal francês.
No instante que precisares
Uma rua atravessar,
Olha bem para os dois lados
Para depois avançar.
Em: 1001 Quadrinhas Escolares, Walter Nieble de Freitas, São Paulo, Difusora Cultural:1965
Sem título, 2014
[No camarote]
Reynaldo Fonseca (Brasil, 1925)
óleo sobre tela
Alvarenga Peixoto
Eu vi a linda Estela, e namorado
Fiz logo eterno voto de querê-la;
Mas vi depois a Nize, e é tão bela,
Que merece igualmente o meu cuidado.
A qual escolherei, se neste estado
Não posso distinguir Nize d’Estela?
Se Nize vir aqui, morro por ela;
Se Estela agora vir, fico abrasado.
Mas, ah! que aquela me despreza amante,
Pois sabe que estou preso em outros braços,
E esta não me quer por inconstante.
Vem, Cupido, soltar-me destes laços,
Ou faz de dois semblantes um semblante,
Ou divide o meu peito em dois pedaços!
Em: Alvarenga Peixoto, Obras Poéticas. Edição da Prefeitura do Município de São Paulo, [Coleção Documentos – Clube da Poesia], 1956, p.29.
Alvarenga Peixoto (Brasil, 1742-1793) advogado e poeta do círculo da Inconfidência Mineira. Foi preso e degredado para a África.
Abelha feliz, ilustração anônima, acredito ser brasileira.
Rosa Clement
A abelha voou, voou.
Queria molhar o pé
e pousou na minha xícara
cheia de leite e café.
A abelha voou, voou.
desenhando um coração.
Queria provar um pouco
da geléia no meu pão.
A abelha voou, voou
Queria voar no céu
e eu que queria provar
um pouquinho de seu mel.
A abelha voltou, voou.
Queria me deixar feliz.
Achou que eu era um doce
e pousou no meu nariz.
(2010)

Cálice da Infanta Urraca de Zamora (1033-1101), século XI
Ourives desconhecido
Bronze
Tesouro de San Isidro, León, Espanha
Mantido no Museu da Congregação de San Isidro em León, na Espanha, o cálice da Infanta Urraca de Zamora, filha mais velha de Fernando I de Leão ede sua esposa, rainha Sancha I de Leão. Urraca viveu entre os anos 1033 e 1101, tendo vida longa para este período, 68 anos. Herdou, como determinado ainda em vida, os territórios de Zamora.
O cálice é composto por duas taças muito antigas de origem greco-romana anterior ao cristianismo. Uma serve de base, outra de recipiente. Feitas em pedra ônix, elas apresentam algumas lascas anteriores à construção do cálice. Desconhece-se a origem destes dois copos assim como não se sabe porque Doña Urraca decidiu entregar aos ourives da corte algo que materialmente não tinha grande valor. Especula-se sobre uma possível consagração destas duas peças ao culto litúrgico, feito talvez por algum personagem venerável da primitiva Igreja Cristã, mas não existem documentos ou testemunhos escritos a este respeito. Mas os ourives de Leão fizeram um excepcional trabalho artístico. E converteram o que na época era um objeto pagão, em uma taça digna de admiração.
As peças de ônix são cobertas em ouro: copo, haste e base, expondo parte do copo e quase toda a base. O interior da taça também é forrado em ouro. Os ourives fizeram com grande maestria e delicadeza as filigranas que formam desenhos, arcos, espirais e pequenos caracóis. Pérolas, esmeraldas, ametistas e safiras foram embutidos nos buracos. Incorporada também há uma máscara de vidro imitando uma camafeu, adicionado após o trabalho da composição do cálice. Na base e antes do nó, vê-se a inscrição: EM NOMINE DOMINI VRRACA FREDINANDI.
No século XI o reino de Leão teve um de seus momentos de maior esplendor. Fernão I, o Grande, tornou-se um dos reis mais importantes da cristandade na Europa, levando a cabo a reconquista, de Coimbra a Valência. Quando faleceu, Fernão I, entregou a seus filhos terras: a Alfonso, León; Sancho herdou Castela; Galícia a Garcia; Toro foi para as mãos de Elvira e Urraca foi feita Senhora de Zamora.


Trachyandra sp.
Trachyandra é um género botânico pertencente à família Asphodelaceae. Descrita pela primeira vez como gênero em 1843. É uma suculenta, nativa do leste e do sul da África, assim como do Iêmen e Madagascar . Muitas das espécies são endêmicas da África do Sul.
Trachyandra sp.
