Lorenzo Durán, arte com natureza

17 02 2013

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Lorenzo Durán Manuel Silva nasceu em Cáceres em 1969.  Hoje vive em  Guadalajara, próximo a Madri, capital da Espanha.  Depois de tentar várias formas de expressão artística,  desenvolveu uma técnica especial,  semelhante à usada  há séculos no Oriente e também na Europa central, de recorte de papel, para produzir trabalhos em folhas secas, de grande minúcia.

http://www.naturayarte.es

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Lorenzo Duran, article-2219024-158B24BE000005DC-216_966x611Lorenzo Durán.




Mãos: o que fazemos com elas

20 01 2013

The Uncertainty Principle Le Principe d'Incertitude, 1944

O príncipio da incerteza, 1944

René Magritte (Bélgica, 1898-1967)

óleo sobre tela

Houve tempo em que brincávamos com as mãos fazendo as mais diversas sombras.  Lembro-me de passar alguns dias de férias na casa de uma família amiga, um sítio, no interior do estado do Rio de Janeiro.  Era um lugar longínquo.  Chegávamos de trem  até a estação mais próxima e depois disso ainda íamos de charrete  até o local, uns 17 quilômetros da estação por estrada de terra.  Não havia eletricidade.  Lampiões eram acesos assim que o sol ia se pondo.  Havia lampiões em todo canto, na varanda que circundava a casa em três lados e dentro de casa.  Na varanda eram dependurados, de quando em quando, dos vergalhões que sustentavam o telhado, de telhas louçadas com decoração em azul e branco.  A casa de um andar só era rústica, e dependíamos de dosséis para nos livrarmos das mordidas de mosquitos e de todo outro tipo de inseto atraído para dentro de casa pela luz dos lampiões.  Foi a primeira e última vez que dormi debaixo de um dossel e devo dizer, foi de grande efeito ainda que abafe um pouco o ar já quente e úmido do verão tropical.  Lá, para passar o tempo das longas férias de verão, brincamos algumas noites de sombras com as mãos.  Era moderadamente divertido, mas nós os jovens adolescentes de 13 a 15 anos de idade não tínhamos muito mesmo que fazer…

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Essa lembrança me veio hoje, quando recebi um PPS com fotos  de mãos.   Não, não eram sombras.  Mas mãos pintadas fazendo  animais ou outras cenas.  Achei-as  muito criativas. São obras do artista italiano Guido Daniele de Milão. Sua breve biografia encontra-se no final. Coloco aqui algumas das imagens que recebi.  É possível que você também já tenha recebido essas fotos, já que essas coisas são virais, se esse for o caso,  reveja-as.  Um bom domingo para todos.

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Todos os trabalhos são de Guido Daniele.

Guido Daniele, nasceu na República Checa em 1950, mas mora e trabalha em Milão. Frequentou o Liceu de Arte de Brera de 1964 a 1968.  Depois fez o curso de escultura na Academia de Belas Artes de Brera de 1968 a 1972.  De 1972 a 1974 frequentou a escola tibetana Tankas em Dharamsala na Índia.  Começou sua carreira de artista visual com exposições solo e coletivas a partir de 1968. Em 1990 adicionou à sua experiência a técnica da pintura corporal pintando o corpo de modelos para fotos, filmes de publicidade, eventos. Com isso conseguiu unir as tradicionais técnicas do retrato, da pintura a óleo e da fotografia, trazendo para elas o conhecimento que tem da escultura, do objeto tridimensional.  Em 2000 começou a sua obra MANI ANIMALI  [mãos animais] que o projetou internacionalmente.





