As Parcas, ou Moiras, temidas por todos

24 08 2009

As Parcas, 1587, Jocob Matham, (Holanda,  1571-1631)Gravura em metal, Museu de Arte do Condado de Los Angeles, EUAAs Parcas, 1587

Jacob Matham ( Holanda 1571-1631)

Gravura em metal

Museu de Arte do Condado de Los Angeles, EUA

 

A discussão do livro Um Toque na estrela, de Benoîte Groult,  fica mais interessante quando se sabe quem são as Parcas ou as Moiras.  Assim, antes de postar algumas notas sobre o livro, achei que deveria me lembrar com maior detalhe sobre as Parcas.

As Parcas, [Moiras, em grego], são personagens mitológicas da Grécia antiga.  Mais tarde,  o mito grego foi importado pelos romanos. Na península italiana, elas ficaram conhecidas como Parcae, em português Parcas. 

 

 As Parcas, william-blake, 1795, bico de pena e aquarela sobre papel, Tate Gallery, Londres

As Parcas, 1795

Wlliam Blake (Inglaterra 1757-1827)

Bico de pena e aquarela sobre papel

Tate Gallery, Londres

 

São filhas das Trevas [Érebo] com sua irmã Noite [Nix].   E são três: 

Nona [Clotho] que tece o fio da vida, tecendo os dias,  atua com outros deuses aos nascimentos e partos.

Décima [Lacheisis] cujo nome em grego significa “sortear”, puxa e enrola o fio tecido, calculando seu comprimento, enquanto gira o fuso ou roldana e determina o nosso destino.  É ela a responsável pelo quinhão de atribuições que se ganha em vida.

Morta [Átropos] cujo nome em grego significa “afastar”, corta o fio da vida, determinando o momento de nossa partida. 

 

as parcas, Sampo Kaikkonen (Finlandia) ost

As Parcas, 2008

Sampo Kaikkonem ( Finlândia, contemporâneo)

óleo sobre tela.

 

Nona tem seu nome alinhado aos nove meses de gestação dos humanos.  Nove luas.

Décima tem seu nome alinhado ao nascimento, quando a vida se determina. Dez luas.

Morta tem seu nome alinhado ao momento final da vida terrena.

 

Dizem que até hoje em certas partes da Grécia acredita-se na existência destas entidades. 

As Parcas, 1513, Hans Baldung Green ( Alemanha 1484-1545) xilogravura, Museu de Arte do Condado de Los Angeles, EUA

As Parcas, 1513

Hans Baldung Green ( Alemanha 1484-1545)

Xilogravura

Museu de Arte do Condado de Los Angeles, EUA

 

Nas artes plásticas estas três personagens são em geral identificadas por três mulheres.  Mas há raros casos em que seres sem distinção de sexo também representam as Parcas.  Em geral elas são representadas fiando, medindo e cortando um fio.  Nona tem o fuso na mão.  Às vezes, mas muito raramente ela tem como atributo uma roca de fiar.  Décima tem uma roldana por onde passa o fio e Morta, a a mais terrível de todas, segura uma tesoura.  Há ocasiões em que Nona segura o fuso e Décima mede com um bastão o fio.  Também com freqüência vemos uma cesta no chão repleta de fusos.   Em geral elas aparecem como personagens numa composição alegórica de grandes proporções, próximas à imagem da Morte, um esqueleto com uma foice, que pode ou não estar dirigindo uma carruagem.  [Dictionary of Subjects and Symbols in Art, James Hall)

 John Strudwick, Um fio de ouro,  1885, ost

Um fio de ouro, 1885

John Strudwick ( Inglaterra, 1849-1937)

Óleo sobre tela

 

Observação:

 

Não sou lingüista,  Mas vejo algumas semelhanças lingüísticas que ajudam a memorizarmos os nomes:

Clotho – em grego – para Nona, que tece o fio da vida, deve ser a origem da palavra cloth em inglês, que é significa tecido.

As Parcas também eram conhecidas com Fatas no mundo romano.  Daí certamente:

Fate, em inglês, que quer dizer destino.

Fada em português que é uma entidade que pode influir e transformar o destino da vida humana.

Fado em português que significa destino, sorte.

 

 

 

As Parcas, artista_Ai_Don, caneta

As Parcas, 2008

Ai Don (contemporâneo)

Caneta e “Magic marker” sobre papel.

 

 

As Parcas aparecem freqüentemente na literatura clássica.  A cena da tapeçaria belga, abaixo, representa o 3° tema do poema Os Triunfos, de Petrarca ( Itália 1304-1374), O Triunfo da Morte.