As instruções abaixo são válidas para todas as suculentas. A Trachyandra sp é bastante rara por aqui e não achei maneira específica de manutenção desta planta.
Suculentas são plantas resistentes à seca. Armazenam água em suas folhas, caules e raízes. O armazenamento de água lhes dá uma aparência carnuda, conhecida como suculência. Você não pode esquecer dessas plantas completamente. Mas elas precisam de pouca atenção. Para precisar de pouca manutenção, é melhor fazer um investimento de cuidados no início. Certifique-se de que as plantas tenham boa drenagem. Você pode comprar solo de cactos ou adicionar areia ou cascalho ao solo comum. É preciso que seu contêiner tenha um orifício na parte inferior para drenagem.
Trachyandra sp.
Suculentas são plantas de crescimento lento. Coloque-as firmemente juntas no recipiente. Após o plantio, regar bem, então deixe o solo secar entre regas. Suculentas não gostam de se enraizar na água. Eles precisam de mais água na primavera e no verão, mas menos no inverno, quando entram em uma fase inativa.
Benoît-Constant Coquelin, como Cyrano de Bergerac na estreia da peça do mesmo nome, de Edmond Rostand, no dia 27 de dezembro de 1897, no teatro Porte-Saint-Martin. Como apareceu na Revista L’Illustration de 8 de janeiro de 1898.
Quem não se apaixonou pelo drama de Cyrano de Bergerac contado por Edmond de Rostand em sua peça teatral do final do século XIX? No entanto, poucos sabem que houve um verdadeiro Cyrano, escritor, francês, nascido em Paris em 6 de março de 1619 [data de batismo, data de nascimento incerta]. Chamava-se Savinien de Cyrano e adicionou Bergerac depois que seu pai herdou de sua mãe a propriedade em Bergerac, local próximo a Rambouillet na Dordonha, às margens do rio Yvette, em 1616.
Sabe-se pouco de sua vida, morreu aos 36 anos, ferimentos, razão incerta. Veio de família com conhecimento, com aprendizado e alguma posição social, já que seu pai tinha o título de Senhor de Mauvières e Bergerac. Mesmo pelos padrões da época, a biblioteca de seu pai, Abel de Cyrano, advogado no Parlamento em Paris, seria considerada pequena (126 livros) , mas a diversidade das obras listadas no inventário após a morte de Abel, sugere um pai curioso pelo estudo de línguas e literatura da antiguidade, com interesse em diversos assuntos, inclusive o protestantismo. Bom lembrar que no século XVII, ainda que já houvesse muitos livros publicados, eles eram caros e não estavam ao alcance de qualquer pessoa. A biblioteca de Abel tinha obras jurídicas, de língua e literaturas antigas; obras dos grandes humanistas da Renascença (Erasmo, Rabelais) e alguns livros que mostravam interesse pelas ciências. Há conhecidos trabalhos protestantes de François de la Noue, George Buchanan, Pierre de La Ramée, Pierre Hamon e Philippe Duplessis-Mornay. Essas obras sugerem que na sua juventude o pai de Savinien esteve rodeado por huguenotes. Mas também estão lá duas Bíblias, um Novo Testamento e um livro de orações a São Basílio em grego. Assim é possível assumir que Sevinien tenha tido uma boa e sólida instrução em casa.
Cyrano de Bergerac
Étienne-Jehandier Desrochers (1668 – 1741)
Gravura, de quadro a óleo
A família sai de Paris para Bergerac por volta de 1620, quando Savinien era bebê. Sua educação portanto foi dada pelo ensino paroquial. Não se sabe exatamente quando ele chega a Paris para prosseguir com os estudos. Permanece na casa de conhecidos de seus pais, talvez até na casa de seu tio Samuel de Cyrano, mas não se sabe ao certo que escola frequentou: se o Collège de Beauvais ou o Collège de Lisieux. Em 1636, quando Savinien está com quinze-dezesseis anos, seu pai vende a propriedade em Bergerac e retorna a Paris. Por volta de 1639, Savinien se enlista na Guarde, onde serve nas campanhas de 1639 e 1640. Membro da pequena nobreza, Savinien ficou conhecido por sua habilidade com a espada e por gabar-se disso. Acredita-se que deixou a carreira militar para voltar a Paris dedicar-se à produção literária.
Retrato de Cyrano, desenhado e gravado por artista anônimo, baseado em obra de Zacharie Heince, 1654.