A sensualidade tátil de W. Radwan

11 01 2013

Expansão II - WRadwan 2012, Óleo sobre madeira 100 x100cm

Expansão II, 2012

W. Radwan (Brasil, 1953)

óleo sobre madeira e carvão, 100 x 100 cm

http://wradwan.blogspot.com.br/

Dando continuidade às postagens com artistas brasileiros, hoje quero mostrar  o trabalho de Wadgy Radwan, que exerce sua arte numa esfera única, entre a pintura e a escultura.  Sua última exposição na Galeria Maurício Pontual no Rio de Janeiro, que vi no final do ano passado,  explora contrastes.

Magma III, 110 cm x 110 cm - óleo sobre madeira e carvãoDeflexoes - WRadwan - Magma III - 2011Magma III, 2011

W. Radwan (Brasil, 1953)

óleo sobre madeira e carvão vegetal, 110 x 110 cm

http://wradwan.blogspot.com.br/

Suas obras são imponentes, mas não exageradamente.  Têm presença visual marcante.  Além disso, mexem com os sentidos. Minhas preferidas pertencem à série Magma.  À mim, pediram que fossem tocadas, que suas superfícies fossem apreciadas com a ponta dos meus dedos, para sentir as inúmeras facetas dos carvões.  Claro que não fiz isso.  Mas o apelo ao tato é exarcebado pelo contraste com a outra parte das esculturas-pinturas: a parte lisa.

wradwan(Brasil, 1953), Magma II, 2011, osmec, 110x110

Magma II, 2011

W. Radwan (Brasil, 1953)

óleo sobre madeira e carvão vegetal, 110 x 110cm

http://wradwan.blogspot.com.br/

Radwan trabalha com contrastes.  A série Magma mostra dois planos com pesos semelhantes: o ‘natural’ e o ‘industrial’ — essas denominações são minhas.  Além da superfície encrespada de carvão, existe o plano que funciona como ‘sombra’, em geral deslocada.  Enquanto as superfícies cobertas por carvão vegetal pintado são orgânicas, grossas e ásperas,  suas ‘sombras’ são suaves, polidas, e em cores contrastantes.   A ‘sombra’ — o reverso, o anti-natural, o industrial — contrasta em cor e acabamento com o que se apresenta como o natural, orgânico, intrigante.  Enquanto um plano é rico em tonalidades, o outro tem uma única cor,  lisa.

w. Radwan(brasil, 1953) magna I

Magma I, 2011

W. Radwan (Brasil, 1953)

óleo sobre madeira, 110 x 110 cm

http://wradwan.blogspot.com.br/

As obras pertencentes ao grupo Expansão continuam a explorar contrastes, mas de outra maneira.  Nelas, a maior parte da superfície é dedicada ao plano com textura, nesse caso, o carvão vegetal.  E a obra se abre, deixa espaço para mostar, revelar numa abertura, num entrever, o ponto de contraste. Esse pode ser trazido pela cor, ou pela introdução de outros elementos em relevo, manufaturados, com formas industrializadas dispersos sobre uma área  lisa, como acontece com  Expansão II  aqui abaixo.

Expansão iii, 2012

Expansão III, 2012

W. Radwan (Brasil, 1953)

óleo sobre carvão vegetal, PVC e madeira, 100 x 100 cm

http://wradwan.blogspot.com.br/

O trabalho exposto no fim de 2012 é o desenvolvimento de ideias  que já vinham sendo exploradas: contrastes entre formas naturais e  industriais, o jogo entre esses planos e a abordagem às questões ambientais.  Já anterior a esta exposição  o trabalho Esperança, delineava o caminho a ser traçado.

