Outono: Helen Bevington

1 06 2023

Uma estrada do interior no outono, 1918

Edward Wilkins Waite (Grã-Bretanha, 1854-1924)

óleo sobre tela

 

 

 

“O estímulo sazonal é forte entre poetas. Milton escrevia sobretudo no inverno.  Keats esperava que a primavera o acordasse (como havia feito anteriormente nos meses de abril e maio de 1819). Burns escolheu o outono.  Longfellow gostava do mês de setembro. Shelley brilhava nos meses quentes.  Alguns poetas, como Wordsworth,  trabalhavam ao ar livre. Outros, como Auden, permaneciam em lugares com cortinas fechadas. Schiller precisava do perfume de maçãs apodrecidas  à sua volta para escrever um poema.  Tennyson e Walter de la Mare tinham que fumar.  Auden bebia muito chá, Spencer café; Hart Crane álcool. Pope, Byron e William Morris eram criativos às altas horas.  E assim por diante.”

 

Helen Bevington (When Found, Make a Verse of)

 

Tradução: Ladyce West

 

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“The seasonal urge is strong in poets. Milton wrote chiefly in winter. Keats looked for spring to wake him up (as it did in the miraculous months of April and May, 1819). Burns chose autumn. Longfellow liked the month of September. Shelley flourished in the hot months. Some poets, like Wordsworth, have gone outdoors to work. Others, like Auden, keep to the curtained room. Schiller needed the smell of rotten apples about him to make a poem. Tennyson and Walter de la Mare had to smoke. Auden drinks lots of tea, Spender coffee; Hart Crane drank alcohol. Pope, Byron, and William Morris were creative late at night. And so it goes.”

— Helen Bevington (When Found, Make a Verse of)

 





Encontro carioca

1 06 2023
Encontro com a amiga e também escritora Lenah Oswaldo Cruz, em um café no Leblon, RJ.
 
Caso vocês não saibam, Lenah é autora de A voz do tempo, um livro absorvente. São memórias de suas angústias e incompreensão ainda menina, depois adolescente, e finalmente jovem mulher, para entender a paixão de Dora e Luiz, seus pais, paixão que se autodestruiu mas que gerou frutos fecundos.
 
Lenah tem sido também uma das maiores incentivadoras da minha escrita, tanto na poesia como sobre arte. Foi uma prazer imenso passar umas horinhas em sua companhia.




Carlos III, rei da Inglaterra: a coroação

1 06 2023

Retrato de Charles III por Alastair Barford.

No dia 6 de maio, Charles III da Inglaterra foi coroado.  Diferente da coroação de sua mãe, desta vez o mundo inteiro participou da cerimônia em tempo real.  Pela televisão observamos pessoas na abadia, seus gestos e roupas, sorrisos e reações.  Vimos participantes devidamente agalanados, emotivos, discretos em ricas roupagens. Uma pletora de detalhes registrada para sempre nos anais da história mundial. Detalhes dessa ocasião poderão  ser trazidos ao público, a qualquer momento, quando futuras gerações poderão também observar toda a cerimônia.

Charles III é o primeiro rei a ter toda sua vida exposta ao mundo; não só a seus súditos. Nunca tanta informação sobre um futuro monarca foi divulgada, por tanto tempo, a conta gotas, com fotos, através dos anos, através de mais de sete décadas.  Nunca tanta especulação sobre quem ele iria escolher para esposa foi assunto de multidões, súditos ou não.  Mesmo que, ao contrário de eras passadas, qualquer casamento que fizesse não fosse adicionar terras, condados, ducados, uma união de nobres que não iria levar a guerras.

Feita a escolha, com a curiosidade mundial dobrada, não faltaram fotografias na imprensa mundial sobre detalhes do relacionamento.  Nunca antes se observou os hábitos da monarquia com tanto interesse.  A cerimônia de seu primeiro casamento tomou conta do mundo atingindo a uma população muito maior do que a própria Commonwealth.  Calcula-se em setecentos e cinquenta milhões de pessoas acompanhando o casamento em tempo real. Isso antes da cobertura de eventos pela internet e redes sociais, só por transmissão televisiva. 

Da vida pessoal de Charles III soube-se de tudo:  amores, infidelidades, conversas telefônicas.  Conhecemos filhos e netos. E também seus defeitos, manias, impaciência. Percebemos que Charles, apesar de nobre, representa sua geração: baby-boomer.  Mal ou bem ele reflete os valores da geração pós-guerra.  Amou, casou e como grande parte de seus contemporâneos, também se divorciou.  Tratou os filhos com menos restrições do que foi tratado.  Interessou-se por urbanismo, quem não se lembra de seus planos para Londres?  Defensor do  meio  ambiente é  proprietário de uma fazenda de produção orgânica. na Inglaterra.  Suas preferências musicais e passatempos como a pintura de aquarelas estão acessíveis em jornais e sítios da  internet a qualquer pessoa com telefone celular.  

