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A leitura, s/d
Georgina de Albuquerque (Brasil, 1882-1962)
óleo sobre tela, 42 x 32 cm
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No início de setembro uma pequena notícia, durante a Bienal do Livro, aqui no Rio de Janeiro, atraiu a minha atenção: descobriu-se que apesar das vendas de livros de ficção terem aumentado muito no Brasil, os leitores brasileiros preferiam a ficção estrangeira. Preferem-na em grandes números. A leitura de ficção no Brasil aumentou no último ano 42%, mas só tivemos 11% de aumento nas vendas do mesmo gênero por escritores nacionais. Os brasileiros se recusam a comprar e a se render ao encanto dos escritores brasileiros. Isso não me pareceria normal não estivesse eu envolvida em projetos de divulgação da leitura. Sei que é verdadeiro. É uma daquelas nossas vergonhas, que varremos para debaixo do tapete, porque desvendá-la e trazê-la à luz, estragaria os prazeres de muita gente que se acredita responsável pela cultura nacional.
Aplaudo portanto o gesto de Paulo Coelho quando se recusou a participar como representante dos escritores brasileiros na maior feira de livros do mundo, a Feira de Frankfurt, na Alemanha, onde o Brasil é o país homenageado, este ano. Como divulgado pela Folha de São Paulo o escritor brasileiro mais vendido no mundo inteiro fez um ato de imolação a favor dos autores de ficção no Brasil, os verdadeiramente aclamados pelo público, aqueles que são lidos e relidos, e que representam a sociedade brasileira, de fato.
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Leitura interessante
Reynaldo Fonseca (Brasil, 1925)
gravura glicée, tiragem 10
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Paulo Coelho não aprova “a maneira como o Brasil representa sua literatura“. Concordo. Os critérios de escolha são uma incógnita. Por que? Porque uma feira como a de Frankfurt, uma feira comercial que tem representantes de editoras estrangeiras querendo fazer negócios, comprar livros brasileiros de autores brasileiros, deveria ser um local onde os escritores que mais agradam aos brasileiros, os escritores que mais vendem no Brasil, fossem escolhidos para nos representar. Por que imaginar que eles gostariam de comprar autores que não têm apoio dos leitores? As editoras não são ONGS. São negócios. Vivem de comprar e vender. Se não apresentamos autores vendáveis, roubamos de nós mesmos a oportunidade de fazermos a nossa cultura conhecida.
Fico surpresa com as escolhas de autores. Como explicar, por exemplo, que escritores como Eduardo Spohr, Thalita Rebouças, André Vianco, Raphael Draccon só para citar alguns, não estejam na lista daqueles que representam o gosto do leitor brasileiro? Alguns dos escritores brasileiros indo à feira só são fenômeno de vendas porque têm contratos governamentais. Cadê na lista os escritores que conseguem se fazer sem qualquer desses apoios? Que conseguem se apoiar em si mesmos, naquilo que escrevem?
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Menina lendo, s/d
Maria Sylvia Cordeiro (Brasil, contemporânea)
óleo sobre tela, 80 x 100 cm
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Manoel Costa Pinto disse que os autores escolhidos eram aqueles agraciados com os principais prêmios de literatura do país e com “qualidade estética”. “Qualidade estética”? O que é isso? E, sinceramente, escolher os autores que ganharam prêmios literários… esse é justamente o problema do Brasil. Na maioria da vezes damos prêmios a quem o brasileiro não lê e ignoramos acintosamente aqueles que são sucesso comercial. Eliminar quem é sucesso de vendas no Brasil é uma posição pretensiosa, de quem usa uma forma e quer que seus representantes sejam só desse ou daquele jeito, que caibam nos limites da “qualidade estética” do momento. Isso é um posicionamento elitista de quem acredita que o leitor, que não subscreve certa política, certa filosofia, o leitor, que não leva a sério as considerações filosóficas dos “profetas” da nossa literatura, é um ignorante, um imbecil, que não sabe escolher. É uma posição anacrônica que não cabe numa sociedade pluralista, numa sociedade onde ler faz parte daquilo que se faz por entretenimento, por diversão, por gosto.
Vergonha nacional este tipo de escolha “que vem de cima”. Esta lista nos rouba de uma melhor representação de quem somos para o mundo. Uma vergonha que Eduardo Sphor, autor que já vendeu mais de 600.000 volumes no Brasil, não esteja lá nos representando, nem Vianco, nem Thalita Rebouças, nem Raphael Draccon que são autores com fã-clube no Brasil. Pobre Brasil que continua a ver literatura como uma maneira de seleção de classe social, como um divisor de águas entre “os iluminados” e o povo. Estamos muito mal servidos, como em tudo o mais no país, para ser franca.