Obras WRadwan-- Esperança, (60 x 100 cm - Acrílica, carvão e madeira)

Esperança, 2012

W. Radwan (Brasil, 1953)

Acrílica, carvão vegetal e madeira, 60 x 100 cm

[Selecionada para o 9º Salão de Artes Plásticas da Academia Brasileira do Meio Ambiente]

http://wradwan.blogspot.com.br/

Aqui dois planos de dimensões próximas, um deles deslocado, oferecem contraste semelhante aos dos trabalhos vistos na Galeria Maurício Pontual.  Não consigo olhar para Esperança sem ter a sensação de uma metáfora análoga a do monolito negro do filme 2001 Odisséia no Espaço.  Há o elemento natural e o feito pela mão do homem, da mesma forma em que o monolito do filme é contrastado com a vida dos macacos no planeta.  O uso da geometria, da expansão de superfícies precisamente calculada, o espelhar de formas entre as obras, a abstração da cor — todos os trabalhos recentes se limitam a uma palheta de três cores: branco, negro e vermelho — tudo isso apela para a introspecção, a reflexão, chegando até mesmo a uma espiritualização provocada pela forma. Apelos familiares feitos por obras de artistas que têm um relacionamento estético com Radwan, mesmo que de gerações anteriores: Rothko e Louise Nevelson, são alguns dos que vêm à mente.

W. Radwan (Brasil, 1953)Encontros e desencontros,acrílica sPVC emadeira, 80 x 100 cm

Encontros e desencontros, 2011

W. Radwan (Brasil, 1953)

acrílica sobre PVC emadeira, 80 x 100 cm

http://wradwan.blogspot.com.br/

Em 2011, W. Radwan mostrou seus trabalhos na galeria TNT.  Lá também o formato, o abstracionismo trazem para discussão os icônes da industrialização.  É nessa fase imediatamente anterior que vejo maior familiaridade entre Radwan e o artista plástico Sérgio Camargo.  Mas acredito que o jogo de sombras e o uso abundante de produtos orgânicos na obra de Radwan tragam, pelo  menos nessa fase, maior riqueza, maior significação para quem as observa.  E ainda que seja herdeiro de Krajberg no uso das formas naturais, Radwan toma um caminho próprio, desligando-se a cada nova obra dessas influências, para realizar uma viagem própria,  singular e de extrema beleza.  É um grande prazer observar a sua obra.

©Ladyce West, Rio de Janeiro:2013





Dia da Bandeira: variações sobre a Bandeira do Brasil

13 11 2012

A Pátria, 1905

Pedro Bruno, (RJ, 1888-1949)
óleo sobre tela
Museu Histórico do Rio de Janeiro

Dia 19 de novembro comemoramos o Dia da Bandeira do Brasil.   Aqui estão algumas variações sobre a nossa bandeira.  Vocês estão convidados a mandar, suas próprias variantes sobre a nossa bandeira: desenhos, pinturas. Aqui vão alguns exemplos para vocês se inspirarem.  Quem quiser contribuir mande-me o seu email e eu entro em contato.

Bandeira do Brasil, criação fotográfica de Culiculicz.

Retirado de:

http://flickr.com/photos/62759970@N00/167812480/

Bandeira do Brasil, 1995

Regina Mello ( MG, Brasil, 1959)

Módulos de madeira, pintados em acrílica

250 x 160 cm

www.reginamello.xpg.com.br

Bandeira do Brasil, [Bandeira brasileira] s/d

Olavo Campos (São Paulo)

Madeira reciclada

Bandeira do Brasil

Paulo Sérgio Zerbato (Brasil, 1971)

http://paulosergiozerbato.blogspot.com.br

Bandeira do Brasil

Morandini, designer ( de seu blog: http://blog.morandini.com.br/ )

Técnica mista com folhas de árvores

Bandeira do Brasil, feita com pintura de mãos de crianças do Instituto La Fontaine, Belo Horizonte, MG.

http://institutolafontaine.blogspot.com

Boi Bandeira, 1968

Humberto Espíndola (Brasil, 1943)

óleo sobre tela

Painel do Brasil no Memorial do Imigrante, São Paulo

Yes, nós temos banana, 1999

Nelson Leirner (Brasil, 1932)

colagem sobre serigrafia, 74 x54 cm

Brasil humanitário [da Série Bandeiras Brasileiras]

Touth Andrade (Brasil, 1962)

óleo sobre tela, 80 x 90 cm

http://digitalconsciousness.com/artists/TouthAndrade/

Bandeiras Brasileiras, II

Touth Andrade ( Brasil, 1962)

http://digitalconsciousness.com/artists/TouthAndrade/

Papai Noel brasileiro,

Luis Saguar (Brasil)

Ilustração

http://saguardesign.blogspot.com.br/





Nascemos para amar, soneto LXXII, Bocage

11 05 2012

Escultura em terracota de Eva Antonini (Suiça, contemporânea).

