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Oui, 1921, ilustração Georges Barbier (França 1882-1932).
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Coração, ave sem penas,
às penas do amor sujeito,
não sei se vives ou penas
na gaiola do meu peito.
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(Athayr Cagnin)
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Coração, ave sem penas,
às penas do amor sujeito,
não sei se vives ou penas
na gaiola do meu peito.
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(Athayr Cagnin)
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Caçadores no bosque, 1880
Antoni Piotrowski (Polônia, 1853-1924)
Óleo sobre tela, 127 x 170cm
Christie’s Auction House, junho 2009
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Um pequeno romance de grande impacto, As Brasas de Sándor Márai revolve em torno da amizade de dois homens, amizade de infância. A trama é simples: um confronto entre dois amigos após quarenta e um anos de separação. Um evento, que se esclarece ao longo da segunda metade do livro, foi o ponto de fricção entre eles. O encontro entre os dois, cuidadosamente encenado por Henrik, um militar aposentado do exército do antigo império austro-húngaro, leva ao clímax do romance, quando, num penoso e intenso solilóquio, ele descortina as nuances de emoções e comportamentos, que explicam e justificam o evento que levou ao término da amizade.
Nesse monólogo raramente interrompido por Konrad, o amigo que o visita, e que agora reside em Londres, Henrik explora suas reações ao longo dos anos, depois da separação dele, do amigo e de Krisztina, sua esposa. A trama traz ao proscênio o melhor que a literatura tem a dar: um estudo das emoções humanas. Como componentes da trama, fazendo parte do cenário, trazidos vez por outra para o foco de luz no palco, estão o amor, a inveja, a traição, a honra e o dever.
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No entanto há uma extensa metáfora nessa encenação, que se passa no ano de 1919, logo após a desintegração do império austro-húngaro. Ambos os amigos vêm de famílias com nobreza, mas Henrik pertence a uma família mais importante, mais chegada à realeza húngara, enquanto Konrad vem de uma família nobre empobrecida, cujos laços nobiliárquicos estavam enraizados na Polônia e que precisa vender terras para poder mantê-lo na escola militar. Há um desequilíbrio de classe social e financeiro entre os dois que faz um paralelo direto com a realidade daquele império formado em 1867, entre a casa dos Habsburgos e a família real da Hungria. Quando Sándor Márai caracteriza a amizade como um dever, na fala de Henrik, ele fala de amigos ou de nações? E Konrad lembra a Henrik, que tudo que juraram defender, já não existe, mas Henrik só admite que o modo de vida do qual fazia parte talvez não exista mais ao final da narrativa.
Konrad é retratado não só como passional como indigno de confiança, como quando toca piano, uma peça de Chopin, de quem era parente distante, e se transforma. Falsidade e deslealdade eram características atribuídas a povos não húngaros. Para Henrik, ou melhor, para o verdadeiro húngaro, Konrad prova ser dessa estirpe desleal, assim como por extensão sua própria mãe e Krisztina, sua esposa. Ainda que a presença de Konrad pareça quase acidental na trama, já que é o monólogo de Henrik que revela a complexidade de seus sentimentos e de suas ações, Konrad é essencial pois torna-se o avesso, a imagem espelhada, de Henrik. Assim vemos os dois lados do império austro-húngaro: a nobreza traída, e os que dela escaparam, mesmo que a grandes penas. Diferente do esperado esta é uma história escrita não por quem venceu a guerra, mas por quem a perdeu.
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Sándor Márai
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Eventualmente Henrik reconhece que há coisas piores do que o sofrimento e a morte, entre elas, a perda do amor-próprio. E isto também pode ser visto não só como sua descoberta pessoal depois de passar quarenta e um anos analisando os eventos que levaram ao final dessa amizade, como pode ser considerado o retrato daqueles que por orgulho, dívida, dever resistiram à dissolução do império.
Como eixo da trama está Krisztina, traída duas vezes: por Henrik e por Konrad. Uma mulher enigmática, estrangeira, pobre, que receia seus próprios pensamentos e mantém um estranho diário, documento íntimo, cuja importância Henrik cultiva através dos anos e que ao final se faz totalmente desnecessário. Ela também pode ser vista por dois ângulos: traída por dois homens e traidora dos dois. Que versão adotar?
As brasas é uma obra que nos leva a pensar em círculos. A considerar as desventuras do ser humano. É apropriado perguntar se precisamos de tanto sofrimento. De tanta angústia auto-imposta. E vale lembrar que as conotações de valores como dever, dívida, lealdade, mesmo que possam ser consideradas absolutas por uns, terão sempre uma dualidade, um reverso que pode não ser esperado.
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Ano Novo, s/d
Alexandre Gulyaev (Rússia, 1917-1995)
óleo sobre tela
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Lindolfo Gomes
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Nas noites de Natal, da minha infância,
Tinha brinquedos nos meus sapatinhos,
Que um Anjo transformava em doces ninhos,
Iludindo-me à ingênua vigilância.
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Do nosso lar na idolatrada estância,
A mesa posta, com iguaria, vinhos…
Minh’alma respirava a sã fragrância
Dessas flores silvestres dos caminhos.
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Agora no Natal desta velhice,
Seguindo a vacilar por ínvios trilhos,
Arrasto os sapatões, ao léu do fado…
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Mas me revejo em plena meninice,
Ao ver nos sapatinhos de meus filhos
Meus brinquedos, meus sonhos, meu passado…
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Lindolfo Eduardo Gomes (SP 1875 – RJ 1953) Poeta, Jornalista, contista, ensaísta, folclorista, professor e teatrólogo. Passou sua juventudo em Resende, no estado do RJ, mudando-se mais tarde para Juiz de Fora, MG, onde passou grande parte da sua vida profissional tendo redigido para os jornais O Pharol, Jornal do Commercio, Diário do Povo, Diário Mercantil, revista Marília,entre outros.
Obras:
Folclore e Tradições do Brasil, 1915
Contos Populares Brasileiros, 1918
Nihil novi, 1927
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Alfredo Araujo Santoyo (Colômbia, 1972)
desenho a carvão sobre papel, 35 x 27 cm
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Joyce Carol Oates