 

as parcas, 1510-1520 tapeçaria belga

As Parcas, 1510-1520

Tapeçaria Belga

Victoria & Albert Museum, Londres

 

Para ler o poema de Petrarca, com tradução de Luís de Camões, continue na sequência.

 

TRIUNFO DA MORTE

(Tradução de LUÍS DE CAMÕES)

 

Aquela bela dama e gloriosa,

Que hoje é nu ‘spírito e pouca terra,

E foi alta coluna e valorosa;

Tornava com grande honra de sua guerra,

Deixando já vencido o grande inimigo,

Que com seu doce fogo o mundo aterra.

Não com mais armas que respeito altivo,

Honestidade em rosto e pensamento,

Coração casto e de virtude amigo.

Grande espanto era ver tal vencimento,

As armas d’amor rotas e desfeitas,

E os vencidos dele em mor tormento.

A bela dama e as outras eleitas

Se vinham gloriando da vitória,

Em bela esquadra juntas e restreitas.

Poucas eram, que rara é vera glória,

Mas dinas, da primeira à derradeira,

De claríssimo poema e de história.

Traziam, por insígnia, na bandeira

Em campo verde um branco armelino

D’ouro fino, e topazes a coleira.

Não humano, certamente, mas divino

Era o seu doce andar, e o que diziam:

Ditosa é a que nasce a tal destino.

Estrelas e sol em meio pareciam,

Em cujo resplendor o seu consiste;

De rosas coroadas todas iam.

Como nobre coração que honra aquiste,

Cada uma em sua virtude se alegra,

Quando outra insígnia vi escura e triste,

E uma fera dona em veste negra.

Com tal furor, qual eu não sei se atrás,

No tempo dos gigantes fosse em Flegra.

Chamou, e disse: donzela, tu que vás

De beleza e virtude alterada,

De tua vida o termo não saberás?

Eu sou a importuna acelerada,

Chamada de vós, gente surda e cega,

A quem morte vem antecipada.

Eu sou a que matei a gente grega

E troiana, e no último os romãos,

Que todos minha foice corta e cega.

Não deixo povos gentios nem cristãos,

Chego quando por mim menos se espera,

Atalho mil pensamentos, todos vãos.

E a vós, quando mais ledo o viver era,

Endereço meu curso, antes que a fortuna

Misture em vossa doce a sua fera.

Já nestas tu não tens razão alguma,

E em mim pouca, que em minha morte,

Respondeu a que no mundo foi uma,

Outrem sei a quem mais dura é a sorte,

Cuja vida do meu viver depende,

Que o morrer, quanto a mim, será deporte.

Qual é quem grave coisa e nova entende,

Ou vê o que no princípio não lembrou,

E ora se maravilha, ora resprende.

Tal foi a cruel; e depois que cuidou

Um pouco em si, disse: bem conheço eu

Se dá o meu golpe em cheio ou se errou.

Depois, com melhor semblante e menos seu

Disse: tu que a fremosa esquadra guias,

Inda não experimentaste o tosco meu.

Mas, se de meu conselho algo te fias,

Que forçar te posso: por melhor se tem

Fugir velhice e os seus tristes dias.

Eu sou disposta a te fazer um bem

Que não costumo; e é que tua alma vá

Sem aquele medo e dor que a morte tem.

Como apraz ao Senhor, que em cima está,

E rege o céu, e a terra, e o abisso,

Farás de mim o que dos outros será.

Em respondendo assi, eis d’improviso

De mortos se cobriu toda a campanha,

De multidão que excede o humano siso.

A índia, o Cataio, África e Espanha,

Tudo estava coberto até os extremos

Daquela infinita turba manha.

Entre eles, os que por felices temos,

Pontífices, e reis, e imperadores,

Que ora são nus e pobres, como vemos.

Que foi de suas riquezas e primores?

Dos ceptros e vestiduras reais?

Das mitras e das purpúreas cores?

Triste o que a esperança põe em bens mortais!

Mas quem a não põe? Que se depois se achar

Enganado, o remédio é por demais.

Ó cegos que aproveita o afadigar?

Que logo vos tornais à madre antiga,

E muito pouco o vosso nome há-de durar.

E se alguma há, entre vós, útil fadiga,

Ou se são todas puras vaidades,

Qual mais souber de vós esse mo diga.

Que val ganhardes reinos e cidades,

Fazerdes tributárias muitas gentes,

Forçardes nações livres e vontades?

