Margarida e Donald vão a uma vernissage em Patópolis, ilustração Walt Disney.
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Meu primeiro emprego fora da sala de aula — diretora de uma galeria de arte, num centro cultural, uma ONG, nos EUA — foi uma marco positivo na minha vida profissional. Nos quase 4 anos que fiquei por lá, aprendi muito sobre gerenciamento de projetos artísticos, coisa que nenhum dos cursos de graduação ou de pós havia pensado em me ensinar, por anos e anos. Adorei. Só saí de lá, porque fui morar na Argélia. Mas nesse período eu, a galeria e a ONG ganhamos com as nossas diferenças, eu mais do que eles…
O objetivo da galeria era fazer a primeira exposição SOLO de um artista plástico que estivesse em início de carreira, mas que já estivesse a caminho de uma vida auto-suficiente nas artes. A galeria não era o foco principal desse centro cultural, que também tinha um auditório para 120 pessoas, shows nos fins de semana, de música, principalmente jazz em suas inúmeras variações; uma companhia de teatro, formada por alunos e professores de teatro nas nossas próprias salas de aula; um laboratório de fotografia e cursos de fotografia (antes das fotos digitais); cursos de pintura a óleo, aquarela, desenho; cursos de música: violão e piano; curso de jóias em prata e ouro; curso de encadernação de livros; cursos para a 3ª idade, das mais variadas matérias; e uma série de conferências às terças à noite de tirar o fôlego. É claro tínhamos um bom bar e uma lojinha-boutique de presentes, não seria EUA sem essa última.
Localizados numa cidade universitária de 400.000 pessoas contando com os alunos, a meio caminho entre Nova York e Miami, o centro cultural era onde músicos se apresentavam de maneira íntima, quando em turnês. Pequeno, liberal, criativo o centro cultural era estimado pelos artistas por sua concepção informal e por facilitar uma apresentação, além de um dinheirinho, nas viagens entre o norte e o sul do país. Funcionávamos quase 24 horas por dia, porque precisávamos pagar salários, fazer manutenção diária de limpeza das instalações à pintura de paredes, promover os eventos. A manutenção estava entre os nossos maiores gastos, e além das pessoas pagas, todos nós ajudávamos. Era essencial: ninguém gasta dinheiro num show ou numa peça de teatro, ninguém compra uma obra de arte ou passa horas-dias num curso num lugar emporcalhado, sem trato.
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Pateta faz a limpeza do sótão de sua casa, ilustração Walt Disney.
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E precisávamos aumentar a renda sempre. Isso porque queríamos expandir, melhorar a nossa programação, continuar vivos. Um grupo criativo sempre aparece com novas idéias do que fazer. O problema é: como? e com que dinheiro? Tínhamos algumas fontes de renda essenciais vindas de organizações filantrópicas, e doação em dinheiro ou em materiais de companhias nacionais, locais e de indivíduos. A importância de fontes de renda de organizações filantrópicas era tão grande que havia uma pessoa paga pela ONG o ano inteiro para competir — por 365 dias, 24 horas, 7 dias por semana – pelo apoio dessas instituições, preenchendo papelada para competição de bolsas governamentais ou daquelas oferecidas por fundações. Tínhamos também um contador que – porque eu estava sempre do lado que gastava — me parecia um capataz de fazenda cafeeira, que com o chicote na mão: não deixava nada sair do controle, nem por um único mês. Qualquer projeto que fizéssemos tinha que responder às perguntas iniciais: Quem? O quê? Quando? Quanto se gasta? Lucro estava sempre à vista. Sim, tínhamos que ter lucro. Éramos uma organização não-lucrativa, mas isso não quer dizer que não iríamos ter lucro para pagar pelos nossos gastos. Só porque éramos uma ONG, não justificava que se tivesse a intenção de perpetuamente depender do dinheiro alheiro. Na verdade, a maioria das instituições filantrópicas que nos sustentavam, requeriam que pudéssemos provar que tínhamos condições de nos sustentar. Senão, não nos dariam apoio.
