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Brasil que lê: fotografia tirada em lugar público
24 06 2009Comentários : Leave a Comment »
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José Veríssimo: Quatro dias em Minas Gerais — texto integral da Revista Kósmos, Outubro 1907
24 06 2009Mineração do ouro, Minas Gerais, Estampa Eucalol.
O artigo de ontem José Veríssimo: Quatro dias em Minas Gerais – texto integral da Revista Kósmos, Nov. 1907, foi o que mais se ocupou com a descrição das minas de manganês que eu procurava. Mas como em quase todas estas publicações antigas o artigo se dividiu em duas partes. A que transcrevi ontem que foi a segunda parte. E a que transcrevo hoje, a primeira parte, publicada no mês de Outubro d e1907.
QUATRO DIAS EM MINAS GERAIS
O que distingue e exalta o jovem e já célebre historiador italiano Sr. Guilherme Ferrero é não ser ele um simples erudito, ou artista, ou literato apenas voltado para a ordem de estudos ou de lucubrações que imediatamente interessam a sua especialidade, se não um espírito curioso de todas as coisas, aberto a todas as impressões, interessado de quanto lhe possa fornecer noções, idéias, sensações à sua inteligência ávida de alargar cada vez mais a compreensão das coisas. Desta sua feição espiritual deriva seguramente a vida que ele pôs na história romana, refazendo-a a seu modo, e intensamente vivificando-a para nosso gosto espiritual.
Não lhe bastava, pois, ver nossa capital, já quase uma cidade européia, e que lhe podia dar uma idéia falsa do nosso país. Era-lhe necessário a impressão direta deste no que ele ainda conserva de original e próprio, a surpreendê-lo em flagrante no seu trabalho de transformação.
Uma rápida excursão a Minas Gerais, de quatro dias, após digressão pouco mais longa pelo Estado de S. Paulo, forneceu-lhe ensejo de do Brasil, que rapidamente visitou, não conhecer apenas a capital. As capitais, como as salas de visita, dão sempre uma idéia falsa das nações, ou das casas, aos que não passaram delas. S. Paulo e Minas, duas das mais importantes porções do Brasil, e, não obstante tão juntas, tão distintas uma da outra, de caracteres tão diversos, teriam oferecido a arguta observação do Sr. Ferrero, um historiador para quem a vida comum, cotidiana, é também história, mais de um precioso elemento de informações e de juízo.
Pelo seu afastamento do litoral, pelo isolamento maior do mundo em que a puseram as suas montanhas, pela maior vida local que dentro dela mesma estas, separando os seus diversos cantões, lhe afeiçoaram, Minas, mais conservadora, mas também mais chã, mais ingênua quiçá mais sincera que S. Paulo, tem com este este ponto de semelhança, que são dois dos estados mais históricos do Brasil. Por menos que da nossa história saiba o eminente historiador italiano, não ignoraria isto.
Em Minas ele viu primeiro, como era natural e conveniente, minas, as de manganês de Lafayette as de ouro do Morro Velho, em Vila Nova de Lima.
O historiador italiano, Guilherme Ferrero, Revista Kósmos, Out. 1907. Fotografia sem notificação de autor.
Pela natureza do minério, e pelos aspectos da exploração, e do mesmo sítio em que esta se faz, é talvez mais interessante a Mina do Morro Velho.
A despeito da ordem cronológica, principiamos, pois, por ela.