Que achais nessas vitórias eminentes?

Trocar sangue por terra e por tesouro?

Melhor sabe na paz aos prudentes

O pão e água no pau, que a vós no ouro.

Mas por não prosseguir tão longo tema

Acabarei, e a meu lavor me torno.

E digo que já era na hora extrema

Aquela breve vida gloriosa,

No passo em que nenhum há que não trema.

Com ela estava outra valerosa

Companhia de donas, que esperava

Saber se alguma morte há piedosa.

Atentas eram quantas ali estavam

A contemplar o fim que ela fazia,

Que tal convém fazer aos que acabam.

Estando assi a nobre companhia,

Da loura cabeça, morte lhe cortou,

A trança que seus cabelos tecia.

Assi do mundo a mais bela flor levou,

Não por ódio, mas por mais cedo mostrar

Que para reinar na glória se criou.

Tristes prantos e querelas ouvi dar,

Sendo os seus belos olhos já enxutos,

De cujo nome me soía abrasar.

Entre gritos e lágrimas e lutos

Estava ela só leda e calada,

De seu casto viver colhendo os frutos.

Vai-te em paz, alma bem-aventurada,

Diziam, e era assi; mas nada val

Contra a morte cruel e acelerada.

Que será de nós? Pois esta que era tal

Ardeu em tão breve tempo e acabou

falsa e cega esperança humanall

Se de lágrimas a terra se banhou,

Com piedade daquela alma gentil,

Sabe-o quem o viu e experimentou.

Na hora prima do dia sexto d’Abril,

Em que fui preso a morte me desatou;

Que assi muda fortuna o seu estilo vil.

Quem de dura servidão mais se queixou,

Ou da morte, como eu da liberdade

E da vida, que sem ela me ficou?

Devido era ao mundo e à idade

Não preceder a da véspera ao da prima,

Nem tirar-se-lhe a ele a dignidade.

Qual fosse a sua dor que não se estima

Ousado só a cuidá-lo eu não seria,

Quanto mais a escrevê-lo em prosa ou rima.

Acabada é a virtude e a cortesia

Se ouvia lamentar junto do leito

Pelas donas e amigas que ali havia.

Quem verá mais em dama auto perfeito,

Quem ouvirá seu falar de saber cheio,

E a voz de tão suave deleito?

O espírito, por deixar o doce seio

Com todas as virtudes, anojado,

Fazia em toda a parte o ar sereio.

Nenhum dos adversários foi ousado

De aparecer ali com vista escura,

Até que a morte o assalto houve acabado.

Deposto já o medo e a tristura,

Ao belo rosto cada uma olhava,

Por desesperação feita segura.

Não como chama, que por força acaba,

Mas que por si se gasta e consume,

Se foi dentre nós a que o mundo ornava.

A modo de um suave e claro lume,

A que falta sustância e nutrimento,

a Que no fim tem usado costume;

Mais alva que a neve que sem vento

Em gracioso campo se vê cair,

Estava ela no fim do passamento.

Quase em belos olhos um doce dormir,

Sendo o espírito já partido dela!

Parecia o seu morrer o ressurgir,

E o seu lindo rosto morte bela!


Ações

Information

11 responses

25 08 2009
Iara

adorei,adorei, acho lindo mitologia greco-romana!
bjks

27 02 2012
luana peres da silva

muito interessantes

28 02 2012
peregrinacultural

Que bom que voc~e gostou. Obrigada pela visita, volte sempre, Ladyce

22 04 2012
natyR

muito perfeito
ajudou muito uma pesquisa minha
e é legal
mergulhar no mito grego
tão amplo
acho que nem em uma vida eu conseguiria descobrir tudo

23 04 2012
peregrinacultural

Naty, que bom que pude ajudá-la na pesquisa. Volte sempre é um prazer.

12 06 2012
Juliana S

Muito legal, ajudou demais.

12 06 2012
peregrinacultural

Que bom Juliana! Volte sempre…

23 09 2014
João Batista Piazza

Parabéns pela sua dedicação em disponibilizar tanta coisa boa, em um lodaçal de mesquinharias.

Fico contente em encontrar alma despojada e despida de egoismo como . a sua.

Lamentável existirem tão poucas.

Muita felicidade.

João Batista

27 09 2014
peregrinacultural

Muito obrigada!

22 01 2015
Lêda Maira

Amo tudo que vejo aqui. Um tempo magnifico se ganha…

23 01 2015
peregrinacultural

Obrigada! Volte sempre!

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