As obras de Cyrano de Bergerac, L’Autre Monde: ou les États et Empires de la Lune (“História cômica dos Estados e Impérios da Lua”), publicada postumamente em 1657 e Les États et Empires du Soleil (“Os Estados e Impérios do Sol”) em 1662, são clássicos como primeiras obras de ficção científica. No primeiro livro, Cyrano viaja à lua, usando um foguete com uma cabine impulsionado por fogos de artifício (rojões) e lá se encontra com habitantes de 4 pernas, com armas que atiram na caça e as cozinham, assim como brincos que educam crianças. Mistura ciência e romance nessas obras e elas eventualmente servem de exemplo para obras de seus sucessores, Jonathan Swift, Edgar Allan Poe, Voltaire.
Contemporâneo do grande dramaturgo francês Molière, Cyrano não vive para ver seu compatriota pegar emprestado algumas de suas ideias da obra Le Pédant joué, que também serve de fonte de ideias para outra estrela literária francesa: Corneille.
Obra:
Le Ministre d’Estat flambé en vers burlesques [O ministro de Estadi assado em verso cômico], 1649.
La Mort d’Agrippine, tragédie, par Mr de Cyrano Bergerac, 1654 [A morte de Agrippina, tragédia]
Les Œuvres diverses de Mr de Cyrano Bergerac [Obras diversas do Senhor Cyrano Bergerac] 1654
Histoire comique par Monsieur de Cyrano Bergerac contenant les Estats & Empires de la Lune [História cômica incluindo os Estados e Imperios da Lua], 1657
Les Nouvelles œuvres de Monsieur de Cyrano Bergerac. Contenant l’Histoire comique des Estats et Empires du Soleil, plusieurs lettres et autres pièces divertissantes [As novas obras do Sr. Cyrano Bergerac. Incluindo A história cômica dos Estados e Impérios do Sol, diversas cartas e outras peças de divertimento], 1662.
Les œuvres diverses de M. Cyrano de Bergerac [ Obras diversas do Sr. Cyrano de Bergerac], 1709
Aqui algumas ilustrações em sua obra:





Beatriz, 1895
Marie Spartali Stillman ( Grécia/ Inglaterra, 1844 – 1927)
aquarela, guache, têmpera sobre papel, 57 x 43 cm
Museu de Arte de Delaware, EUA
Giàcomo Leopardi
Giàcomo Leopardi (1798-1837)
O leitor
István Nagy (Hungria, 1873 – 1937)
óleo sobre tela
Aluísio de Azevedo
Ilustração de Rebecca Campbell.
Duas das maiores livrarias do país perigam não sobreviver. Tudo indica que não se adaptaram ao mundo moderno, além de sofrerem de má gestão. A rede Saraiva era responsável por 30% das vendas de livros no país. No ano passado o mercado de livros aumentou em 9,1%. Como pode uma livraria que responde por quase um terço do mercado brasileiro estar à beira da falência? Mesmo quando o mercado aumentou? Má gestão resume-se a manter o negócio com hábitos antigos, sem supervisão e por não entender as mudanças no mercado. Mas não é isso que me traz às reflexões desta postagem. No final de novembro Luiz Schwarcz, editor da Companhia das Letras, fez um apelo para que lembrássemos a nossos amigos, conhecidos, familiares da importância dos livros, de todos os livros para nossas vidas, e que presenteássemos com livros. “Cartas de amor aos livros”, Luiz Schwarcz.
Tintin lê, Hervé.
Não me lembro de meus primeiros livros. Tenho certeza de que vieram ao meu encontro antes de eu completar 3 anos. Há uma foto minha, sentada no degrau da porta de entrada da casa de minha avó, agarrada a um livro. Absorta. Cabelos soltos não muito longos cobrindo o rosto, porque olhava atentamente para as páginas à minha frente, mãos segurando um livro aberto, no colo, vestidinho de domingo, sapato e meia. Eu tinha 3 anos pela data escrita por papai, no verso da foto. Filha de professores, passei a vida rodeada por livros de todos os assuntos. Mãe professora de literatura/línguas, pai cientista professor de física e química, um avô, o único que conheci, advogado, professor e jornalista com coluna nos jornais do Rio de Janeiro e de Mato Grosso, onde nascera. Com uma biblioteca com todos os livros encapados, catalogados e protegidos por estantes com portas de vidro de correr onde se refugiava após o jantar, ele se presenteava com a cachimbada da noite. Irmãs de minha mãe, professoras. Irmão de meu pai também. Livros formaram a essência do conceito casa, lar, aconchego, segurança, família, conversa, relacionamentos, conhecimento, prazer, entretenimento, valores. Não consigo dissociar livros de minha vida. Portanto, para mim, é difícil imaginar que tenhamos que falar sobre as benesses da leitura, sobre o quanto ela contribuiu para a formação de caráter, para a formação de quem somos. Não sei mais o que aprendi através dos livros. Foram tantos livros, tantos assuntos, tanta informação. Mas sei que aprendi muito mais do que se não os tivesse lido. Porque eles, amigos de todas as horas, em todos os lugares, são uma janela para o mundo externo e uma porta para o auto conhecimento. Livros nos fazem grandes, maiores do que nossas alturas, mais fortes do que nossos músculos. Eles nos expõem a mundos que jamais visitaríamos ou visitaremos, e passamos a entender outras realidades, outros modos de pensar. Livros trazem conhecimento sobre o qual podemos criar, crescer e construir uma realidade melhor para a sociedade em que vivemos.
