Ann Womack ( EUA, contemporânea)
óleo sobre tela, 75 x 100 cm
Coleção Particular
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Será que a maneira como se pensa hoje está mudando por causa da internet? Este parece ser o grande debate do momento. Um debate que vem crescendo, engordando, e como a proverbial bola de neve movendo-se cada vez mais rápida ladeira abaixo, repercutindo entre educadores, intelectuais daqui e de fora. Esse assunto faz marolas entre os que escrevem, e entre os que pensam o mundo.
O artigo de Julho/Agosto de 2008, de Nicholas Carr na The Atlantic Magazine, Is Google making us stupid? [ Será que o Google está nos fazendo idiotas?] me levou a uma breve pesquisa (na rede) sobre o assunto e acabei com mais perguntas ainda do que respostas. De meu interesse, é o que venho observando assiduamente: a falta de paciência com textos extensos. Falta de paciência minha e de outros, de amigos e de pessoas que lêem constantemente; pessoas que liam e que hoje se dedicam cada vez mais às telas dos computadores.
Esclareço desde já que não sou contra a internet, que desde 1980, nos tempos do primeiro computador pessoal e portátil – o Osborne – tenho computador em casa e que não saberia hoje viver sem um. De modo que estas idéias não foram arrebanhadas para fazerem parte de um movimento contra a internet, até porque seria uma coisa absolutamente inútil.
Mas como tenho interesse na educação, sabendo que cada vez há mais para aprendermos antes de podermos dar a nossa contribuição para o nosso tempo, para o mundo, questiono como e quanto o uso da internet pode influenciar o modo como pensamos.
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Hoje, li o artigo A educação muda o cérebro do neurocientista Roberto Lent, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na revista eletrônica Ciência Hoje, e descobri entre outras coisas que realmente o nosso cérebro não é mais pensado como aquele órgão estático, rígido, formado enquanto somos embriões. Mas que, ao contrário, já sabemos que podemos recriá-lo, moldá-lo de acordo com a nossa educação, de acordo com o uso que fazemos dele. “Mudar as pessoas, lembra Roberto Lent, é mudar o seu cérebro”. Ora, a maneira como usamos os computadores hoje, por horas sem fim, pulando de assunto a assunto, certamente deve, de acordo com esses estudos mais recentes, deixar sua marca no nosso cérebro. Afinal ele é mutante, dinâmico e responde aos estímulos exteriores.
Concordo com Nicholas Carr quando ele considera que talvez leiamos mais hoje do que nas décadas de 1980-1990, quando a internet era primária e ainda vivíamos grudados na televisão. No entanto, a maneira como lemos hoje, de acordo com algumas pesquisas feitas, que levaram em conta os hábitos de pesquisas on-line, parece levar à conclusão de que estamos constantemente dando uma vista d’olhos no que vemos na internet, e que o que consideramos mais interessante, dedicamos só um pouco mais de tempo, um pouco mais de atenção, mas, em geral, não chegamos a ler o artigo, a postagem na sua totalidade, parando por volta da segunda página.
O hábito de pouco texto, além de ser mais imediatista como a própria internet, é também uma função desenvolvida pelos sites de notícias, que trouxeram da imprensa escrita, dos jornais, a maneira de fazer pequenos parágrafos para que qualquer editor pudesse cortar um artigo ao bel prazer, e comensurar o texto na paginação com os devidos anúncios – que são o que mantem as publicações vivas — nos locais apropriados.
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Este hábito foi passado para a internet e perdura. Se formos ver a maioria dos sites de notícias, mesmo aqueles exclusivamente eletrônicos a “economia de texto” é perceptível. É comum vermos, por exemplo, cada frase ser um parágrafo inteiro. Outra frase, a seguinte, mesmo que ainda no mesmo assunto, que em outras circunstâncias seria a continuação do mesmo parágrafo, aparece então como independente, merecendo um outro parágrafo inteiro. Assim, cada pensamento parece ser independente, ter seu próprio nível de igualdade com os outros mencionados anteriormente sem nenhuma subordinação e a cada nível somos dissimuladamente convidados a parar. A cada nível temos permissão para nos desengajar, para sair por aí afora à procura de uma outra trivialidade, de uma outra idéia.
Será que com isso estaríamos mesmo reformulando a nossa maneira de ler, de ver e de pensar? Estaríamos re-organizando os nossos cérebros para simplesmente patinarmos na superfície das palavras?
Esta é só uma das questões que me afligem no momento. Mas há outras e voltarei para falar delas.








Ladyce,
É verdade. Até as graduações diminuiram o tempo de pesquisa, sendo substituídas por pós-graduações cada vez com menor carga horária. Os trabalhos de pesquisa, são cada vez menores em extensão. Patinamos cada vez mais…
Lígia, não estou bastante familiarazada com os cursos de pós aqui no Brasil. Pergunto: essa diminuição de tempo e de pesquisa é uma coisa local, brasileira, parte de algum projeto para cobrir o grande déficit de profissionais qualificados? Ou você acha que é realmente a modernização do aprendizado trazido pela internet? E essa diminuição dos trabalhos de pesquisa leva a especializações com focos cada vez mais estreitos, ou não?
Excelentes reflexões, Ladyce!
