Três anos e redescobertas!

7 04 2025
Frente à Prefeitura de Raleigh, NC, onde nos casamos no civil.  Foto de Polaroid.

 

 

Há três anos ele se foi.  E até hoje não gosto de tomar café da manhã sozinha, em casa.  Todos os dias, para surpresa de amigos, saio, vou à padaria, muitas vezes depois de andar na praia, e tomo meu café da manhã. Um de nossos ajustes iniciais, na vida em comum, foi justamente o ritual matutino: sou a que acorda com a cabeça pronta para conversar, enquanto ele, silencioso, não queria papear.  Nem tinha cabeça para isso.  Mesmo assim, a primeira refeição do dia era nossa.  Só nossa.  Depois, preparados para o dia, por volta das seis e meia da manhã, sentávamos para ler o jornal, comentar acontecimentos, trocar ideias sobre o trabalho. Um pouco antes das oito, esse primeiro afago, essa mostra da camaradagem, da troca de pontos de vista, da leitura em voz alta de uma notícia que achávamos interessante, dividindo um com o outro a observação sobre o mundo lá fora, esse ritual de cumplicidade chegava ao fim pelas demandas do dia.  

Todas as manhãs, observávamos os pássaros no comedouro dependurado na árvore dogwood,  mais próxima da bay-window que se abria para a mesa onde estávamos.  Era um canto do jardim protegido por cerca de madeira, com pátio de tijolos vermelhos, que mesmo no inverno, quando as temperaturas baixavam em todo o resto do terreno, e até mesmo quando nevava, ali, graças ao calor retido pelos tijolos, graças à cerca de privacidade,  só nesse cantinho do jardim que protegia o pátio dos ventos gélidos, algumas plantas com ar mais tropical haviam sido plantadas, seguindo o plano do paisagista que eu contratara para que houvesse alguma lembrança de um jardim tropical nesse grande terreno que nos cercava.

Os cafés da manhã ficaram como um ritual nosso.  Mesmo nos diversos países onde moramos, mesmo quando, depois de aposentado, Harry insistiu em virmos para o Rio de Janeiro, que ele amava.

 

 

Washington, NC. no rio Pamlico.

 

 

O luto é um processo muito estranho. É claro que já passei por lutos diversos: irmão, pai, mãe, tios, amigos. Ele nos faz dar muitas voltas nas nossas memórias e as décadas de vida compartilhada parecem sair de uma pasta zipada, e a gente não sabe mais o que aconteceu exatamente quando. 

Ainda estou passando minha vida em revista.  Dizem os psicólogos, os experts em luto, que será assim por muito tempo.  Aos poucos essas revisões se atenuam.  É como fazer análise.  Que fiz há muitos anos, não agora.  O número de vezes, as horas que passei revendo a adolescência, as primeiras amizades, paixonites, primeiro namorado sério e aquele casamento, e, depois, na minha vida com Harry dariam uma série de streaming de algumas centenas de capítulos.  E essas memórias, esses eventos, acontecimentos, questionamentos, não vêm em ordem.  Hoje de manhã. me lembro da pandemia, de tarde da colega de turma na escola, que se suicidou, à noite me lembro de meu enteado no hospital com indigestão, logo em seguida,  volto ao primeiro casamento, quando morávamos em São Paulo,  como é que aquilo aconteceu mesmo?  É movimento circular, que ajuda, não sei como, mas ajuda, nessa redefinição de uma nova era, de uma nova eu. 

Mas a falta, a falta que Harry me faz, é constante.  É uma presença invisível, que me acompanha e com quem ocasionalmente troco um olhar de cumplicidade na minha mente, porque não há como não o fazer. É impressionante o que a memória guarda e  as inúmeras perguntas que se faz nessa redefinição de quem somos, por que somos assim?  O que é que queremos ainda ser, fazer, ouvir, ler, aprender? Não é necessariamente penoso esse caminho, pelo menos não tem sido.  Mas é uma busca que aparece do nada, no meio do dia, no meio de um filme, quando faço chá à tardinha, que aparece um pouco antes de dormir, e me deixa acordada a noite toda. E como eu daria, como dizem os americanos,  an arm and a leg para poder voltar no tempo, de maneira Proustiana, procurar nos detalhes das minhas memórias, meu tempo perdido.  Não quero trocar nada do passado,  mas  gostaria  observar as cenas, como se pudesse ver em um filme, estreado por essa personagem que fui,  com o conhecimento que tenho hoje.