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Tio Patinhas toma um banho de dinheiro revigorante, ilustração Walt Disney.
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Lembrei-me dessa época, no sábado, 19 de fevereiro, quando li no jornal O GLOBO, caderno de Esportes, o artigo de Carlos Eduardo Mansur — Boavista, um produto em exposição. [não achei o artigo na internet, ainda que o jornal tenha uma versão virtual.] Mansur comenta que o Boavista – que disputará com o Flamengo o título pelo Campeonato Carioca de 2011 — é um time pequeno que tem surpreendido a todos. Mansur lembra que o time é diferente dos demais por ter como objetivo a venda de jogadores, por isso, fazer uma boa partida, mostrar a que vieram, está na pauta do projeto do clube.
O sucesso de qualquer empreendimento depende de se entender bem, seu principal objetivo. E depois, gerenciá-lo. Isso feito, as forças do universo colaboram com você. Por que a maioria dos empreendedores quando em palestras sobre abertura de negócios enfatiza que se escreva a META da empresa? Porque ajuda seus donos a sempre se lembrarem do que é necessário ser feito, para não se perder o rumo.
O que o Boavista tem que parece diferente dos outros times cariocas? É gerenciado como uma empresa que precisa ganhar dinheiro: a Big Ball. Esta empresa, que controla o time desde 2004, é formada por 3 investidores. A exemplo de muitos times europeus, a Big Ball gerencia os profissionais do futebol, paga seus salários em dia, e investe no bem estar de seu maior patrimônio: o jogador.
É impossível saber através do artigo se Carlos Eduardo Mansur aprova esse sistema. Seus parágrafos iniciais deixam dúvida:
“Quem lançar um olhar objetivo, prático, despido de romantismo, poderá concluir que a chegada do Boavista à semifinal da Taça Guanabara consagra um momento empresarial de fazer futebol. Um olhar purista talvez reprove uma organização em que o resultado meramente esportivo não é o propósito final. Seja qual for a corrente de pensamento, uma coisa é certa. No Boavista, não há rodeios...”
Ora, ora, o futebol, assim como as artes plásticas, é um grande negócio. O romantismo não cabe na gerência de qualquer um desses empreendimentos. No futebol, deixemos o romantismo para os torcedores, nas artes ele fica com os compradores. O erro está em pensar o contrário.
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Pateta joga uma pelada, ilustração Walt Disney.
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Vamos “dar uma espiadinha” nos nossos preconceitos. Historicamente, em terras lusitanas, quem podia lucrar, fazer dinheiro, eram os nobres e o rei. Por idiossincrasia, esses não podiam mostrar que se interessavam por ele; nem mesmo levavam uma moeda, que fosse, consigo mesmos. Fora eles, quem fazia dinheiro eram os que o emprestavam aos nobres e ao rei, com juros: os judeus, párias da sociedade, mas indispensáveis. Essa premissa nos levou a considerar – entre outros parâmetros de origem religiosa – que o dinheiro não só era sujo como não deveria estar envolvido com aquilo que realmente amamos. Puxa, que carma!
Assim, o futebol, por atrair as nossas paixões, não precisa ser levado a sério a ponto de pagar seus jogadores em dia, de requerer um comportamento socialmente responsável de seus ídolos. Que não paga, não tem moral para exigir nada. Exemplos abundam à nossa volta de times que são irresponsáveis com seus caixas. Nas artes, vemos pretensos centros culturais – mantidos com dinheiro alheio — entregues às goteiras, às moscas, aos ratos, porque “denigre” as artes, a preocupação com o dinheiro. Em ambos os casos a porta para a falcatrua, para o mal gerenciamento, para a pobreza de espírito, para as panelinhas fica entreaberta, senão escancarada.
Teremos dado um grande passo para o desenvolvimento cultural no Brasil, quando considerarmos nossas organizações artísticas, a exemplo do Boavista Sport Club, um empreendimento que pelo menos seja auto-sustentável.
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©Ladyce West, 2011