LXII

Bocage

Nascemos para amar; a humanidade

Vai tarde ou cedo aos laços da ternura.

Tu és doce atrativo, ó formosura,

Que encanta, que seduz, que persuade.

Enleia-se por gosto a liberdade;

E depois que a paixão nalma se apura,

Alguns então lhe chamam desventura,

Chamam-lhe alguns então felicidade.

Qual se abisma nas lôbregas tristezas,

Qual em suaves júbilos discorre,

Com esperanças mil na ideia acesas.

Amor ou desfalece, ou para, ou corre;

E, segundo as diversas naturezas,

Um porfia, este esquece, aquele morre.

Manuel Maria de Barbosa l’Hedois du Bocage (Setúbal, 15 de Setembro de 1765 — Lisboa, 21 de Dezembro de 1805), Poeta português, possivelmente, o maior representante do arcadismo lusitano. Árcade e pré-romântico, sonetista notável, um dos precursores da modernidade em seu país.





O mundo dos livros mágicos de Sue Blackwell

24 11 2010

As doze princesas dançarinas, 2007

Sue Blackwell ( Inglaterra, 1975)

escultura em papel

www.sublackwell.co.uk

Recentemente para mudar de residência com um tanto de agilidade tive a difícil tarefa de selecionar entre os livros  que tenho aqueles que queria manter comigo e outros para me desfazer.  Uma seleção difícil que precisava ser feita.  Numa cidade como o Rio de Janeiro onde se tem cada vez menos espaço para morar, e numa família como a nossa em que cada vez temos mais livros para ler, há de chegar a hora em que uma decisão radical se faz necessária.  Foram-se muitos e muitos livros.  Calculamos que nos desfizemos de uns 1200 exemplares: livros lidos, que jamais iríamos reler.  Livros que marcaram nossas vidas, mas que ficaram para trás assim como os nossos “eus” daquelas épocas.  A vida mudou e eles ficaram nas estantes como marcos nos lembrando daqueles de outros tempos enquanto colecionavam poeira, que nos dava alergia.

O livro ilustrado de pássaros,  2008

Sue Blackwell ( Inlagterra, 1975)

Escultura em papel

www.sublackwell.co.uk

 Para quem gosta de livros, é difícil peregrinar pelos sebos oferecendo seus valiosos amigos e descobrir que a maioria dos sebos não tem o menor interesse em livros que foram publicados aos milhares, há três ou quatro décadas.  Os livros mais recentes até que eles levaram, mas os mais antigos, de “autores menores” ou cobrindo assuntos de interesse muito específico, ficaram conosco mesmo, para nos desfazermos como pudéssemos.  E como grande parte era em língua estrangeira, então o valor descia a ZERO.  Muitos livros de bolso em inglês, francês e alemão foram mandados para reciclagem de papel, vendidos a peso pelo catador mais próximo.  

Alice e a festa do chá maluco, 2007

Sue Blackwell ( Inglaterra, 1975)

Escultura em papel

www.sublackwell.co.uk

Com essa experiência ainda recente, qual não é o meu prazer de ver o trabalho de Sue Blackwell, esta semana. Ela consegue dar a livros antigos, que não teriam nenhuma outra utilidade, desprezados pelos sebos, uma nova versão que é absolutamente SENSACIONAL.  Observem comigo.