Sou bibliotecária e vejo diariamente as dificuldades que os alunos enfrentam decorrentes da falta de leitura. As habilidades específicas requeridas para a leitura alteram-se ao longo do tempo, conforme os suportes da escrita (pedra, tijolinhos de barro, papiro, pergaminhos, códice, livro, jornal, revista, internet) e o meio social, a cultura do escrevente/leitor: SANTAELLA, L.¹ fala nos 3 tipos de leitores:
1º) o leitor contemplativo (a sós com o texto, concentrado, introspectivo );
2º) o leitor movente – após a revolução industrial e o crescimento das metrópolis (invenções de novos suportes informacionais como telégrafo, telefone, fotografia, cinema – agitação, movimento, luzes, correria, cores);
3º) o leitor imersivo – que navega construindo seu caminho no labirinto da web.
Hoje, somos um pouco de cada um desses leitores, dependendo do momento…
SANTAELLA, Lucia. Navegar no Ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Paulus, 2004.
Abraços
Kátia
Kátia, muito obrigada pela resposta e pela referência… Realmente este é um assunto fascinante. Em parte porque temos consciência da “revolução” que presenciamos, justamente pela facilidade dos meios de comunicação atuais. Tenho certeza de que anteriormente com, por exemplo, a invenção da imprensa, sentiu-se muito menos aceleradamente a mudança no modo de pensar; ou seja os envolvidos poderiam ter a consciência da revolução de que participavam, mas talvez não tivessem tanto tempo assim, durante suas vidas de perceberem o fim de uma era e o início de outra, por mais rápida que tenha sido a disseminação da imprensa .
Sou de uma geração educada antes da internet e que se “adaptou” à internet com o passar dos anos. Tenho a consciência das mudanças rapidíssimas de hoje e a memória dos tempos em que para se entender um autor e sua “tese”, para que conseguíssimos entender textos complexos, segurávamos uma idéia no ar e esperávamos, com o desenvolvimento do texto, compreender o que o autor decidira fazer, seguindo a resolução da premissa inicial. Essa memória digamos em linguagem mais moderna — memória RAM — está diferenciada hoje. Tenho a impressão de que está diminuindo, para grande parte de leitores. E o que acontecerá com um pensamento mais complexo? Como andamos — no passo em que vamos — acredito que estaremos desenvolvendo uma sociedade baseada em RAM+ e RAM-, ou seja, indivíduos com a capacidade de manter em suspenso uma idéia até o desenvolver de um pensamento complexo poderão ter uma superioridade imensa sobre aqueles que não expandiram sua capacidade RAM. Isso porque apesar do uso dos computadores ser fácil, a construção dos mesmos irá requerer cada vez respostas mais complexas que serão em grande parte determinadas pela capacidade de memória RAM de seus desenvolvedores… Ou seja, voltamos às divisões clássicas entre os que têm e os que não têm, só que não falamos, por exemplo de recursos financeiros, mas de recursos mentais. É claro que todos estarão com uma menor capacitada de atenção, mas talvez isso seja um diferenciador no futuro.
Kátia, isso traz à tona também, um outro assunto, que é a maneira de pensar impressa pelo uso da língua mãe. Por exemplo, uma das dificuldades que eu tive quando tive que aprender alemão durante o curso de doutoramento, era o fato simples e conhecido de que a língua alemã requer um pouco mais de memória RAM para que se saiba do que se fala, já que a colocação das palavras em uma frase não obedece à ordem das línguas latinas. No alemão em geral o verbo é o último vocábulo de uma frase. E as palavras ficam em suspenso para o ouvinte até que possam ser resolucionadas com a revelação do verbo. Será que esse tipo de construção verbal — que certamente modela a maneira de se pensar quando a língua nativa é o alemão — fará cm que aqueles cuja língua mãe é o alemão sofram um outro tipo dedéficit de atenção?
Ótimo texto. Isso me lembrou da aula de didática, há uns 6 anos, onde discutimos sobre a leitura vertical de mundo da geração de hoje.
Oi, Ladyce!
Também sou do tempo em que não havia computadores: minha graduação foi toda datilografada.. Minha primeira especialização à distância (UnB) foi via Correio: ler os polígrafos enviados e responder às questões (sou “jurássica” eheh). Concordo contigo: acredito que a língua mãe também tem influência na construção mental das habilidades de leitura/escrita: também estudei um pouco de alemão em Taquara (RS), durante o antigo ginasial (a letra Eszett com som de “ss”, os três gêneros, os números enormes, etc.). Imaginemos as línguas orientais – o japonês kanji – por exemplo… Há línguas escritas que utilizam símbolos e/ou estruturas frasais bastante diversas das nossas. Faz parte de uma outra cultura e penso que os caminhos mentais/cognitivos que envolvem o raciocínio oral e escrito são diversos.
Tu também te referiste à aceleração das mudanças nos dias de hoje: isto é fato: hoje, a velocidade das invenções provoca mudanças de paradigmas muito mais rapidamente do que em outras épocas: todos nós somos como o Coelho da Alice, olhando o relógio e exclamando: “-Estou atrasado! Estou atrasado!”
Esta discussão é realmente apaixonante, embora não seja bem a minha área.
Abraços
Kátia