Fica esta mina de ouro, uma das mais antigas e mais célebres do Brasil, nas proximidades de Congonhas de Sabará, hoje Vila Nova de Lima, no município de São João d’El-Rey, donde vem à companhia inglesa que a explora o seu título de S. John d’El-Rey Mining Company. Por esta são regularmente exploradas as minas do Morro Velho desde 1834, com fases sucessivas de prosperidade ou menor resultado. Hoje a exploração está em pleno desenvolvimento e, cremos, sucesso. É feita já a mais de 1500 metros de profundidade numa rede de galerias bastante amplas, suficientemente arejadas, artificialmente iluminadas a luz elétrica numa extensão de alguns quilômetros. Desce-se a elas por elevadores e nas últimas em grandes caçambas de ferro que se ainda deixam a desejar como comodidade parecem oferecer toda a segurança, o que é essencial. Nas mais profundas dessas galerias, onde o ar começa a ser mais escasso, e a imaginação nos faz sofrer do peso de mais de mil metros de rocha sobre as nossas cabeças, cavam-se ainda novos poços, donde vimos sair, à meia luz daquelas cavernas, imperfeitamente iluminadas por parcos focos elétricos, como numa visão dantesca de Gustavo Doré, homens inteiramente nus, literalmente cobertos de lama negra dos poços em perfuração. Mais adiante outros brocavam o granito com instrumentos movidos a ar comprimido, ou agachados sob as abóbadas mal abertas as iam levantando a golpes de picareta, no meio de um barulho infernal das possantes máquinas que ali nas entranhas da terra, distribuem luz, ar, força necessárias aquele duro labor de ciclopes. Tudo isso numa temperatura de 38 a 39 graus centígrados, e sob a indizível impressão de que um acidente sempre possível, o surgir inopinado de um veio d’água, uma explosão de gazes, vos pode sepultar, em transes horríveis de um desespero sobrehumano, a quilômetro e meio de superfície do solo, sob milhões de metros cúbicos de granito.
Primeira seção da vista geral de Morro Velho. Revista Kosmos, outubro 1907. Fotografia sem nome do autor.
Em cima, sobre a mina, estendem-se os edifícios, as oficinas, as usinas da mineração após o trabalho da extração em baixo. O seu material é de 120 pilões californianos, cujo socar põe em roda um estranho e constante ruído ensurdecedor. Há ainda aparelhos para o minério e pessoal, bombas, perfuradores, compressores de ar, movido tudo a força hidráulica hidroelétrica e a vapor. Nas galerias subterrâneas, o minério ou antes a pedra quebrada que o encerra é conduzido por vagonetes de ferro rodando sobre trilhos, puxados por muares, que uma vez descidos aquelas profundezas nunca mais vêem a luz do dia. Nos seus primeiros 52 anos de existência, (ela tem 72) esta mina do Morro Velho produziu 58.314 quilogramas de ouro no valor de 5.125.000 libras esterlinas, e nos últimos cinco anos, de 1901 a 1905, 13.304.042 gramas no valor de 1.419.051 libras esterlinas. E no entanto por cada tonelada de pedra extraída não dá senão 18.300 de minério de ouro. Trabalham nela pouco mais de 2 mil operários, na sua maioria nacionais. Chefes, mestres e contra-mestres são todos ingleses.
Segunda seção da vista geral de Morro Velho. Revista Kósmos, outubro 1907. Fotografia sem nome do autor.
A Companhia mantém não longe da confortabilíssima casa do Diretor, um hospital para os seus operários e suas famílias. Otimamente colocado sobre uma colina, num edifício de um só pavimento todo avarandado, este hospital pode ser modelo no seu gênero, tal é a excelência da sua instalação e a abastança de seus recursos. Dirigem-no dois médicos ingleses. Como a invejável e largamente hospitaleira residência do Diretor, o amável Sr. Chalmers, é esta casa de saúde, cercada de um parque e jardins admiravelmente cuidados, onde naquele momento havia uma luxuriosa profusão de flores, de soberbas rosas sobretudo.
Da estação de Honório Bicalho a Morro Velho é uma hora a cavalo, que nós fizemos ao chouto incomodo de burros e bestas. Salvo no vale do fundo do qual surge Vila Nova de Lima, antiga Congonhas do Campo o Morro Velho, este trecho do sertão não tem nenhuma beleza particular. Mas vista dos altos que a rodeiam aquela aldeia tem um singular encanto, e o atravessá-la, pelas suas ruas estreitas, ladeirosas e empredadas de matacães roliços, marginadas de velhas e miseráveis casas baixas, feias, de vila colonial, vos trás não sei que sentimento de melancolia. É o velho Brasil sertanejo, que ainda se demora em desaparecer mas que está evidentemente por pouco.
José Veríssimo
Terceira seção da vista geral de Morro Velho. Revista Kósmos, outubro 1907. Fotografia sem nome do autor.
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