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De Nárnia, 2009

Sue Blackwell ( Inglaterra, 1975)

escultura em papel

www.sublackwell.co.uk

Acredito que a minha primeira reação de encantamento tenha sido um eco, digamos assim, dos livrinhos para crianças cujos personagens ou cenas se levantam das páginas, quando passamos de uma página para outra.  É um outro mundo encantador que toma forma e nos ensina sem palavras que os personagens de uma trama podem existir em um outra dimensão. 

O navio do Capitão Gancho em Peter Pan, 2007

Sue Blackwell ( Inglaterra, 1975)

Escultura em papel

 www.sublackwell.co.uk

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A própria escolha dos temas dessas esculturas, que refletem os textos das quais são extraídas, vindas em sua grande maioria de livros infanto-juvenis, de  muitas histórias para crianças, nos levam a essa comparação com os livros de crianças muito pequenas, cujos personagens se levantam com o passar das páginas.  

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Pássaros, animais e peixes, 2007

Sue Blackwell ( Inglaterra, 1975)

Escultura em papel

www.sublackwell.co.uk

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Sue Blackwell se diz  inspirada sobretudo na arte oriental do origami.  E seus trabalhos refletem um ambiente poético cuja delicadeza certamente remonta à sensibilidade oriental.

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Esperança, 2009

Sue Blackwell ( Inglaterra, 1975)

Escultura em papel

www.sublackwell.co.uk

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A mim, seus trabalhos têm afinidade ainda que remota com os romances de colagem feitos por Max Ernst da década de 30 do século passado.  A delicadeza do encontro de imagem e texto no trabalho de Sue Blackwell pode com certeza ser comparada à delicadeza do encontro de imagens explorado no trabalho de Ernst.

Flores nativas, 2006

Sue Blackwell ( Inglaterra, 1975)

Escultura em papel

www.sublackwell.co.uk

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É sem dúvida um trabalhho extremamente minucioso e que dá asas à imaginação de quem o encontra.  O poder dessa emoção transmitida pelas construções da artista já foi explorado — de maneira bem positiva — pelo mundo da propaganda e do marketing.  Abaixo um dos exemplos do trabalho com este fim.

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Que todos os nossos anúncios, que todas as nossas propagandas, tenham tanta poesia em suas mensagens.

Abaixo um vídeo para mostrar como a artista chega às esculturas que vemos.

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Fal Azevedo assombra em Minúsculos assassinatos e alguns copos de leite

24 06 2010

Vaso com flores, 1988

Fang (China/Brasil, 1931)

gravura, 48 x 58 cm

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Tenho um fraco por esculturas.  Num seminário em história da arte, há muitos anos, escrevi um artigo sobre o uso do espaço vazio, do vão, digamos assim, como parte vibrante das esculturas de Henry Moore e Giacometti: no trabalho de ambos e de maneiras diferentes, o que não está presente, o buraco (em Henry Moore) ou o espaço à volta (em Giacometti)  tem uma função tão grande, tão intensa que faz parte da escultura que vemos, que analisamos, com o mesmo peso que as formas do bronze que nos fascinam.  Este é o vazio positivo, sentido mas não visto, que conta com o ausente, tanto quanto com o que está exposto.  Pensei nesse artigo, enquanto lia o romance de Fal Azevedo, Minúsculos assassinatos e alguns copos de leite, Rocco: 2008.  Nele, o que não é dito, conta.  Fala.  Nos move e comove.  A eloquência desses pequenos silêncios  pode ser vista no minúsculo parágrafo, que cito aqui por inteiro:

O gato amarelo veio fumar comigo.  Ele morde meu dedão, charmosa tentativa de me convencer de ir até a cozinha.  A coisa mais fofa nesse gato é que, quando eu choro, ele apoia a  pata no meu rosto.  Como agora.”

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O texto segue, com outro assunto, com outro momento.