Lobão procura aprender sobre o sucesso de seu competidor urso. Ilust. Walt Disney.
Do tempo de criança, antes de me apegar à coleção de Monteiro Lobato, que li toda, inclusive a História do Mundo para Crianças, me lembro de muitos livros sem necessariamente me lembrar de seus títulos. Pena. Mas me lembro que, antes de me entregar às obras de Lobato, ao ler Simbad, o marinheiro, que ganhei de aniversário, aos seis anos de idade, corri para mamãe e disse: “Olha, estou vendo um filme dentro da minha cabeça enquanto leio!” Foi, acredito, a primeira vez que descobri que ninguém precisava ler para mim para que eu pudesse imaginar as cenas. Isso poderia acontecer quando eu mesma estivesse encarregada da leitura. Ou seja, a leitura já estava automática o suficiente para que eu não sofresse com o ato de ler. Podia ler e imaginar com fluência. Tornara-me leitora plena. Daí para frente preferi que ninguém lesse para mim, isso era coisa que eu queria fazer por mim mesma, dando ênfase ao que eu achava importante. Neste ano, aos seis anos, meu primeiro ano de escola, nós nos mudamos, no meio do ano letivo. E fiquei até março do ano seguinte em casa, a conselho das diretoras das escolas, porque já estava mais à frente do que o pessoal que havia entrado comigo. Passei de julho a março lendo. Li de tudo. E li uma história que até hoje me acompanha, de um menino chinês, que tinha uma longa trança. E não sei porque, ele precisava estudar à noite, à luz de um lampião. E para que não dormisse, amarrou a trança num prego na parede atrás de sua mesa de leitura. Assim, toda vez que ele cochilava e sua cabeça pendia para frente, levava um puxão da trança, acordava e voltava a estudar. Por que ele se achava nessa circunstância, não sei. Não me lembro do título, nem do autor da história. Era ilustrada. Desenhos em linha preta, como nanquim, aquarelados de verde, num estilo dos anos 60 do século passado. Muitas vezes que precisei vencer o sono, lembrei-me da trança deste chinesinho amarrada ao prego na parede. Senti-me reconfortada ao saber que outros, muitos outros já haviam passado por situação semelhante e que cabia a mim achar um prego para minha trança, uma solução para a minha noite em claro.
Magali lendo, Monica curiosa. Ilust. Maurício de Sousa.
De meu pai, lembro-me principalmente carregando livros. Eles também faziam parte de sua vida diária. Tínhamos o hábito de conversar à mesa, mesmo que a televisão estivesse ligada. Conversar era uma coisa de família. Falávamos de tudo. E papai era a “enciclopédia ambulante” para nós. Não havia pergunta que ele não respondesse. e se não soubesse, corria às estantes de seu cubículo (o antigo quarto da empregada) coberto de estantes de cima abaixo, com centenas e centenas de livros de todos os assuntos. Papai adorava aprender. E passou essa curiosidade do aprendizado para seus três filhos. Se perguntássemos alguma coisa, se ele precisasse dar uma explicação mais detalhada, ele saía por um momento da sala, para logo depois aparecer carregando dois, três volumes dos mais variados assuntos que pudessem ilustrar ou apontar para as respostas que procurávamos. Sim, livros sempre foram parte do nosso dia a dia. Não vamos romantizar esse hábito de papai. Havia horas em que era muito chato. Queríamos entender alguma coisa rapidamente, queríamos saber como responder às questões da escola e lá vinha ele prolongando as horas do dever de casa, dando informações muito além das que necessitávamos para a escola. Era um sofrimento, principalmente na adolescência, quando havia tantas outras opções para consumir nosso tempo, mesmo que elas fossem simplesmente divagar sobre as possibilidades. Por vezes penso que papai teria adorado a Wikipedia. Mas logo me lembro que não era fã de enciclopédias. Não daquelas em diversos volumes. Sempre dizia que o conhecimento da humanidade avançava em maior rapidez do que as edições das enciclopédias. Papai gostava de livros, sobre um assunto, que se aprofundassem. Todas as nossas enciclopédias eram em um único volume, lembro-me por exemplo de consultarmos sempre que podíamos a Larousse em um volume. Era como um dicionário onde encontrávamos o mínimo necessário para depois irmos às bibliotecas procurar o que queríamos saber.