Tamanha exposição levou milhares de pessoas a especular sobre o futuro da monarquia inglesa.  A família real, que dizem ser tão conservadora, tão fora de seu tempo, foi, na verdade, se transformando, deixando o mundo exterior invadir sua privacidade,  mas não tão rápido quanto as redes sociais o desejavam.  A família real se rendeu ao momento na velocidade que considerou própria para sua sobrevivência. A modernização expôs a casa de Windsor ao público mundial.  Com isso, muitos se acharam no direito de opinar sobre Charles III: deveria ou não ser coroado?  Deveria ou não abdicar?  Foi a familiaridade  com essa nobreza que deu a todos a errônea percepção de que poderíamos afetar o desenrolar da sucessão real.  E a família real faria isso por que?   A família real vive de ser família real, não vai se auto consumir.

Fotografia oficial de Charles III, anterior ao dia da coroação.

Mas foi esta mesma exposição ao mundo, que nos presenteou no início do mês com a cerimônia da coroação de Charles III.  Presenteados.  Porque tivemos a oportunidade de observar em tempo real, sem edição e sem cortes, um momento histórico monumental.  Pudemos até refletir sobre história, sistemas políticos, liturgia e simbologia do poder, enquanto examinávamos o processo da coroação. 

Testemunhar o momento, observar o ritual que eu desconhecia, me emocionou. Não esperava.  Naquele sábado, acordei cedo.  Tomei café com torradas assistindo desde o início a cobertura. Pulei canais, dos brasileiros aos americanos, mas preferi no  final a transmissão da BBC e,  boquiaberta, vi se desenrolarem aos meus olhos algumas cenas que só conhecia de descrições históricas, de pinturas; dos manuscritos iluminados às grandes telas celebratórias dessas ocasiões.  Para mim, a mais rica em detalhes que certamente não são realistas é a tela da coroação de Maria de Médici de Pieter Paul Rubens, que pertence à série de pinturas monumentais em sala própria do Museu do Louvre.

Coroação de Maria de Médici, 1622-25

[Ciclo da vida de  Maria de Médici]

Peter Paul Rubens (Antuérpia 1577-1640)

óleo sobre tela, 20 das 24 telas medem 394 x 295 cm

Museu do Louvre

 

Pinturas de coroações tinham a intenção  de mostrar a autoridade do novo rei, sua proteção pelo poder divino e o direito de ser rei que lhe era confiado nesta ocasião.  Não  temos pinturas de coroações até o século XV.  E assim mesmo, o que nos resta, é uma cena fabricada pela imaginação fértil de um retratista –pintor contratado para oferecer uma obra que engrandeça o monarca ou a corte que o contratou.  Então, tudo é especulativo e a grandeza do evento provavelmente bastante aumentada.  Quase o mesmo acontece com o que sabemos por texto, ainda que neste caso haja sempre um ou outro escritor que não tenha sido pago para descrever a ocasião.

O que me emocionou ao ver a coroação de Charles III foi a conexão com o passado; o cuidado de manterem tradições centenárias, milenares, como a esfera na mão dele, culminada pela cruz, que dividida em três representa os três continentes conhecidos na Idade Média, quando este símbolo foi introduzido: Europa, África e Ásia. O robe de cor púrpura, usado por baixo do manto dourado: púrpura, a cor da monarquia desde os tempos romanos, favorecido principalmente no império bizantino.  A leitura de textos específicos do Velho Testamento, que através dos séculos foram lidos nessas ocasiões.  Essa continuidade da forma, essa linha imaginária do tempo se desenrolando aos nossos olhos, como se pudéssemos voltar atrás por segundos;  esse resgate é emocionante.  O elo com o passado, ainda vivo, que une toda cultura ocidental, foi quase palpável e para muitos que, como eu, se perdem no estudo da história comovente.  Graças ao desenvolvimento das comunicações tivemos um privilégio: o levantar de um véu que encobre o passado, nos deram as ferramentas para imaginar como teriam sido as coroações do reis, nas grandes cortes, não só a inglesa, em diversas épocas da história ocidental.

Não importa se somos ou não a favor da monarquia, na Inglaterra, no Japão, ou em qualquer outro lugar.  A decisão do tipo de governo que os países têm pertence unicamente aos cidadãos daquele lugar.  Não é para nós decidirmos.  Mas que nos foi oferecida a visão, mesmo que apenas uma nesga do passado, isso foi.  E por isso fiquei agradecida.





Imagem de leitura — Samuel John Peploe

1 06 2023

Interior com jovem de branco

Samuel John Peploe (Escócia, 1871-1935)

óleo sobre tela, 92 x 76 cm