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Quantas vezes ela precisou chorar para perceber esse comportamento do gato?  Por que chorava?   O conforto de um gato seria o único conforto dado à autora dessas frases?   Não sabemos, não nos é explicado.  Passamos rapidamente para o assunto seguinte.  A vida é curta.  Há muito acontecendo.  O peso do passado também assombra.  No entanto, o sofrimento implicado pelo texto fala alto.  E nos cala.  Fal Azevedo trabalha com a elipse, a omissão do sentimento retratado,  assim como Henry Moore trabalhava com um buraco no meio do corpo de uma mulher reclinada.   Tanto em um como no outro, cabe ao leitor/observador fazer a conexão, participando ativamente do encontro.   Envolvendo-se.   O resultado sedutor, mostra um texto, que carregado de tristeza, consegue ser leve, irônico e muito, muito agradável.

Figura reclinada, década de 1980

Henry Moore ( Grã-Bretanha 1898-1976)

Litografia

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Presenciamos nesse romance a chegada de Alma, personagem principal, à segunda metade de sua vida.  Aos 44 anos, já viveu muitas vidas e mortes.  Homeopaticamente conhecemos um pouco destes eventos através de lembranças doloridas, de cicatrizes mal curadas.  Tudo é passado a limpo: as dezenas de passados, as dúzias de vidas.  Alma escrupulosamente exorciza seus fantasmas e nos lembra dos nossos.  É impossível não ter empatia.  É impossível ignorarmos a nós mesmos.  O que lhe vem à mente, chega em pequenos parágrafos, camafeus de potencialidades perdidas, nódoas de sofrimento físico e emocional do passado que ajudam a caracterizar o dia a dia de um tempo mais atual, que também presenciamos.  Estes são quase entradas em um diário, que têm, como pano de fundo, o passado.  O estilo é sucinto.  Twitter sucinto.  A cada parágrafo um tempo, uma realidade.  E sempre, sempre a angústia das vidas vividas.  O medo.  A dor.  A consciência da solidão.  

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 De grande auxílio é o formato do texto: intercala o tempo mais contemporâneo com as lembranças do passado, em diferentes parágrafos.  Cada qual tem sua própria aparência gráfica, o que facilita o entendimento da trama.  Este artifício simplifica e esclarece também um quase fluxo de consciência que nos permite conhecer Alma intimamente.   Conhecemos os eventos.  Imaginamos as emoções.

Apesar da tristeza latente, das dores auto-geradas e das auto-impostas, das frustrações e  sofrimentos dessa mulher, uma artista plástica em busca de uma identidade profissional, esse romance é repleto de otimismo, de gosto pela vida e de humor.  Oferece então, ao leitor,  uma válvula de escape e um ponto de apoio nas lutas diárias pela sobrevivência física e emocional.  Sem ser piegas, sem ser auto-ajuda essa história nos força a refletir sobre a nossa própria existência e nas ramificações dos nossos atos.  

  

Fal Azevedo

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Eu poderia continuar nesse tópico por muito tempo.  De especial ironia são as cenas e os pensamentos na galeria de arte.  Tão real…  Mas quem não gostaria de ter os amigos de Alma como amigos?  E de receber emails tão precisamente relevantes quanto ela?  Tão irônicos e concisos?  E quem não gostaria de ter como vizinho um Seu Lurdiano, que como um anjo da guarda, alimenta sua amiga com comida do corpo e da alma?  Quem não gostaria de um amigo com quem se pode ficar calado por algumas horas na mais perfeita intimidade?

Mas nenhum desses amigos, nenhum desses emails, se os tivéssemos, nada,  conseguiria dar ao leitor o prazer desse texto e os parâmetros para a auto-reflexão que esse livro consegue gerar.  Aqui fica a sincera recomendação para a leitura desse pequeno mundo mágico de Alma.  Um dos melhores livros que li em 2010 e certamente um dos mais interessantes livros que li de autor brasileiro há muito, muito tempo.  Não percam.