Tio patinhas se diverte lendo, ilust. Walt Disney.
Lembro-me de livros serem um assunto entre os familiares, irmãos e cunhados de meus pais. Era tão comum conversar sobre o que se lia, quanto falar sobre filmes vistos no cinema ou na televisão. Meus tios e meus pais passavam livros que liam por entre o resto da família. Eram livros de ficção que todos da família liam. Autores brasileiros tinham preferência, mas lembro-me de livros de todo gênero Fernando Sabino, Érico Veríssimo, Morris West, Françoise Sagan, Jorge Amado, Mário Palmério, Pearl S. Buck, Antônio Callado, Nabokov entre outros, passados de meus tios a meus pais e vice-versa e que só bem mais tarde viemos a ler. Havia também alguns livros que traziam muita conversa nos encontros familiares, nos aniversários Eram os deuses astronautas? de Erich von Däniken, O macaco nu de Desmond Morris, e Os dragões do Éden, de Carl Sagan, estes livros iam e vinham a berlinda nas conversas em família, ano após ano. A ficção de suspense foi uma descoberta tardia de meus pais e tios (com exceção de Agatha Christie, que me lembro bem de terem lido) mas um gênero mais relacionado à política mundial da guerra fria, O dossiê de Odessa e os livros de John Le Carré, fazem parte de um gosto tardio, mas a essa altura eu já não morava com eles.
Não era porque gostávamos de ler, que deixamos de ter nossas brincadeiras, nossas horas de criança. Meus irmãos jogaram futebol, fizeram karatê, nós todos nadávamos, íamos à praia (morávamos próximo). E continuamos leitores, como adultos. Mas cada qual com suas preferências. Marcus gostava de ler sobre ciências, música, e tinha gosto por alguns escritores de ficção, Camus entre eles. Meu irmão Ricardo também gosta de ler e se dedica com prazer principalmente a biografias. Ambos se formaram em engenharia. Talvez por ter tido tanto contato com livros inicialmente pensei em fazer letras. Mas depois a história da arte me levou por outros caminhos. No entanto, a leitura sempre fez parte do meu dia a dia.
Ilustração de Maurício de Sousa.
Dizem que o mundo digital está acabando com o livro como nós conhecemos, em papel. Impresso. Acredito que ambos irão viver lado a lado. Leio tanto livros digitais quanto livros de papel. E muitas vezes, mas muitas vezes mesmo, depois de ler a versão digital, compro o livro para poder ter comigo, emprestar, rever sua capa, seu dorso, sua maneira de ser. O livro digital tem uma vantagem sobre o livro físico: posso levar muitos livros para um fim de semana fora, sem que me pese um grama mais. Mas o livro físico tem um encanto próprio e acredito que acabo usando as versões digitais como uma peneira para saber exatamente que livro gostaria de ter me acompanhando na vida. Acredito que a leitura seja essencial para o crescimento emocional sadio de uma criança, de um adolescente e de um adulto. A leitura nos dá companheiros de dramas familiares e muitas vezes ela nos dá respostas sem que saibamos onde aprendemos. A leitura expande a mente e nos torna mais flexíveis e mais generosos com os outros que diferem de nós.
Sempre dou livros de presente. Passo muito tempo imaginando que livro dar para quem. E espero que tenham, na sua maioria, sido bons presentes. Dar um livro bem escolhido mostra que pensamos nessa pessoa. E ao mesmo tempo, por nossas escolhas, nos mostramos também a ela. É um ato de dar e de dar-se. É um modo de aproximação, de carinho. É um gesto que diz: isso é uma das maneiras que penso em você. Dar livros é libertar a imaginação do outro e respeitá-la ao mesmo tempo. Não pense duas vezes, dê um livro de presente aos seus amigos, parentes, filhos e netos. Dar um livro é dar o mundo. Dar um livro é um gesto de amor.
© Ladyce West, Rio de Janeiro, 2018
Ilustração David Parkins.
João Cabral de Melo Neto.