Não sei ainda para onde caminho nessa peregrinação. Mas vejo algumas mudanças.  Pequenos passos.  Imagino conversas com minha mãe, que ficou viúva aos cinquenta e seis anos.  Mas rapidamente me lembro que ela era muito fechada, não dividia experiências e tudo que expressava era através das tintas no papel, na madeira, na arte. Cada qual tem seu caminho no luto. É um processo individual. Essa  redescoberta que faço, não acontece para todos.  Esse tem sido o meu caminho. Só. É uma solidão no peito, um vazio imenso na alma. Mas a cada dia se transforma.  A volta ao passado ajuda, não sei como ou porque, mas ajuda.  Não tenho mágoas nessas lembranças.  Foi o que foi.  Todos que um dia fizeram parte da minha vida, do meu cenário, são lembrados, contribuíram para que eu chegasse aqui, sã e salva, inteira.  I have no regrets.

 

 

Sfizef, Argélia.
Rio de Janeiro
 
 
 
Rio de Janeiro.

©Ladyce West, 7 de abril de 2025, Rio de Janeiro





Um livro clássico: Mark Twain

7 04 2025

Menina lendo livro, 2015

Michael Pracht (EUA, contemporâneo)

óleo sobre tela, 61 x 91 cm

“Um clássico é um livro que todos gostariam de ter lido e que ninguém quer ler.”

Mark Twain





Em casa: Charles Joshua Chaplin

6 04 2025

Soprando bolhas de sabão

Charles Joshua Chaplin (França, 1825 -1891)

óleo sobre tela, 41 x 26 cm





Flores para um sábado perfeito!

5 04 2025

Floreiro, 1970

Enrico Bianco (Itália-Brasil, 1918-2013)

óleo sobre placa, 17 x 14 cm

 

 

 

Natureza morta, 1981

Armando Vianna (Brasil, 1897-1992)

óleo sobre tela, 50 x 60 cm





Caratatena, poesia de Raul Bopp

5 04 2025

Leitora de livraria

David Hatfield (EUA, 1940)

 

Caratatena

 

Raul Bopp

 

Na praça. De tarde. Há batuque; Tambores.

Domingo de festa de São Benedito,

O sol se mistura com um sorriso na alegria de Caratatena,

Toda engravatada de bandeirolinhas.

E os negros chegam na “chegança”. O carimbó toca apressado

É domingo de festa de São Benedito.

 

Na boca do mato, de pouco em pouco, espouca um foguete.

Vem chegando a procissão, com o santo no andor, enfeitado de fita

E, num passo grave desfilam as velhas de olhos lúgubres, conversando com Deus:

“não deixem cair em tentação. Amém”.

 

As contas do meu rosário

São balas de artilheria

Se Deus não viesse ao mundo, meu Jesus,

Tristes de nós, que seria!

 

Na velha capela da praça bate o sino:

“Quem dá, dá; quem não dá, não tem nada que dá.”

 

Em: Poemas para a Infância: antologia escolar, editado por Henriqueta Lisboa, s/d, São Paulo: Edições de Ouro, p. 40-41.

 





Palavras para lembrar: Jane Austen

4 04 2025

Tarde de domingo

Michael Peter Ancher ( Dinamarca, 1849 – 1927)

óleo sobre tela

 

 

“Uma pessoa, seja homem ou mulher, que não tenha prazer num bom romance, deve ser um insuportável idiota.”

 

Jane Austen





Trova da chuva

4 04 2025
Ilustração, cartão postal, de Sergio Bompard.

 

Do cair da noite à aurora,
 
a chuva, em suave rumor,
 
fez toda a trilha sonora
 
das nossas noites de amor.
 