Theo Jansen — o escultor amigo do vento

2 06 2010

 

Animaris Rhinoceros Transport é uma espécie de animal com um corpo formado por um esqueleto de aço e pele de poliéster.  Sua aparência é arenosa, como se fosse coberto de areia.  Pesa 2 toneladas e 4,70 m de altura.  É a sua altura que permite que a força do vento o coloque em movimento.  Este animal é parte do projeto Strandbeest que o escultor holandês Theo Jansen começou em 1990.   Parte do projeto é uma loja-on-line onde Jansen vende vídeos e manuais de instrução.

Theo Jansen nasceu em Haia, na Holanda, em 1948.  Escultor-engenheiro, um artista do meio-ambiente, Jansen pensa o espaço de uma forma diferente da tradicional.  Ficou conhecido por criar esta “realidade paralela”  este mundo cinético, habitado por animais e plantas que são maravilhosos projetos de engenharia e se movem com a graça do vento ou à água.   Para ele a diferença entre a engenharia e a arte está mesmo é na cabeça de quem vê.  Talvez a coisa mais impressionante de seus trabalhos seja a delicadeza do movimento dessas criaturas gigantescas:  monstros benevolentes e dóceis.





Estátuas do século VI aC encontradas na Grécia

18 05 2010

Foto: AFP

As autoridades gregas apresentaram hoje duas estátuas em mármore datadas do século VI a.C. em uma das salas do Museu Arqueológico de Atenas. As estátuas, que representam homens,[kouros]  foram encontradas pela polícia em posse ilegal de antiquários na região de Corinto.

A Grécia,  apesar de estar no noticiário econômico nos dias de hoje como pivô da crise européia, continua a mostrar grande esforço em preservar seu patrimônio artístico milenar .  Já em 20 junho de 2009 o governo grego abriu um museu aos pés da Acrópoles em Atenas.  O Novo Museu da Acrópoles, como é chamado, foi construído com o objetivo não só de abrigar os achados arqueológicos locais, mas também de desafiar a Inglaterra a devolver ao país os símbolos de sua história: as esculturas do Parthenon de 2500 anos que foram levadas para Londres por Lord Elgin há 200 anos e que se encontram expostas ao público no Museu Britânico.  Por muitas décadas a falta de um lugar para mostrar ao público  essas esculturas da antiga civilização grega foi o motivo principal alegado pela Inglaterra para a permanência dessas esculturas em Londres.  O novo museu da Acrópoles foi a resposta dada pela Grécia.  

O museu, trabalho do arquiteto suíço Bernard Tschumi, é um prédio de 5 andares, com uma área aproximada de 14.000 m².  O edifício que é todo revestido por vidro reflete a imagem do Parthenon e as ruínas à sua volta.   Nele os mais de 200 metros do friso que decorava o exterior da Acrópole foi re-criado na galeria.  Moldes de gesso representam as esculturas que foram removidas por Lord Elgin e mais tarde vendidas ao  Museu Britânico: elas somam mais da metade de todos os painéis do friso. 

Nesse museu os moldes de gesso bem branquinhos contrastam com as antigas esculturas que com o tempo adquiriram uma pátina cor de mel.   Dessa maneira, a ausência dos relevos que se encontram em Londres é visualmente sentida.    O Parthenon que é visto das janelas do novo museu está a menos de 900 metros de distância e como um soldado vigilante  — o templo foi construído para a deusa Athena — também  reforça, na sua solidão no topo da colina, o apelo para o retorno dessas esculturas gregas para o seu país de origem.





Mariette em êxtase, de Ron Hansen

2 05 2010

 

 

Santa Teresa em êxtase, 1645-1652       [DETALHE]

Gian Lorenzo Bernini ( Itália, 1598-1680)

Escultura em mármore

Capela Cornaro, Igreja de Santa Maria della Vittoria, Roma.