 
 
(Almerinda Liporage)
 

 





Vento do mar e o sol no meu rosto a queimar…

4 04 2025

Canal da Lagoa Rodrigo de Freitas para praia, visto do Jardim de Alah, 1962

Yvonne Visconti Cavalleiro (França-Brasil, 1902-1965)

óleo sobre eucatex, 30 cm x 40 cm.





Leitura é mágica!

3 04 2025
Ilustração de Peter Brown para o livro The Curious Garden.

 





Poesia… e poesias…

3 04 2025
Ilustração, Théophile-Alexandre Steinlen (França, 1859-1923)

 

 

 

Recentemente me perguntaram como vejo a influência dos mais de trinta anos, passados fora do Brasil.  Influenciaram minha escrita?  Estávamos num podcast e eu não havia me preparado para essa pergunta.  Não soube responder de pronto, principalmente porque eu nunca havia considerado a questão. 

A poesia me acompanha desde criança.  Para mim, ler poesia é um prazer, mas não leio livros inteiros.  Leio um poema aqui,  outro acolá.  Sou leitora promíscua e constante.  Tenho poetas preferidos.  Nos Estados Unidos, depois que me casei com um professor universitário de literatura americana, fui me familiarizando com a poesia do país, e em paralelo com os poetas ingleses, para além dos grandes nomes.  Tive sorte de também conhecer dezenas  de poetas vivos, contemporâneos., com quem convivi em encontros de escritores.  Nos EUA, morei fora do eixo cultural centralizado em Nova York —  mas sempre na costa leste, que por sua própria história mantém mais elos culturais com a Grã-Bretanha do que o resto do país. E a vida cultural no RTP [Research Triangle Park] foi rica, graças às várias e respeitáveis universidades ali concentradas [N.C. State, North Carolina, Duke, Wake Forest, Shaw, Saint Augustine, William Peace, Campbell e outras].

 

 

 

A carta de amor, 1911

George Lawrence Bulleid (Inglaterra,1858-1933)

aquarela sobre papel

 

 

 

Nunca pensei que meu primeiro livro fosse de poemas.  O que me atrai nessa escrita?  Ser sucinta, expressar pensamentos, estados d’alma, ponderações. Aquilo que me intriga e fascina.  Isso é poesia para mim.  Seu valor está na brevidade, chamando o leitor ou o ouvinte para reflexão.  E tem que ter cadência, ritmo.  Rimas ocasionalmente bem-vindas, mas não necessárias.  

Desde que retornei ao Brasil, ampliei meu contato com os nossos poetas, com a poesia contemporânea. Desconhecia muitos.  O que herdei do meu contato com a poesia anglo-americana, talvez seja a preferência pela ordem direta, pela simplicidade da imagem. Guardo, sim, sinais das dezenas de anos de imersão total no inglês. Anos sem uma palavra em português: lendo e escrevendo nessa língua.  Publicando nos jornais.  Sinto falta às vezes da precisão da língua inglesa.  Mantenho a escrita intimista, típica de muitos dos meus poetas favoritos. No inglês são, de fato, os líricos, tanto antigos quanto os da segunda metade do século XX, que mais me tocam: Frost, St. Vincent Milay, Sexton, Lowell, T. Hughes, W.C. Williams, Wallace Stevens, Dunbar. No Brasil, ah, são muitos,  conhecidos e não tão conhecidos: Drummond, Bandeira, Quintana, Murilo Mendes, Meireles.

Somos o resultado das nossas preferências; esponjas absorvendo sempre aquilo que nos fascina, agrada, intriga.  Como não ter um influência estrangeira nessas circunstâncias?  Mas é de perspectiva.  A língua em uso é bem brasileira, culta, mas brasileira.

 

 

©Ladyce West, Rio de Janeiro, 2025

 

 

Para quem não conhece, acima meu primeiro livro À meia voz. em breve Casa Vazia estará nas livrarias, ainda sem data.  Mas À meia voz, o livro com que me lancei com poesias variadas, está na Amazon tanto em papel quanto em ebook.  Será um prazer conversar com você sobre a obra.