Não sei exatamente porque escolhi recentemente a leitura  de Mariette em êxtase, [Editora Objetiva: 1996] romance do escritor americano Ron Hansen, um livro que já fazia moradia na minha estante há alguns anos.  Não sei tampouco como esse livro  “apareceu aqui em casa” tendo um perfil tão diferente do que costumo comprar.  Mas estou grata às circunstâncias que me levaram a ele, pois essa foi uma leitura cativante, rica e inesperadamente marcante.

A história se passa no início do século XX, no convento das  freiras Irmãs da Crucificação, no interior do estado de Nova York.  Mariette, uma bela jovem de dezessete anos, filha de um médico local, decide entrar para esse convento, o mesmo escolhido anos antes por sua irmã mais velha, também chamada para a vida monástica.  Mariette é uma jovem devota, extremamente espiritual, dada a sonhos e transes, que se realiza na vida doméstica e regrada das religiosas.  Com essa abertura, seria difícil imaginar que o cotidiano de um convento, com rotinas de orações, horas para meditação, jantares em silêncio seria evocado de tal maneira que ler o texto até o final poderia tornar-se uma obsessão tão aguda quanto se essa história fosse um conto de espionagem.

E é.  Foi assim que me senti.  Acho que esta é de fato uma história de quase espionagem, uma história de mistério.  Não da espionagem como a entendemos entre nações rivais, companhias multinacionais roubando novas idéias umas das outras.  Nem mesmo uma história de mistério com algum crime por resolver.  Mas há  semelhanças com a espionagem porque depois de seis meses de vida conventual Mariette recebe sinais de que suas preces e sua devoção são respondidas.  Sua fé talvez esteja sendo agraciada por poderes espirituais desconhecidos por meros mortais.   Agraciada por quem?  Como ela conseguiu esse canal de comunicação com o mundo espiritual?  Porque não qualquer outra freira do convento?  Fervorosa nas suas orações, zelosa ao manter suas penitências, obstinadamente dedicada à sua crença, Mariette é arrebatada por eventos fora de seu controle:  estigmas que aparecem em suas mãos, sangue que jorra de feridas no seu corpo.   Esse é o mistério que a abraça, que a faz diferente das outras irmãs. 

 

A natureza da diferença de Mariette em  relação às suas companheiras é o fator de divisão nessa pequena comunidade.  Devemos acreditar ou não nos sinais de fé da Mariette?  São verdadeiros ou forjados?   Logo, logo o convento se divide.  O mistério invocado pelos estigmas é onipresente,  devastador.  Nesse aspecto, o romance chegou a me lembrar do filme O anjo exterminador de Luís Buñuel (1962).  Não que haja perigo de morte para os habitantes do convento, mas a presença do mistério, do indescritível poder de uma força diferente, exterior, alienígena leva a revelações íntimas sobre as próprias freiras.  As conseqüências são as dúvidas sobre o próprio mistério, são a inveja, são as inseguranças de cada membro afloradas.  Tudo isso me lembrou forçosamente da parede invisível que condena os convidados de um jantar a uma clausura indefinível do filme mexicano.

O sucesso dessa narrativa deve-se principalmente à magnífica prosa de Ron Hansen, — em grande parte deixada intacta pela excelente tradução de Marcos Santarrita —  que não usa uma palavra a mais do que o necessário; que mantém até o final o enigma dos mistérios testemunhados pelos personagens e pelo leitor.  O ritmo da narrativa é fundamental nesse romance.  Determinado a não se acomodar a soluções fáceis e a dar ao leitor a opção de solucionar o que se passa por si mesmo, Ron Hansen consegue produzir uma pequena obra prima que nos leva a considerar a natureza da fé e do milagroso.  Esse é um livro fascinante.  De leitura rápida e bem ritmada, sua história fica na nossa imaginação sendo revivida de diversas formas, sendo aludida com freqüência.  Uma ótima leitura.

Ron Hansen